Mesmo com o frio e a chuva, os londrinos insistem no uso da bicicleta como meio de transporte complementar na cidade (Peter Macdiarmid/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 30 de abril de 2012 às 10h46.
Desde que se aposentou do serviço civil, Bill Marshall, 71 anos, adquiriu o hábito de passar as tardes no Coronet. Não diariamente, garante, mas em "alguns dos dias da semana" ele vai ao balcão do velho pub, localizado próximo a sua casa, em Holloway Road, no norte de Londres, pega meio litro de cerveja vermelha servida na temperatura ambiente e se senta à mesa com o amigo escocês David Forbes, 70. Os dois conversam sobre política, futebol, música, tecem comentários sobre as jovens senhoras da vizinhança e, quando a fome se faz presente, pedem o almoço.
Nos domingos, invariavelmente recorrem ao assado da promoção. Mas na maioria das vezes a pedida clássica é um filé de bacalhau empanado com pedaços graúdos de batata frita. Afinal, o "fish&chips" (peixe&fritas) não faltou nem mesmo em tempos de forte política de racionamento - como em 1941, quando Marshall nasceu e os britânicos enfrentaram sozinhos o poderio aéreo da Alemanha nazista, em expansão após a queda da França e anterior à entrada da União Soviética dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial.
O fish&chips andou em baixa, e não faz muito tempo. O problema é que a diminuição dos estoques marinhos devido à pesca industrial das últimas décadas fez o preço do peixe aumentar. E gradualmente perdeu lugar para hambúrgueres, comida indiana, frango e pizza no ranking das fast foods mais populares, de acordo com o grupo NPD, que pesquisa as tendências da indústria alimentícia no Reino Unido.
Como prova a história, o povo da ilha não se deixa abater facilmente, e algumas ações foram adotadas para salvar o costume bretão. O resultado é que o prato da dupla de amigos no pub está diferente, e eles mal notaram. "É sustentável? Bem, eu aprovo. Não quero ver o bacalhau acabar", afirma Forbes. "É! Não pode se tornar escasso, assim como o cabelo dele", completa Marshall, apontando para a cabeça calva do amigo.
O bacalhau sustentável
Assim como o "atum amigável aos golfinhos" (em tradução literal), os ovos de galinhas livres (em tradução próxima à literal, pois a criação das aves não se dá em gaiolas) e as batatas produzidas em fazendas locais – passou a fazer parte do cardápio de uma das maiores redes de pubs do Reino Unido, o grupo J.D Weatherspoon, que é dono do Coronet e de outros 849 pubs que, juntos, servem 6 milhões de clientes por semana no território de Elizabeth II.
Jameson Robenson, gerente geral de alimentação da rede, afirma que todo o bacalhau e o salmão utilizados pela companhia vêm de áreas de pesca controladas e certificados pelo Marine Stewardship Council (MSC). "Muitos de nossos clientes dão importância a isso e são conscientes sobre os problemas da pesca em excesso e da ameaça às espécies. Poder oferecer bacalhau e salmão sustentável em nossos menus é um bom diferencial em relação a muitos de nossos concorrentes", afirma.
Por sua vez, a MSC, uma organização internacional sem fins lucrativos, tem içado as velas para dar conta dos pedidos de certificados de sustentabilidade. Afinal, não são só os pubs que estão atrás de diferenciais que possam atrair o consumidor, cada vez mais ecologicamente exigente.
Com o apetite dos supermercados para também incluir em suas prateleiras peixes e frutos do mar certificados pela MSC, o número de produtos que levam o selo de sustentabilidade no Reino Unido aumentou de 701 para 988 em um ano. Segundo o Banco Cooperativo, o mercado da pesca sustentável cresceu 16,29% entre 2009 e 2010, atingindo 207 milhões de libras. É peixe que não acaba mais, literalmente, para o bem dos negócios e dos cardumes.
