Donald Trump e Jair Bolsonaro: acordo comercial entre Estados Unidos e Brasil parece estar no horizonte da relação dos países (Tom Brenner/Reuters)
Gabriela Ruic
Publicado em 15 de março de 2020 às 06h00.
Última atualização em 15 de março de 2020 às 06h00.
A última semana foi de avanço na relação bilateral Brasil-EUA. Em meio ao lançamento de relatório, visita presidencial e reuniões técnicas, o Brasil foi aos EUA para deixar mensagens claras e reforçar o interesse em aprofundar a relação comercial entre as duas economias.
Deixando de lado o drama do novo coronavírus afetando a Casa Civil e a Casa Branca nos últimos dias, em termos de relação comercial bilateral a reunião dos dois chefes de Estado parece ter sido produtiva, conforme consta no comunicado conjunto publicado no sábado, dia 07 de março.
De acordo com o comunicado, Bolsonaro e Trump discutiram a aceleração da participação no Brasil no programa de Operador Econômico Autorizado (OEA) – que está sendo negociado desde 2015 -, com objetivo de agilizar os trâmites aduaneiros a partir de 2021.
Novamente, o presidente Trump reiterou o apoio dos EUA ao Brasil, para o processo de adesão à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Ademais, os presidentes instruíram seus técnicos a aprofundar as discussões para um pacote comercial bilateral a ser concluído ainda este ano, com vistas a intensificar a parceria econômica entre os dois países.
Paralelamente e no âmbito da visita do último final de semana, a Apex Brasil e o think-tank Atlantic Council promoveram em Washington DC, no último dia 05 de março, evento importante com autoridades dos dois países para lançar o relatório “Comércio e investimento direto estrangeiro Brasil-EUA: aprimorando o relacionamento econômico bilateral” (US-Brazil trade and FDI: enhancing the bilateral economic relationship).
O relatório técnico assinado por quatro autores (duas ex-autoridades brasileiras e duas ex-autoridades norte-americanas) foi bem recepcionado pela audiência nos EUA na última semana, e oferece uma visão renovada e sugestões de medidas concretas para aprofundar o relacionamento comercial e lançar bases para um possível acordo de livre comércio entre os dois países. Surpresa boa, muito do que sugere o relatório fez parte da conversa entre os times de Trump e Bolsonaro.
Para o propósito deste artigo, importa destacar aspectos do relatório que encontram eco nos pedidos do setor privado norte-americano para o seu governo no que diz respeito ao comércio com o Brasil: 1) conclusão de capítulos para uma primeira fase de acordo comercial ainda em 2020; 2) aprimorar boas práticas regulatórias entre os países, bem como cooperação regulatória entre setores específicos; 3) negociação para evitar bitributação entre os países; 4) coordenar esforços para adesão do Brasil à OCDE; e 5) concluir o processo de OEA.
Vale destacar que, de todas as medidas abordadas no relatório e largamente discutidas entre setores público e privado dos dois países nos últimos anos, uma das que parece mais óbvias e que pode ter um impacto imenso do comércio bilateral não tem recebido a importância que merece: as boas práticas regulatórias.
Apesar de todo esforço regulatório sobre o assunto que foi feito no Brasil no último governo - inclusive com o bem-sucedido funcionamento do Grupo de Trabalho de Regulação (GTREG) da Câmara de Comércio Exterior e do Grupo de Boas Práticas da Casa Civil -, a agenda perdeu fôlego dentro da atual administração. Não é demais estimar que os entraves regulatórios no comércio internacional são responsáveis por, aproximadamente, 60% do equivalente às tarifas às importações.
Bem verdade, não só para o comércio, mas também para adesão completa do Brasil à OCDE, essa agenda regulatória precisa ser retomada com urgência no país. Tanto o relatório publicado na última semana como o comunicado conjunto dos presidentes estimulando a conclusão de um acordo de comércio ainda em 2020, considerando temas regulatórios e outras questões extremamente relevantes para o trânsito de bens e serviços, são boas novas para o comércio bilateral.
Uma das dúvidas mais frequentes sobre esse assunto diz respeito a possibilidade de o Brasil avançar num acordo com os EUA sem o Mercosul, já que há, de fato, uma limitação legislativa para tanto no âmbito do acordo regional: a decisão do Conselho do Mercado Comum (CMC) 32/2000.
Note-se, porém, que conforme uma interpretação possível do Artigo 1 da Decisão CMC 32/2000, sim, há viabilidade de o Brasil avançar em um acordo bilateral com os Estados Unidos, desde que esse acordo (ou os capítulos negociados) não concedam preferências tarifárias a terceiros países ou blocos extra-zona.
Na última semana aqui nos EUA, as autoridades brasileiras foram taxativas ao afirmar que o Brasil está pronto para um acordo de comércio com os EUA (seja ele qual for), e que, ainda que prefiram seguir essa negociação de forma alinhada com o Mercosul, deixaram claro que estão dispostos a seguir em voo solo na eventual falta de alinhamento com os países vizinhos.
*Renata Amaral é doutora em Direito do Comércio Internacional, professora na American University, em Washington DC e fundadora da rede Women Inside Trade