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Eleições no Paraguai: o caso de corrupção sem empreiteiras

Após escândalo em tribunal do país, o partido Colorado pode perder a maioria no Congresso e pressionar o futuro presidente

Paraguai: País se prepara para escolher novo presidente (Agencia de Información Paraguaya/Divulgação)

Paraguai: País se prepara para escolher novo presidente (Agencia de Información Paraguaya/Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 13 de março de 2018 às 17h40.

Última atualização em 13 de março de 2018 às 17h41.

Assunção — Assim como inúmeros países da América do Sul, o Paraguai vai às urnas no fim de abril com a corrupção como um dos temas centrais das campanhas. Mas, ao contrário de Venezuela, Colômbia, Peru e Brasil, o escândalo por lá não envolve empreiteiras brasileiras como a Odebrecht. O Paraguai está às voltas com um escândalo de corrupção para chamar de seu, com desdobramentos ainda inimagináveis nas urnas.

O caso envolve o poder judiciário, instituição em que somente confiam 15 % dos paraguaios, segundo um informe de 2017 da ONG Latinobarómetro. O caso é tido como o maior escândalo de corrupção da história recente do país. Mais de trezentas gravações foram enviadas à jornalista Mabel Rehnfeldt, da estação de rádio ABC Cardinal em novembro de 2017. Segundo a jornalista, os áudios foram fornecidos por “um grupo de jovens comprometidos com a democracia”.

No início o problema parecia apontar somente para o secretário do Juizado de Magistrados (JEM, na sigla em espanhol), órgão que julga fiscais e juízes. Na primeira gravação conhecida, o advogado Raúl Fernández Lippmann, secretário mão direita do senador, Óscar González Daher, presidente do JEM, negociava com uma fiscal uma troca de favores. Ele podia conseguir os votos dos membros do órgão para salvá-la. Ela falava em trancar um processo do irmão de Óscar González Daher, isso se ele não conseguisse os votos.

O senador González Daher é um dos políticos mais poderosos do Partido Colorado, partido do governo. Com Lippmann em problemas, Daher fez o que tinha de fazer para ficar bem aos olhos públicos. No mesmo dia em que o áudio foi vazado, ele anunciou que abriria um processo administrativo para investigar seu próprio funcionário. Assim, se livrava do assunto e aparecia como uma pessoa que julgava um funcionário suspeito de corrupção, atitude importante faltando seis semanas para as prévias do partido, que aconteceriam no dia 17 de dezembro. A calma voltou, mas não por muito tempo.

Daher era pré-candidato ao senado na lista do movimento Honor Colorado cujo líder é o presidente da República, Horacio Cartes, que terminou 2017 com 21% de aprovação do seu governo, um dos índices mais baixos dos últimos 15 anos, segundo o Latinobarómetro. O governo de Cartes conseguiu bons índices de crescimento econômico nos últimos anos – em 2017, fechou com 4,3% de crescimento do PIB.  Mas apesar disso a eliminação da pobreza está estagnada, atingindo 28% da população. Cartes fez importantes obras rodoviárias na capital e arredores, mas ao custo de endividamento do país a níveis recordes com a emissão de títulos – ele iniciou seu governo com 9% de dívida externa e vai culminar com aproximadamente 23%.

Além dos números, um dos mais graves erros de Cartes foi tentar forçar a modificação da constituição para conseguir a reeleição  ano passado. Essa tentativa de violação da Constituição levou às ruas milhares de pessoas que se enfrentaram com a polícia e um grupo de manifestantes acabou ateando fogo ao edifício legislativo.

As denúncias se agravam

No dia 14 de dezembro, faltando setenta e duas horas para as prévias, novas gravações colocaram o mundo político em suspense. Desta vez, os áudios eram do próprio senador. Dezenas de gravações comprometiam o presidente do JEM e afogavam o secretário Raúl Fernández Lippmann em um escândalo sobre a justiça. Escutar as negociações em que o próprio senador pressionava fiscais e juízes para favorecer amigos, colegas e operadores políticos do seu movimento e prejudicar outros gerou um novo nível de indignação popular. Desta vez não teria revolta nas ruas, mas sim castigo nas urnas.