Ainda que esse seja um caso bem-sucedido das práticas ecológicas do dia a dia britânico, a tendência não se restringe aos alimentos marinhos. Mesmo durante a recessão que atingiu o país na sequência da quebra do Lehman Brothers e da explosão da crise mundial, em 2008, o crescimento do consumo eticamente correto – que inclui produtos e serviços que vão desde eletrodomésticos com eficiência energética, passam por carros ecológicos, pela venda de bicicletas e vão até os mórbidos "funerais verdes" (veja quadro abaixo) – se manteve inabalável
De acordo com o último Relatório de Consumo Ético, divulgado anualmente pelo Banco Cooperativo, o mercado consciente teve crescimento de 9% em um ano, atingindo os 46,8 bilhões de libras (aproximadamente 135 bilhões de reais). O crescimento ao longo da década é de 28%, desde que o relatório começou a ser divulgado, em 1999.
Até os ultra característicos ônibus vermelhos de dois andares estão ficando verdes – ou seja, adotando características ecológicas, como divulga a Transport For London (TFL) em cartazes espalhados pela cidade. A venda de veículos ecologicamente corretos (híbridos, movidos a gás GLP ou elétricos) mais do que dobrou, tendo um aumento de 128%.
A febre verde, que também passa por iniciativas governamentais de adoção de energia renovável, fez o Reino Unido somar 68,82 pontos no ranking dos países de melhores iniciativas ambientais, organizado pela universidade americana de Yale. Atualmente, os britânicos ocupam a nona posição, deixando para trás a historicamente bem posicionada Alemanha (66,8 pontos) e ficando bem à frente do Brasil, que tem 60,9 pontos e está na 30ª posição.
O esforço das empresas rumo às práticas e produtos sustentáveis só é possível porque há, do outro lado, uma consciência ambiental em expansão, para além das prateleiras. Sustentabilidade implica, em última análise, em uma mudança de estilo de vida. Nos últimos anos, o trânsito de Londres passou a ter que conviver com um outro tipo de problema: a proliferação em massa das bicicletas. Segundo a TFL, a quantidade de ciclistas, a despeito do frio e da chuva típicos da capital, mais do que dobrou nos últimos dez anos.
A radicalização do conceito faz com que o comportamento “verde” se estenda para além da vida. “Morrer verde” é possível? Um número crescente de britânicos acredita que sim. E o setor de "funerais verdes" teve um crescimento de 40% entre 2009 e 2010. O primeiro cemitério ecológico no Reino Unido abriu em 1993. Hoje o Centro de Morte Natural, uma sociedade sem fins lucrativos, cataloga 260 estabelecimentos que realizam sepultamentos com caixões biodegradáveis e não utilizam tumbas de concreto. A ideia é morrer e deixar um parque livre para virar reserva ambiental ou uma boa área para piqueniques, em vez de um enorme campo em desuso, tomados por pedras e lápides que demoram uma eternidade para se decompor, como são os cemitérios de hoje.
Exageros à parte, ações que adotam e propagam a consciência ambiental são uma semente importante. Um primeiro passo, certamente, de um caminho longo. Mesmo com todo o marketing recente, que obviamente tem mais apelo entre os consumidores que têm dinheiro para optar entre algo mais correto e, possivelmente, mais caro, o mercado verde ainda engatinha.
Apesar do crescimento, o setor de peixes sustentáveis, de 207 milhões de libra em 2010, ainda representa uma parcela pequena de toda a indústria pesqueira no Reino Unido, avaliada em 719 milhões de libras, em 2010. A indústria automobilística movimentou 49 bilhões de libras no mesmo ano, enquanto os carros verdes apenas 846 milhões de libras (nota-se que a Sociedade de Fabricantes e Vendedores de Veículos Automotores, SMMT, sigla em inglês, monitora as emissões dos novos veículos, mesmo aqueles não considerados verdes, e elas baixaram 23,7% em dez anos).
E, claro, a imensa maioria dos britânicos ainda é enterrada em cemitérios normais ou cremada, o que depende do consumo de grande quantidade de energia. A boa notícia – por trás das manchetes de mais um período de recessão para a gigante economia de 2,1 trilhão de dólares anuais estampado nas capas dos jornais em Londres na última quinta-feira – é que os tempos difíceis não impediram os súditos do reinado de dar valor ao que é ecologicamente correto.