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Embate entre Itália e França revela as fragilidades da União Europeia

A falta de consenso entre líderes europeus sobre a crise migratória promete se acirrar com os novos governos populistas. E isso é péssimo para o bloco

Embarcação Aquarius, que foi impedida de atracar na Itália: ocupado por imigrantes, navio tenta chegar à Espanha (Guglielmo Mangiapane/Reuters)

Embarcação Aquarius, que foi impedida de atracar na Itália: ocupado por imigrantes, navio tenta chegar à Espanha (Guglielmo Mangiapane/Reuters)

Gabriela Ruic

Gabriela Ruic

Publicado em 15 de junho de 2018 às 08h49.

Última atualização em 15 de junho de 2018 às 09h03.

São Paulo - A Itália e a França vivem um embate. Depois de o governo italiano se recusar a receber a embarcação Aquarius, que resgatou centenas de imigrantes no Mar Mediterrâneo, no último dia 10 de junho, o presidente francês Emmanuel Macron fez duras críticas à decisão italiana, dizendo que se tratava de uma atitude “cínica e irresponsável” da Itália.

Pressionado por Roma, Macron se desculpou nesta quinta-feira, 14, pelo tom das declarações. Mas a tentativa de abafar o caso não reduz a gravidade do problema. A crise do Aquarius expôs a falta de consenso dentro da União Europeia sobre como lidar com os imigrantes, um assunto que é um prato cheio para governos populistas e de direita, como o que assumiu a chefia da Itália este mês.

A saia justa trouxe à tona a ineficiência do bloco em atualizar seu sistema de concessão de asilo (chamada de “O Regulamento de Dublin”, instituído na década de 90) para lidar com os desafios da crise humanitária gerada pelo altíssimo fluxo migratório dos últimos anos. Em linhas gerais, a regra atual define que um imigrante deve dar entrada num pedido de moradia apenas no primeiro país europeu por onde ele entrou. É um ponto que os países localizados nas bordas do bloco, como a Itália e a Hungria, consideram injusto.

A União Europeia discute a adoção de um novo sistema há algum tempo. As proposta é que as novas regras seriam baseadas na premissa da solidariedade. Cada país se comprometeria em receber uma quantidade determinada dos imigrantes, numa tentativa de reduzir a pressão sobre os países que estão nas fronteiras terrestres e marítimas da União Europeia.

Até agora, no entanto, não há consenso entre os países, o que abre margem para que mais casos como o da embarcação Aquarius se repitam. “É preciso uma negociação política urgentemente. Sem essa via, haverá cada vez mais ações unilaterais e choques, o que compromete a legitimidade do bloco”, diz Flávio de Leão Bastos Pereira, professor de direitos humanos da Universidade Presbiteriana Mackenzie e membro da Academia Internacional dos Princípios de Nuremberg, organização que promove a justiça criminal internacional e as leis humanitárias.

A tendência é a de que esses conflitos se acirrem nos próximos anos, caso os deputados do Parlamento Europeu não cheguem a um consenso sobre o problema imigratório. Além da Itália, outros governos europeus têm endurecido as regras para os imigrantes. Um exemplo é a Áustria, que recentemente fechou mesquitas e expulsou clérigos muçulmanos do país.

Durante a crise do Aquarius, o chanceler austríaco Sebastian Kürz -- um conservador alinhado com a extrema-direita -- sugeriu que Alemanha e Itália deveriam formar com ele um “eixo anti-imigração”. O uso infeliz da palavra “eixo”, acidental ou não, tornou inevitável a associação da fala com o “eixo do mal”, o grupo formado por Alemanha, Itália e Japão durante a Segunda Guerra Mundial.

A briga Itália x França

Durante a campanha para as eleições gerais na Itália no início do ano, Matteo Salvini, líder do partido de extrema-direita Liga Norte e atual ministro do Interior do país, disse que iria interromper o fluxo migratório para o território italiano. E ele o fez sem titubear ao fechar os portos para as embarcações de imigrantes que tentaram atracar no país.

A embarcação Aquarius, coordenada pelo Médicos Sem Fronteiras (MSF) e SOS Méditerranèe -- entidades que resgatam imigrantes de situações de risco na travessia do mar Mediterrâneo rumo à Europa --, era ocupada por 629 pessoas. Elas foram resgatadas pelas duas organizações em naufrágios em águas internacionais.

A recusa em receber a embarcação veio primeiro da Itália e, em seguida, de Malta. O navio ficou dois dias à deriva até que França e Espanha se oferecessem para receber os imigrantes. Eles foram separados em outras duas embarcações, duas das quais são italianas.

O embate, é claro, foi acompanhado de declarações explosivas por todos os lados. De um lado, o presidente da França, Emmanuel Macron, acusou a Itália de “cinismo” e “irresponsabilidade”. Do outro, o primeiro-ministro da Itália, Giuseppe Conte, chamou os franceses de “hipócritas” e culpou o país por ter rejeitado imigrantes em outras ocasiões.

A crítica do líder italiano tem um fundo de verdade. Frequentemente, a polícia francesa é chamada para desfazer alojamentos improvisados de refugiados e imigrantes em cidades do país. “A atitude da Itália foi uma clara violação das leis humanitárias internacionais, mas isso não significa que o país seja o único a fazer isso”, diz o professor Bastos Pereira da Universidade Presbiteriana Mackenzie. “Não há inocentes nessa história.”

O Aquarius atracará no porto de Valência, na Espanha, mas agora enfrenta outro desafio: o mar revolto, que está dificultando a aproximação da costa. Os ânimos parecem ter se acalmado no momento. Ao mundo, e especialmente à União Europeia, resta aguardar a próxima confusão que a Itália e outros governos populistas irão causar.

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