Mudanças climáticas: Desde os anos 2000, Kuwait enfrenta pelo menos 64 dias de calor extremo (Agence France-Presse/AFP)
Agência de notícias
Publicado em 2 de agosto de 2023 às 13h21.
Chão pavimentado, palmeiras altas, lojas e terraços de restaurantes lotados: poderia ser uma avenida como outra qualquer, mas essa rua fica dentro de um shopping center no Kuwait, um dos países mais quentes do planeta.
A decoração, em parte artificial, oferece a quem o visita a ilusão de vida normal neste pequeno petroEstado do Golfo Pérsico de 4 milhões de habitantes, acostumado com verões com temperaturas próximas dos 50°C.
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Do lado de fora, são poucos os pedestres, mesmo no "souk" (mercado árabe), onde apenas algumas silhuetas e rostos cansados podem ser vistos em meio à bruma dos nebulizadores.
No mercado há quase 30 anos, Abdallah Ashkanani abre sua loja de tâmaras apenas "para manter as aparências".
"No verão, a maioria das pessoas sai, não tem ninguém no souk", conta o comerciante, de 53 anos, de origem iraniana.
Protegidos pela lona transparente do terraço de uma cafeteria, um grupo de kuwaitianos aproveita o ar-condicionado.
"Aguentamos (o calor) graças ao ar-condicionado, em casa, no carro, neste café (…)", confessa Abu Mohammed, com a tradicional veste branca e kufiya.
Este aposentado, que diz ter-se esquecido da idade, tem consciência de que o consumo excessivo de energia, dos arranha-céus aos carros de grande cilindrada, “trouxeram este calor” para o país.
Grande produtor de petróleo, uma indústria que contribui fortemente para o aquecimento global, o Kuwait, como outros países do Golfo, é um dos maiores emissores mundiais de CO2 por habitante.Com o hemisfério norte já sofrendo temperaturas altíssimas neste verão (inverno no Brasil), "o que acontece conosco também acontecerá lá fora", adverte Essa Ramadan, um conhecido especialista kuwaitiano em meteorologia.
Assim como no sul do Iraque, seu país tem verões particularmente quentes e secos por sua localização geográfica e pelo vento do noroeste, chamado shamal, explica Ramadan.
O deserto de Mitribah (norte) registra as temperaturas das mais altas do mundo, acima de 50°C, atrás do Vale da Morte, nos Estados Unidos.Mas, com um ritmo galopante de construções e um estilo de vida acelerado, o aquecimento global se intensificou nos últimos 20 anos, trazendo aumento das temperaturas e prolongamento do período de calor extremo de "entre duas semanas e um mês", o qual agora se estende até o final de setembro, explica ele.
Até o final do século passado, o Kuwait registrava em torno de 18 dias com temperaturas acima dos 50°C. Desde os anos 2000, porém, houve pelo menos 64 dias de calor extremo, detalha o especialista.
Dotado de algumas das maiores reservas de petróleo bruto do mundo, o país começou a investir no transporte público e nas energias renováveis apenas nos últimos anos, em particular com o projeto Shagaya, sua primeira central solar fotovoltaica.
Subordinada ao Ministério do Petróleo, a Autoridade Pública do Meio Ambiente tem lançado várias iniciativas. Destas, Shagaya é "a mais importante", afirma sua diretora-geral, Samira Al Kandari.
A primeira fase do projeto já está "concluída". Prepara-se uma segunda etapa, em que as energias verdes passarão a constituir até "15% da nossa produção energética até 2035", diz ela, acrescentando que a intenção é continuar aumentando esse percentual.
No nível local, também começaram a surgir algumas iniciativas individuais. É o caso de Essa Al Essa, uma dentista de 46 anos que, em 2020, durante o confinamento, fundou a Kuwait Forest para plantar, nos subúrbios da capital, o "primeiro bosque" do país.
Conhecidas por sua capacidade de absorver dióxido de carbono, as árvores "são especialmente úteis em locais poluídos, como áreas industriais e residenciais", justifica.
Al Essa considera urgente plantar nas zonas residenciais para atenuar os efeitos da atividade humana e sair do círculo vicioso que significa que “quanto mais refrigeramos nossas casas, mais esquentamos o ambiente”.