Peru: segundo o novo presidente, o processo que destituiu Vizcarra "foi um ato democrático sem compromissos políticos" (Presidência Peruana/Handout/Reuters)
AFP
Publicado em 10 de novembro de 2020 às 10h47.
O chefe do Congresso peruano, Manuel Merino, assume nesta terça-feira (9) como o novo presidente do país andino, que vive horas de grande incerteza depois que o popular presidente Martín Vízcarra foi afastado do cargo na segunda-feira.
Merino assumirá o comando em uma sessão parlamentar marcada para 10h e se tornará o terceiro presidente do Peru desde 2016, um reflexo da fragilidade institucional que caracteriza o antigo vice-reinado espanhol desde sua independência em 1821.
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O Congresso destitui Vizcarra na segunda-feira à noite por "incapacidade moral" no encerramento de um segundo julgamento político contra ele em menos de dois meses, após denúncias de que teria recebido propina quando era governador da região sul de Moquegua em 2014. Ele nega as acusações.
Vizcarra descartou ações judiciais para resistir à decisão do Congresso e disse que sairia imediatamente do Palácio do Governo para sua residência particular.
"Saio do Palácio do Governo como entrei há dois anos e oito meses: de cabeça erguida", declarou à imprensa, rodeado por seus ministros, no pátio da casa do Governo.
"Estou saindo com a consciência limpa e com o dever cumprido", acrescentou Vizcarra, que contou com níveis recordes de popularidade em seus 32 meses de mandato, o que se refletiu em marchas e panelaços em seu apoio em Lima e outras cidades após o julgamento.
A moção de impeachment foi aprovada por 105 votos a favor, 19 contra e quatro abstenções, ultrapassando em muito os 87 votos exigidos.
Político discreto quase desconhecido dos peruanos, Merino assumirá as rédeas do país até concluir o atual mandato, em 28 de julho de 2021.
Merino disse que respeitará o calendário eleitoral, que inclui eleições presidenciais e legislativas em abril de 2021.
"Do Congresso, nessa transição democrática, respeitaremos estritamente as próximas eleições. Pedimos tranquilidade", disse ele ao canal América TV.
Merino afirmou que a destituição de Vizcarra "foi um ato democrático sem compromissos políticos" e pediu "serenidade e tranquilidade", após os protestos em apoio ao presidente deposto.
Engenheiro agrônomo e pecuarista de 59 anos, Merino ganhou uma cadeira nas eleições legislativas extraordinárias de janeiro, convocadas por Vizcarra após a dissolução constitucional do Congresso em 30 de setembro de 2019.
Sua eleição como chefe do Parlamento foi promovida pela bancada da Ação Popular, partido de centro-direita ao qual pertence há 41 anos e a primeira minoria na Câmara.
O impeachment de Vizcarra foi uma espécie de repetição - mas com um final diferente - de outro processo que ele venceu em 18 de setembro.
Vizcarra teve um destino semelhante ao de seu antecessor, Pedro Pablo Kuczysnki (2016-2018), que não conseguiu cumprir seu mandato por ter sido forçado a renunciar por pressão do Parlamento.
"O Peru sai institucionalmente mais fraco. Merino será um presidente fraco. Esse é o cenário em um contexto de eleições gerais (em abril de 2021) com uma pandemia", disse à AFP o analista político Augusto Álvarez Rodrich.
"Este é um fato político que abre portas para uma situação de incerteza", disse o analista Fernando Tuesta em entrevista à emissora pública TV Peru.
"É uma situação claramente preocupante para dizer o mínimo", disse, acrescentando que "os parlamentares interpretaram a Constituição da forma que quiseram", referindo-se à imprecisão da regra sobre a "incapacidade moral".
O arcebispo de Lima, Carlos Castillo, afirmou que faltou "senso de proporção" ao Congresso ao destituir Vizcarra, o que é "algo muito sério".
No julgamento anterior, Vizcarra foi acusado de instar duas funcionárias do governo a mentirem sobre um contrato com um cantor, mas seus adversários conseguiram apenas 32 votos, longe dos 87 necessários para removê-lo.
As acusações de corrupção não abalaram o alto apoio dos cidadãos a este engenheiro de 57 anos, sem partido, ou bancada legislativa, que assumiu o poder após a renúncia de Kuczynski, de quem era vice-presidente, em 23 de março de 2018.
Como no julgamento anterior, não houve questões ideológicas nessa disputa, pois tanto o presidente quanto a maioria parlamentar são de centro-direita.
O Ministério Público deve abrir inquérito pelas denúncias de supostos subornos quando ele era governador, agora que perdeu a imunidade.
Os sindicatos patronais haviam pedido que a demissão fosse evitada para haver foco na reativação econômica e na emergência sanitária.
O Peru tem sido duramente atingido pela pandemia de coronavírus, com mais de 920.000 infecções e quase 35.000 mortes, o que levou a uma recessão após vários anos de altas taxas de crescimento.