Nicolás Maduro: o presidente da Venezuela aposta pelo "voto duro" chavista para aprofundar o modelo socialista (AFP)
Da Redação
Publicado em 6 de dezembro de 2015 às 14h19.
Descontentes com a crise econômica e com a insegurança, os venezuelanos votavam neste domingo em calma em eleições legislativas cruciais nas quais a oposição ameaça arrebatar do chavismo o controle parlamentar pela primeira vez em 16 anos.
Longas filas se formavam na maioria dos 14.500 centros de votação, que abriram às 06h00 locais (08h30 de Brasília), em um dia que se estenderá por 12 horas e no qual foram convocados 19,5 milhões de venezuelanos para eleger 167 deputados da Assembleia Nacional.
"Queremos sair deste pesadelo, é preciso lutar com uma fila para comprar um pouco de comida, não há remédios, nem fraldas... Imagine! Isso precisa mudar", declarou à AFP Maria, uma professora aposentada de 53 anos, na fila de um centro eleitoral em Chacao, leste de Caracas, reduto da oposição.
O presidente Nicolás Maduro aposta pelo "voto duro" chavista para aprofundar o modelo socialista mas, segundo as pesquisas, a opositora Mesa de la Unidad Democrática (MUD, centro-direita) conquistaria ao menos a maioria simples em um parlamento dominado pelo governismo de esquerda desde que em 1999 Hugo Chávez, falecido em 2013, chegou ao poder.
"Apesar de serem eleições parlamentares - em um regime presidencialista - são muito relevantes: provocarão uma recomposição das forças políticas e permitirão que a vontade de punição possa se expressar", declarou à AFP o analista Nicmer Evans, próximo a Chávez, mas crítico de Maduro.
As eleições legislativas representam, segundo o cientista político John Magdaleno, a possibilidade de um contrapeso em um Estado cujos poderes estão totalmente controlados pelo governismo.
Em uma ação surpreendente, Maduro autorizou o líder opositor radical Leopoldo López, que cumpre quase 14 anos de prisão, a votar, segundo ex-presidentes latino-americanos que se reuniram no sábado com o presidente.
"Já votei, pela liberdade, por meus filhos, pela liberdade de Leopoldo López e de todos os presos políticos. A mudança já começou", declarou sua esposa Lilian Tintori, afirmando à imprensa que seu marido votará em uma urna móvel que será levada à prisão de Ramo Verde, nos arredores de Caracas.
Até agora não havia o registro de incidentes, embora o país petrolífero de 30,6 milhões de habitantes votasse em um ambiente marcado pela polarização política, que desta vez tem um novo ator: chavistas irritados com o governo de Maduro.
Maduro, que assumiu o poder em abril de 2013 após a morte de seu mentor, encara, com uma popularidade de 22%, o que, segundo ele, são as eleições "mais difíceis" do chavismo, em meio ao crescente mal-estar pelo elevado custo da vida e pela aguda escassez de alimentos.
"Não se consegue papel higiênico. Em outros países isso não acontece. Não se pode votar pelo governo quando há problemas para sobreviver", disse Filros Guzmán, funcionário de um restaurante de 24 anos que anteriormente votou pelo chavismo, e que neste domingo apoiava a oposição.
Guzmán também se queixa da insegurança crônica. A Venezuela é, depois de Honduras, o segundo país com a maior taxa de homicídios do mundo (62 por cada 100.000 habitantes), segundo a ONU.
Sob o lema de "mudança" e deixando para trás por enquanto suas divisões históricas, a MUD promete, a partir da Assembleia que se instalará no dia 5 de janeiro, acabar com a insegurança e com as distorções econômicas e impulsionar uma anistia para presos políticos, sem descartar uma saída antecipada do presidente.
Invocando o legado do pai da "revolução bolivariana", o governismo promete aprofundar o sistema socialista e advertiu que, se a oposição vencer, ela acabará com os programas sociais.
"Aqui não há volta. Revolução e mais nada!", expressou Gilberto Marcano, um mecânico de 73 anos, no bairro Lidice, no centro-norte de Caracas.
O governo atribui a crise a uma guerra econômica dos empresários da ultradireita apoiados pelos Estados Unidos e à queda dos preços do petróleo, que desferiu um duro golpe ao país - que tem as maiores reservas petrolíferas do mundo - e no qual 96% de suas divisas são provenientes do petróleo.
A Venezuela encerrará 2015 com uma contração econômica de 10% e uma inflação de 200%, segundo economistas independentes. Um rígido sistema de controle de divisas - com três taxas de câmbio - convive com um mercado negro onde o dólar é cotado 145 vezes mais que o mínimo legal.
Muitos venezuelanos se abasteceram de alimentos diante do temor de que se repitam os protestos que deixaram 43 mortos em 2014 e pelos quais López foi condenado.
Cerca de 180.000 militares vigiam a votação em todo o país. Vinte municípios votam sob estado de exceção na fronteira com a Colômbia.
Criticado por restringir a presença de observadores estrangeiros, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) afirma que este é o sistema eleitoral mais perfeito do mundo.