Donald Trump, durante ação de campanha em McDonald's em Feasterville, Pensilvânia (Doug Mills/AFP)
Editor de Macroeconomia
Publicado em 9 de abril de 2025 às 06h02.
Última atualização em 9 de abril de 2025 às 14h21.
A popularidade do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, está entre as piores para um mandatário no recorte de tempo entre a posse e o início de abril. Um de seus trunfos para vencer as eleições de 2024, a confiança na gestão econômica, caiu 13 pontos em poucos meses como reflexo do tarifaço que levou os mercados e as empresas à volatilidade máxima. A avaliação é de Mauricio Moura, professor da Universidade George Washington, sócio do fundo Zaftra e fundador do Instituto Ideia.
"Trump tem uma das piores popularidades de presidentes nesse período entre a posse e o começo e o começo de abril", diz, em entrevista à EXAME. "O mais assustador foi a queda dele na pergunta de como as pessoas avaliam a gestão da economia. Ele caiu 13 pontos percentuais."
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Para Moura, que acompanha há décadas a política americana em Washington D.C., alguns sinais recentes mostram o começo de um desgaste político do Partido Republicano. Recentemente, a sigla venceu duas eleições na Flórida com margens muito menores do que no passado, enquanto os democratas reverteram condados-chave no Wisconsin — estado importante para Trump na vitória em 2024.
"São sinais ruins de popularidade, e ela caiu em pontos que foram essenciais na eleição. Ele já começa a colher resultados eleitorais que demonstram que perdeu o espaço", diz.
A política tarifária é vista como um “tiro no pé” por parte dos republicanos e investidores, aponta o professor. Internamente, Trump enfrenta resistência crescente de parlamentares e instabilidade com demissões em massa no governo federal. "Se chegar com um cenário de inflação em 2026, que é a eleição de Congresso, pode ser muito ruim para os republicanos. Foi justamente um cenário de inflação alta que fez com que Biden perdesse a Câmara na eleição de meio de mandato e, depois, perdesse o Senado", afirma Moura.
Mas sua base permanece fiel — cerca de 35% do eleitorado apoia fortemente suas ideias. O que é irônico, na avaliação do professor, porque sua base seria a mais afetada com a alta da inflação, por ser formada na maior parte por pessoas de baixa renda e baixa escolaridade, tradicionalmente mais afetadas pela inflação.
Os desdobramentos dessas políticas já afetam eleições em outros países e fortalecem líderes estrangeiros ao posicionarem-se contra ele, tornando Trump um inimigo externo conveniente e voluntário para adversários ao redor do mundo.
"No Canadá, o partido Liberal estava morto. Hoje é amplamente favorito para ganhar a eleição", afirma Moura. "Trump conseguiu unir os canadenses. A eleição, que era sobre mudança, agora é sobre Trump."
Como avalia a popularidade de Trump e os riscos ao governo dele nesse ponto de vista?
Ela já tem uma das piores popularidades de presidentes nesse período entre a posse e o começo de abril. Estava vendo os dados históricos e ele só perde para ele mesmo em 2017. Mas é importante dizer que em 2017 ele começou de um patamar menor. Dessa vez, ele começou perto dos 50% de aprovação e caiu cinco a seis pontos nos agregadores de pesquisas. Em algumas pesquisas individuais a aprovação já caiu mais. De maneira geral, o mais assustador foi a queda dele na pergunta de como as pessoas avaliam a gestão da economia. Ele caiu 13 pontos percentuais; ou seja, hoje tem 60% dos americanos que não concordam com a condução da economia.
Na eleição, Trump ia muito melhor que a concorrente nesse recorte...
Ele foi eleito muito pela crítica da gestão do Joe Biden na economia, principalmente na inflação. Então, a pior perda para ele foi justamente na parte que mostra o desempenho dele na economia. É interessante ver que já tem outros indicadores muito ruins para o Partido Republicano.
Quais?
O partido ganhou duas eleições semana passada na Flórida para vagas no Congresso com uma margem de vitória muito mais apertada do que na eleição. Não estamos falando de uma eleição de um ano atrás, mas de cinco meses atrás. O Partido Democrata avançou praticamente 15 pontos percentuais nesses dois condados, super republicanos, na Flórida. Os republicanos também perderam uma eleição para a Suprema Corte do Wiscosin — estado em que o Trump ganhou nas eleições — e avançaram em locais que não tinham votado no Trump. Ou seja, quando pegamos o mapa da eleição do Wisconsin, o Partido Democrata reverteu quatro condados.
O que isso significa?
