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Em busca da verdade: como as percepções das pessoas afetam a compreensão da realidade

Pesquisa da Ipsos destaca que as pessoas frequentemente exageram a escala de problemas sociais

Marcos Calliari
Marcos Calliari

CEO da Ipsos no Brasil

Publicado em 8 de janeiro de 2025 às 18h33.

Última atualização em 8 de janeiro de 2025 às 19h35.

A percepção humana, longe de ser objetiva, é constantemente moldada por vieses inconscientes, que atuam como filtros interpretativos da realidade. Esses vieses, frutos de experiências passadas, crenças culturais e associações implícitas, operam de forma sutil, influenciando nossos julgamentos e decisões sem que tenhamos plena consciência de sua atuação. Compreender como esses vieses inconscientes afetam nossa percepção é crucial para construirmos relações mais justas e equitativas.

A nova onda do estudo “Perils of Perception 2024” da Ipsos revela com clareza como estes vieses se manifestam. Com base em mais de 200 mil entrevistas em 40 mercados, essa pesquisa nos convida a refletir sobre o impacto desses vieses na percepção dos entrevistados sobre diferentes temas de interesse da nossa sociedade.

A pesquisa destaca que as pessoas frequentemente exageram a escala de problemas sociais. Por exemplo, 68% dos brasileiros acreditam que a taxa de homicídios no país, em 2024, é mais alta hoje do que era em 2000, quando, na realidade, segundo estatísticas oficiais de segurança pública, ela é -3 p.p. menor hoje do que era no início do século.

E esse fenômeno não acontece somente no Brasil. Como se pode notar no gráfico a seguir, 59% dos entrevistados em média global acreditam que a taxa de homicídios aumentou, com variações entre os países, como na África do Sul, onde 85% dos respondentes acreditam no aumento da criminalidade. O fato é que na média global, a taxa de homicídio permanece a mesma dos anos 2000.

A taxa de homicídios atual é maior ou menor que nos 2000?

Outro exemplo significativo é a percepção sobre a imigração. Em muitos países, as pessoas superestimam a proporção de imigrantes na população. Um caso clássico é o dos Estados Unidos, onde os respondentes acreditam que 30% da população é composta por imigrantes, quando na verdade o número real é metade, em torno de 15%. Isso ocorre em países como Alemanha, Itália e França, cujas pautas políticas sempre incluem a questão da imigração como um tema sensível no país, mas que tem números reais bem abaixo do que a imagem que as populações percebem. Esta percepção equivocada pode alimentar discursos xenofóbicos e políticas restritivas, impactando negativamente a coesão social.

Qual você acha que é a proporção de imigrantes no país?

No caso do Brasil, a enorme discrepância entre percepção versus realidade nesta pauta de imigração se dá muito pelo fato de aqui os respondentes ainda associarem o termo “imigrante” aos italianos, portugueses, japoneses e libaneses que começaram a vir para o país no fim do século 19 e não das migrações contemporâneas. Neste caso a percepção de 24% de imigrantes na população é largamente superestimada ao 1% real de população imigrante no país hoje. Um viés, neste caso, causado pela associação comum do termo “imigrante” a outro contexto histórico.

Implicações na realidade

Essas discrepâncias entre percepção e realidade não são meramente acadêmicas; elas têm implicações reais. Quando as pessoas acreditam que a criminalidade está em alta ou que os imigrantes são maioria, isso pode gerar pânico moral, influenciar políticas públicas e até mesmo afetar o resultado das eleições. Além disso, essas percepções errôneas podem minar a confiança nas instituições, nos especialistas e até na própria democracia. O gráfico abaixo mostra que 24% dos entrevistados globalmente não acreditam que as eleições em seus países são justas e transparentes, refletindo uma preocupante desconfiança na democracia.

As eleições são justas e transparentes?

A pesquisa também ilustra como vieses inconscientes podem influenciar as expectativas dos consumidores. Marcas e organizações precisam considerar o que o público acredita ser verdade, mesmo que seja errado, para alinhar suas estratégias de comunicação e marketing. A falha em fazer isso pode resultar em expectativas não atendidas e perda de confiança.

Compreender como esses vieses inconscientes geram percepções equivocadas não é apenas uma curiosidade acadêmica, mas uma necessidade prática e urgente. Quando identificamos as causas das percepções divergirem tanto da realidade, podemos abordar eficazmente os medos e preocupações que não têm fundamento real. Isso é crucial para a formulação de políticas públicas que sejam baseadas em fatos e não em equívocos.

Por outro lado, entender as percepções exageradas também ajuda a identificar quais preocupações são instintivas e quais são baseadas em evidências. Isso é importante para líderes comunitários, educadores e políticos, pois permite que eles abordem os problemas reais de maneira mais eficaz e ajustem suas comunicações para corrigir equívocos, promovendo uma compreensão mais precisa entre o público.

Por que, então, as percepções errôneas são tão comuns?

Uma das principais causas que intensificou esse fenômeno de percepções enviesadas é ilustrado na própria pesquisa: somente 39% dos entrevistados no Brasil acreditam que as redes sociais são a principal fonte de informações enganosas, seguidas pelo mau uso de números e dados. Ou seja, uma expressiva maioria da população acredita nas redes sociais como fonte de informação não confiável. E as redes sociais desempenham um papel fundamental na criação desses vieses inconscientes, uma vez que a distribuição de conteúdo via algoritmo cria silos, as famosas bolhas, que acabam desenvolvendo visões muito particulares e, em grande parte das vezes, descoladas da realidade, já que os usuários são expostos principalmente a informações que reforçam suas crenças pré-existentes.

Além disso, vieses cognitivos e heurísticas, como a tendência de superestimar o que vemos com mais frequência ou o que nos causa mais medo, desempenham um papel importante. A mídia, especialmente as redes sociais, também tem um impacto significativo, frequentemente amplificando informações sensacionalistas ou incorretas.

Neste ponto, além das redes sociais, a mídia e a imprensa desempenham papéis fundamentais na formação das percepções públicas. No caso da criminalidade, por exemplo, todos os países tendem a uma visão enviesada do aumento pela alta concentração de pautas sobre crime e violência que inundam as manchetes da imprensa e usam as redes sociais para se propagar numa escala ainda maior.

A velocidade da informação também é um fator importante. As redes sociais, em particular, têm a capacidade de disseminar informações rapidamente, mas nem sempre essas informações são precisas ou verificadas. Isso pode levar à propagação de desinformação e teorias da conspiração, que encontram terreno fértil em ambientes onde as informações circulam sem o devido escrutínio.

A questão da confiança também é outro ponto-chave; com a confiança nas instituições em declínio em muitos lugares, até mesmo esses meios enfrentam desafios em manter seu papel como fontes confiáveis de informação. Cabe aqui um alerta a todos os agentes envolvidos nessa equação: governos, mídias e até mesmo marcas e empresas, que cada vez mais têm suprido lacunas deixadas pelo poder público: munir a sociedade como informações precisas e checadas, combater as fake news e estimular o debate entre grupos com visões diferentes sobre os mais variados temas, parece ser o melhor caminho para que essas percepções enviesadas impactem cada vez menos rumos de nossas sociedades.

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