Na Rocinha, habitantes lamentavam que o próprio Lula não pudesse ser candidato (Ricardo Stuckert/Presidência da República)
Da Redação
Publicado em 31 de outubro de 2010 às 17h10.
São Paulo - O segundo turno da eleição reúne a petista Dilma Rousseff e o tucano José Serra, mas o desejo de muitos dos eleitores neste domingo, independente do candidato escolhido, é a continuidade dos ganhos obtidos durante a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva nos últimos anos, que tiraram milhões de pessoas da pobreza.
Essa foi uma das principais tendências detectadas pelos institutos de pesquisa entre os mais de 136 milhões de eleitores do país durante a campanha eleitoral. Era também o que se podia ouvir em vários postos de votação do país, especialmente os concentrados em áreas mais pobres.
No Rio de Janeiro, muitos entre os 100.000 habitantes da favela da Rocinha lamentavam que o próprio Lula não pudesse sair candidato, já que é impedido pela legislação de disputar um terceiro mandato consecutivo.
"Se hoje fosse o Lula eu continuaria votando nele, porque o Lula a gente ainda confia, mas na Dilma não", disse o porteiro José Inácio Dias, de 52 anos, logo após registrar seu voto em Serra, que aparece cerca de 10 pontos percentuais atrás da petista nas pesquisas divulgadas no sábado.
Outros, como a aposentada Maria Idalma de Jesus, 70, decidiram apostar na candidata escolhida por Lula para manter seu projeto de governo, focado em reduzir a pobreza e aumentar a renda e o emprego, aliado a uma política macroeconômica amigável ao mercado financeiro .
"A gente teve acesso a várias melhorias. Vamos ver. Ela pretende dar continuidade aos trabalhos de Lula", disse Maria Idalma depois de votar em Brasília. Ela contou que reformou a casa, comprou aparelhos eletrônicos e passou a se alimentar melhor nos últimos anos.
Em capitais do Nordeste como Salvador, muita gente decidiu votar logo cedo para aproveitar o dia de calor na praia, ou votar e viajar na sequência, devido ao feriado próximo de finados, na terça-feira (2).
A expectativa ali era de que as melhorias dos últimos anos passassem para outro patamar, ainda melhor, como indicaram os estudantes de engenharia química Fabrício Moreira, 22, e Matheus Andrade, 20.
"Torcemos para que o acesso à educação de qualidade e ao ensino superior sejam uma realidade na vida do brasileiro, principalmente do nordestino", disseram.
"No setor da segurança, esperamos uma redução significativa nas taxas de homicídio e assaltos em ônibus", acrescentaram.
Migrantes como Juarez Alves, que deixou o interior do Ceará há 30 anos e foi para o Rio de Janeiro, lembraram a região Nordeste era esquecida pelos governos.
Ele conta que sua casa na época não tinha fornecimento de água e luz. A família vivia da agricultura, com muita dificuldade, e o pai morreu de pneumonia sem receber tratamento médico.
"O que o Lula fez pelo Nordeste ninguém nunca tinha feito antes", disse. "Onde minha mãe mora agora lá no Ceará tem luz, água, a cidade é toda bonitinha. Meu pai foi lá para cima sem nunca ter visto nada disso", afirmou.
Religião
Mesmo com a vontade de fazer mais do mesmo, e com o apoio do presidente Lula, a candidata petista não conseguiu ganhar a disputa no primeiro turno.
Isso ocorreu, em parte, porque cerca de 20 milhões de eleitores migraram para a candidata do Partido Verde, Marina Silva, que é declaradamente evangélica.
Além de denúncias de corrupção de pessoas ligadas a Dilma na Casa Civil, pesaram contra a candidata de Lula declarações que ela deu no passado afirmando ser a favor da descriminalização do aborto, o que provocou a revolta de setores religiosos.
Isso acabou lhe tirando votos entre os eleitores evangélicos e mais conservadores, e acirrou o debate sobre temas religiosos durante o segundo turno.
Para frear o descontentamento desses eleitores, a candidata petista acabou publicando uma carta comprometendo-se a não alterar a legislação atual sobre o aborto, que só permite a prática no caso de estupro ou risco de vida para a mãe.
Para o pastor, sindicalista e servidor público Hélio das Chagas, 48, foi bom Dilma ter publicado uma carta ratificando sua posição.
"Com certeza (a carta) ajudou. É bom que líderes cristãos evangélicos e católicos entraram nessa briga para mostrar sua força", disse ele na Assembléia de Deus do Novo Dia, em Brasília.
Até quem não acompanhou a campanha política de perto, como o militar Djalma Nascimento Silva, 41, percebeu que a tensão cresceu muito no segundo turno em torno da polêmica religiosa.
"Essas discussões de religião acho que distorceram (a campanha). Quem é mais religioso vai puxar para o seu lado. Eu voltei na Dilma, mas estava difícil", disse Silva, que mora em Taubaté, no interior de São Paulo.