São sinais ruins de popularidade, e ela caiu em pontos que foram essenciais na eleição. Ele já começa a colher resultados eleitorais que demonstram que perdeu o espaço. Se a Flórida tinha 40 pontos de diferença, naqueles condados que tiveram cinco a seis pontos de diferença na eleição para o Congresso, a situação fica muito mais arriscada.
Como esses dados se refletiram nos bastidores políticos de Washington?
Vejo três observações principais. A primeira é que realmente essa Casa Branca é muito diferente da do primeiro mandato de Trump. É um pouco óbvio. Mas o modus operandi é de "faça tudo". Parece não ter filtro entre as ideias do presidente e a execução. Quando trazem uma ideia, ela é executada. Não tem um freio de arrumação, como tinha o próprio vice-presidente, Mike Pence, ou o conselho econômico, ou os generais que eram chefes de gabinete no primeiro mandato. Agora, nessa Casa Branca não tem filtro, o próprio vice-presidente encampa as ideias radicais. Não tem nenhum secretário com o poder de dizer não.
E há questionamentos internos ao modus operandi desta nova gestão?
É outro ponto de observação. Agora, os republicanos estão começando a ficar incomodados, principalmente os do Senado. Sete senadores republicanos votaram a favor de uma emenda do Partido Democrata para que o Trump não tenha o poder de editar tarifas com ordens executivas. Além disso, os senadores estão tendo problemas em seus distritos. Principalmente porque teve uma demissão em massa no governo federal [capitaneada pelo DOGE] e todos os estados estão sendo afetados. Outro ponto: o tarifaço não foi compartilhado com os senadores republicanos, com a base de liderança republicana. Todo mundo soube na televisão. Então, eles estão muito vendidos. O próprio Ted Cruz [secretário de Estado] criticou as tarifas — claro que de maneira bastante polida.
Houve também uma virada forte na percepção do mercado financeiro sobre a percepção dos planos do governo Trump.
Esse é o último ponto de observação. O mercado financeiro, a minha área, respondeu muito mal a partir do momento que eles visualizaram que não havia uma lógica econômica comercial na conta que foi feita para estabelecer tarifas para os diversos países. Essa percepção de que não havia uma lógica desencadeou um nervosismo muito grande. Até então tinha uma corrente em Wall Street de que Trump só estava fazendo isso para abrir uma mesa de negociação e tinha outra corrente que acreditava que isso aconteceria porque ele falou na campanha.
Ao mesmo tempo, Trump ainda encontra respaldo em parte da população?
Esse é o outro lado da moeda. Os eleitores do Trump, aquela base forte que ele tem e que lhe permitiu ganhar em duas primárias republicanas, segue demonstrando um forte apoio a essas ideias dele. Estamos falando de 35% do eleitorado americano. Então, não é que o Trump está pregando no deserto. Ele tem a base dele, inclusive simbolicamente no dia do anúncio ele levou alguns trabalhadores com o perfil de eleitores dele. Eles falaram sobre essa questão de tarifa, porque existe uma sensação de que essas tarifas farão as indústrias voltarem. A base dele acredita que ele está fazendo a coisa certa. E também é importante dizer que os efeitos das tarifas ainda não estão sendo sentidos no bolso das pessoas.
Esse é um ponto importante. É consensual que haverá uma pressão inflacionária. Como isso impactaria a popularidade de Trump?
Esse impacto pode ser desastroso. A base de apoio eleitoral do Trump é o da classe de renda mais baixa e a inflação corrói muito mais o poder de compra de quem tem renda mais baixa. Então, o eleitorado core dele talvez seja o mais prejudicado. Como haverá uma reação de outros países, que vão obviamente também tarifar os EUA, os setores exportadores americanos vão ser prejudicados. E o setor de exportação nos EUA também gera emprego. Nesse caso, obviamente a gente pode navegar para uma perda de popularidade maior. Além disso, os EUA são um país talvez com dos maiores percentuais em que a aposentadoria das pessoas está ligada à bolsa de valores. A participação dos americanos comuns na bolsa é muito maior do que no Brasil, quase dois terços de alguma maneira estão ligados à bolsa. Quando a bolsa cai nesse volume é um efeito de pobreza que é sentido diretamente.
O que os resultados recentes em eleições locais indicam para a eleição legislativa de meio de mandato (midterm)?