Em uma das conversas, Daher pediu a uma juíza que ela ajude um amigo dele que estava sendo encaminhado para um julgamento. “Como você pode me ajudar, juíza? Olha lá o que a gente pode fazer para ajudá-lo. Tá entendendo? O juízo pode seguir se você quiser mas ele tem que conseguir se mover para poder ganhar alguma coisa”, disse o senador.

Lippmann, por sua vez, negociava também pequenos e grandes casos. Em uma das gravações, ele e o advogado Carmelo Caballero combinavam preços de punições fiscais para políticos do Partido Liberal Radical Auténtico (PLRA), o principal partido opositor de Cartes — mesmo assim um setor do PLRA segue apoiando o presidente em questões pontuais.

O objetivo das imputações negociadas era envolver os jovens do PLRA no incêndio do Congresso que ocorreu o dia 31 de março, quando um grupo de senadores —aliados e “opositores” do presidente — concordaram em aprovar a reeleição, quando para fazer isso é necessária uma reforma constitucional.

Como consequência umas cinco mil pessoas saíram às ruas e protestaram na frente do Congresso. Aquela noite foi marcada por enfrentamentos com a polícia e um grupo de manifestantes incendiou o edifício legislativo.

Como consequência dos novos áudios, González Daher não teve opção e no dia 15 renunciou ao JEM, mas seus colegas de Senado sabiam que o caso teria repercussão na votação, então suspenderam-no por 60 dias sem salário. Daher conseguiu passar das prévias no dia 17, mas perdeu feio no seu município, Luque, um distrito que controlava há anos. 

Quando parecia que nada podia ser pior, o Senado realizou uma sessão extraordinária no dia 20 de dezembro para analisar a perda do mandato de Daher. Deram-lhe dois dias para apresentar sua renúncia ou apresentar uma defesa sobre as acusações.

No dia 22, sexta feira, dia em que ele devia comparecer diante dos colegas para tentar se defender, ele ofereceu sua renúncia, mas os senadores tinham os números necessários para expulsá-lo e escolheram esse caminho. Foi nesse momento, dois dias antes do Natal, que a fissura política abriu no Paraguai. 

Todos esses acontecimentos podem ter consequência na hora da votação, no dia 22 de abril. No Paraguai os senadores, deputados e vereadores são eleitos pelo sistema de voto em lista fechada, no qual se vota num partido e os votos são distribuídos entre os candidatos que a compõem.

Muitos membros da lista do Honor Colorado que passaram pelas prévias consideram que a presença de Daher na urna pode prejudicá-los. Atualmente, o Partido Colorado possui 19 assentos no Senado, uma situação relativamente cômoda, pois para ter maioria simples só é preciso de quatro votos a mais. Isso pode mudar depois de abril.

Emboras os economistas César Barreto e Manuel Ferreira Brusquetti acreditem que a crise será política e sem grande impacto na economia, há temores  sobre aprovação de reformas, como a tributária, uma vez que possivelmente nenhum dos movimentos políticos terá maioria no Congresso para aprovar as leis.

“Qualquer intenção de modificações legais, seja de reforma tributária ou de outro âmbito, vai precisar de um acordo entre vários partidos políticos que terão representação no Congresso”, diz Barreto. “Isso tirará o poder extremo do próximo presidente. Haverá oportunidade de maior discussão dos assuntos. Isto faz que exista muita mais certidão sobre o rumo da economia nos próximos anos.”

Há duas semanas a empresa de pesquisa First Análisis divulgou um relatório segundo o qual se confirma o temor de alguns colorados: a pesquisa mostra  o Partido Colorado como a segunda força no Senado, atrás da Frente Guasu, liderada pelo ex-presidente Fernando Lugo.

O cenário não é pior porque o país possui um Banco Central autônomo que dirige a economia de forma independente, mantendo um traçado firma da política monetária.  Todo o resto guarda semelhança com o Brasil: o êxito do próximo presidente irá depender da capacidade de negociação com o Congresso. 

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