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Em cúpula do clima, Brasil enfrenta seu maior teste na relação com EUA

Será a primeira vez que Biden e Bolsonaro ficarão frente a frente, ainda que virtualmente

Torcida de Bolsonaro por Donald Trump colocava Brasília em choque com a nova era inaugurada em Washington (Adriano Machado/Reuters)

Torcida de Bolsonaro por Donald Trump colocava Brasília em choque com a nova era inaugurada em Washington (Adriano Machado/Reuters)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 18 de abril de 2021 às 16h20.

Desde a eleição de Joe Biden, o presidente Jair Bolsonaro soube que precisaria mudar sua política externa se quisesse manter abertos os canais com a Casa Branca. As notórias diferenças entre os dois líderes e a torcida de Bolsonaro por Donald Trump colocavam Brasília em choque com a nova era inaugurada em Washington. Biden manteve o pragmatismo no trato com o Brasil, mas o maior desafio na relação bilateral ocorrerá nesta semana, durante a cúpula do clima.

Na campanha eleitoral, o democrata prometeu reunir o mundo, se preciso, para pressionar o governo brasileiro a preservar a Amazônia. Na quinta-feira, 22, 40 líderes mundiais estarão reunidos a convite da Casa Branca para marcar a volta dos EUA à liderança internacional na busca de soluções para o aquecimento global.

Será a primeira vez que Biden e Bolsonaro ficarão frente a frente, ainda que virtualmente. Até agora, houve apenas troca de cartas. Na mais recente, de Brasília a Washington, Bolsonaro prometeu acabar com o desmatamento ilegal até 2030.

Em resposta, os americanos mandaram um recado: o salto de qualidade na relação bilateral e a manutenção de parcerias, como o apoio à adesão do Brasil como membro da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE), dependem do sucesso das negociações ambientais.

“Biden avisou que faria da mudança climática a peça central de sua diplomacia. E isso é real. Quando ele escolheu John Kerry para comandar esse esforço, enviou uma mensagem clara ao mundo. Kerry é alguém de alto nível que entende o que precisa ser feito e tem a determinação para fazer”, diz Tom Shannon, que foi embaixador dos EUA no Brasil durante parte do governo de Barack Obama.

Negociações. Em todas as conversas com diplomatas e assessores do alto escalão do governo brasileiro, os americanos deixaram claro que a questão ambiental é a nova prioridade na relação com o Brasil. O assunto fez parte de telefonemas entre Kerry e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, entre o ministro da Economia, Paulo Guedes, e a secretária do Tesouro, Janet Yellen, e entre Ernesto Araújo, então chanceler, e Antony Blinken, secretário de Estado dos EUA.

Nos últimos dois meses, Brasil e EUA negociaram semanalmente temas como monitoramento de queimadas e desenvolvimento de bioeconomia. “Os dois países fizeram esforços reais para remodelar a relação e os dois perceberam que é uma relação importante demais para falhar nessa tentativa. Isso é positivo, mas ainda há muito trabalho para fazer”, afirma Shannon.

O fluxo de comunicação é intenso e o tom das conversas, segundo fontes dos dois lados, é amistoso. Mas os americanos têm cobrado - nos bastidores e publicamente - que o governo brasileiro se comprometa com metas mais ambiciosas. Enquanto isso, o Brasil pede financiamento para bancar programas de preservação.

Pressão política. Em entrevista ao Estadão, Salles disse ter pedido US$ 1 bilhão para reduzir a devastação da Amazônia em até 40% em 12 meses. Mas os EUA indicam que a verba deve ser atrelada à entrega de resultados primeiro - e ainda neste ano. “O plano é US$ 1 bilhão por 12 meses, sendo um terço para ações de comando e controle, e dois terços para as ações de desenvolvimento econômico”, disse o ministro. “Se esse recurso estiver disponível para usarmos desse modo, nos comprometemos a reduzir de 30% a 40% em 12 meses.”

Ambientalistas e comunidades indígenas, no entanto, temem que Biden financie programas ambientais de Bolsonaro que serão comandados por Salles. “Um acordo traria prestígio político na área de clima, onde o governo brasileiro não perdeu uma oportunidade de chafurdar na lama”, afirma Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima.

“Eu até consigo compreender a razão de os EUA quererem fazer isso, que é colocar em cima da mesa uma cenoura para o Brasil mudar o comportamento. Mas seria um gesto de empoderamento político do Brasil com potencial de causar um estrago muito grande internamente.”

Diante de sinais dos EUA de que a assistência financeira depende de metas concretas e imediatas, nos últimos dias, integrantes do alto escalão do governo Bolsonaro tentaram minimizar a importância da reunião. Em Brasília, auxiliares do presidente têm defendido nos bastidores que o encontro apenas pavimentará o caminho para a Cúpula do Clima da ONU, a COP-26, marcada para novembro em Glasgow, no Reino Unido.

Isso abriria uma brecha para o Brasil indicar que, até o fim do ano, por exemplo, fará novas concessões com relação à proteção ambiental. Também há quem diga no governo brasileiro que o evento desta semana é importante para os EUA se reabilitarem como líderes mundiais na questão ambiental, após quatro anos em que Trump retirou os americanos das discussões - o Brasil, portanto, não estaria nos holofotes.

Objetivos. Os americanos, de fato, apresentaram a cúpula como um preparatório para a reunião de Glasgow. No entanto, integrantes do governo Biden e especialistas que acompanham o assunto dizem que não se deve subestimar a busca da Casa Branca por vitórias diplomáticas concretas ainda nesta semana.

“Mostrar que os EUA estão de volta é algo importante, mas seria um erro pensar que a conferência e tudo o que Kerry tem feito são um show apenas para propósitos domésticos. Essa não é a forma que Biden ou Kerry operam. Eles estão determinados a causar impacto. Para isso, querem o Brasil como parceiro”, diz Shannon.

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