A única informação interessante que temos é do Wisconsin, que era um estado-pêndulo onde o Trump ganhou. Já vimos que os condados que votaram no Trump mudaram de lado nessa eleição majoritária que teve agora para a Suprema Corte de lá. Na Flórida, a queda de 15 pontos percentuais é grande, e em condados muito republicanos. Tirar 15 pontos percentuais em cinco meses é bastante rápido. Isso ligou o alerta aqui em Washington para deputados e senadores cujas bases são muito mais disputadas do que na Flórida. Tem duas eleições de governadores esse ano, em Nova Jersey e na Virgínia, que tem um governador republicano, e vamos começar a ver nessas eleições qual é a perda de fato. Se chegar com um cenário de inflação em 2026, que é a eleição de Congresso, pode ser muito ruim para os republicanos. Foi justamente um cenário de inflação alta que fez com que o Biden perdesse a Câmara na eleição de meio de mandato e, depois, perdesse o Senado.
É possível pensar numa reversão do domínio republicano no Congresso?
A diferença na Câmara é muito pequena, são quatro cadeiras. A chance de virar a Câmara é monstruosa. O Senado, que parecia uma coisa muito impossível, pelo que ouvi aqui em Washington, mostra que já começa a ser possível. Há um movimento para, em muitos lugares onde os republicanos têm maior domínio, se lançar candidatos independentes contra os republicanos. Ou seja, os democratas, em vez de entrar na polarização, se aliarem a algum candidato independente. Estamos falando de locais como Kansas, Kentucky e Alabama, onde se aumentaria a chance de virar.
A ideia é que o sentimento anti-democratas estaria cristalizando a polarização política.
Exato. É a primeira vez que ouço isso de uma maneira organizada. Nunca vi os democratas falando abertamente de não lançar candidato nesses locais para que o independente tenha uma chance contra um republicano. Pode ser um movimento muito inteligente, principalmente nos locais aonde a polarização tem um custo muito alto ainda para os dois partidos. Isso tudo obviamente está se cristalizando porque eles estão vendo que há uma possibilidade real na eleição do ano que vem [o midterm]. A eleição já começou.
Como avaliou as manifestações de rua deste final de semana?
Foi muito massiva. Avalio como um sucesso para os democratas, porque foi em várias cidades e com grande volume. E as manifestações têm um mote de ser antitrumpista. O que ouvi de um professor local e achei interessante: Trumo está abrindo várias frente de batalha. Ele está tentando fazer várias coisas ao mesmo tempo que são disruptivas. Ele abriu uma guerra no governo federal de demissões que ninguém sabe ainda qual é o impacto disso. Todo mundo conhece alguém que foi mandado embora de uma maneira abrupta. Isso, por si só, já seria um tema de manifestação. O segundo ponto é que ele está tentando fazer uma guerra contra o Estado, mas está abrindo uma guerra contra os aliados dos Estados Unidos, aliados comerciais. É uma coisa inédita também. Nunca um presidente americano abriu tantas frentes com aliados. Além disso, obviamente, ele está na própria guerra da vingança dele, atacando universidades, a advocacia, os órgãos de imprensa. Quando são várias frentes, cria-se combustível para uma manifestação. É uma manifestação contra tudo.
Como essas medidas de Trump podem afetar nas eleições de outros países?
Já estão afetando. Eu estava na eleição da Alemanha, quando o Musk sugeriu apoio à AfD, e a rejeição da AfD cresceu 15 pontos na última semana. Foi fundamental inclusive para aumentar o comparecimento eleitoral da Alemanha. Na Groenlândia, que é um país que tem 50 mil votos, um partido que nunca tinha ganhado a eleição ganhou com um discurso anti-Trump. Eles nunca tinham tinham conseguido formar governo nesse partido. A Cláudia Sheinbaum, do México, ganhou popularidade, Emmanuel Macron, da França, ganhou popularidade. O Volodymyr Zelensky, da Ucrânia, que estava no negativo, agora cresceu 25 pontos depois que foi a Washington [para um encontro turbulento com Trump]. Toda vez que Trump faz 'bullying' com um chefe de Estado, ele cria um inimigo comum. A Cláudia Sheinbaum estava com problema sério. Dentro do partido dela tem um fogo amigo absurdo, mas agora essas diferenças internas são coadjuvantes perto de ter que lidar com Trump.
Cria-se a ideia de um inimigo externo e comum...
Exato. E um inimigo externo e comum voluntário. Geralmente, as autocracias precisam criar um inimigo externo mesmo quando esse inimigo externo não está lá. O Trump conseguiu ser o inimigo externo voluntário. Para os opositores, é ótimo politicamente. No Canadá, por exemplo, o partido Liberal estava morto. Hoje é amplamente favorito para ganhar a eleição. Trump conseguiu unir os canadenses. A eleição, que era sobre mudança, agora é sobre Trump. É uma coisa impressionante. Ele é um péssimo um cabo eleitoral nesse momento.