Pessoas na Turquia: país terá eleições gerais neste domingo (Alkis Konstantinidis/Reuters)
Gabriela Ruic
Publicado em 24 de junho de 2018 às 06h00.
Última atualização em 25 de junho de 2018 às 09h42.
São Paulo - Não era para ser assim: as próximas eleições gerais da Turquia deveriam acontecer apenas em 3 de novembro de 2019. Contudo, saber controlar a ansiedade pelo poder não é uma habilidade de Recep Tayyip Erdogan, atual presidente que está há 15 anos na chefia do país. Resultado? A antecipação do pleito para este domingo, 24 de junho.
A jogada, especulam analistas, tem uma explicação mais prática do que psicológica: a eleição ativará as maiores mudanças políticas já vistas na Turquia desde a sua fundação em 1923 e que surgiram a partir da aprovação de um referendo popular realizado em abril do ano passado. Entre as mais importantes delas está a virada do sistema parlamentarista para o presidencialista.
O cálculo de Erdogan, no entanto, pode dar errado (para sua ambição de permanecer no posto, é claro), uma vez que a oposição ao seu governo está mais forte e unida como nunca. Três dos principais partidos de oposição -- o secularista CHP, o islâmico Saadet e o novato Iyi -- formaram uma improvável aliança para disputar as eleições.
“Esse movimento é muito significativo”, diz Paula Sandrin, professora do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio, especializada em política externa da União Europeia e da Turquia. “Partidos que sempre foram a antítese uns dos outros encontraram uma via comum para se articular politicamente”. Um fato inédito, que está sendo visto como uma potencial ameaça às aspirações de Erdogan.
Se o atual presidente não conseguir assegurar mais de 50% dos votos no primeiro turno, disputará o cargo no segundo, previsto para acontecer em 8 de julho. Mesmo que consiga se eleger, no entanto, há dúvidas se Erdogan conseguirá manter a maioria no Parlamento, que também será renovado após as eleições neste domingo.
Abaixo, EXAME reuniu alguns pontos essenciais sobre essas eleições que podem trazer mudanças importantes para a população turca ao mesmo tempo que causar surpresas desagradáveis ao establishment.
As eleições gerais irão eleger o novo presidente e os novos membros do parlamento para mandatos de cinco anos. O presidente será eleito pela maioria, enquanto os parlamentares concorrem por meio de alianças partidárias ou pelos próprios partidos. Precisam, no entanto, superar uma cláusula de barreira de 10% dos votos.
Cinquenta e nove milhões de pessoas estão aptas a votar e isso inclui um grupo de ao menos 3 milhões que vive fora da Turquia. Segundo o jornal Washington Post, as eleições acontecem em 181 mil locais de votação no país e em 60 países.
As eleições deveriam acontecer apenas em novembro de 2019, no entanto foram antecipadas por Erdogan em abril de 2018. A mudança foi possível por ele contar, hoje, com a maioria do parlamento e o apoio do nacionalista Partido de Ação Nacionalista (MHP).
Para Paula, a antecipação é o resultado de uma combinação de fatores. “Erdogan não queria esperar que as incertezas do cenário econômico e o fortalecimento da oposição pudessem ditar os rumos do resultado”, notou. “Tudo isso acontece para evitar um cenário ainda mais incerto em novembro do ano que vem”, pontuou.
Em julho de 2016, o país passou por uma tentativa fracassada de golpe de Estado por parte das forças armadas que acabou por delinear tudo o que está acontecendo atualmente. É, também, a razão de a Turquia seguir em estado de emergência há dois anos.
As razões por trás dessa tentativa de troca forçada de poder nunca foram esclarecidas, mas uma das explicações é justamente o fortalecimento cada vez maior da figura conservadora e cada vez mais nacionalista de Erdogan, um presidente nada amigável para seus opositores.
Guardião da secularidade por força constitucional, o exército turco se dividiu e uma parte se envolveu episódio. Só que deu errado, muito errado.
A população e a outra parte das forças armadas tomaram as ruas, sufocaram os golpistas e legitimaram ainda mais Erdogan na posição de presidente. Em seguida, um expurgo foi realizado por todos os lados e que resultou na prisão, morte e demissão de milhares de pessoas que, em tese, teriam participado da tentativa de golpe.
A ideia de uma reforma constitucional para ampliar os poderes da presidência foi anunciada poucos meses depois, em dezembro, e Erdogan se consagrou vitorioso no referendo que aprovou as mudanças, ainda que por uma margem pequena, 51% dos votos. Na época, o presidente turco enfatizou que as mudanças previstas pela reforma entrariam em vigor com as eleições seguintes, então previstas para 2019.
Além desse contexto, a Turquia enfrenta desafios na economia e na segurança. Do ponto de vista econômico, Erdogan sempre usou o exuberante crescimento como uma bandeira para reeleição, mas as coisas não estão tão fáceis em 2018: a lira está se desvalorizando e a inflação subiu.
Já no que diz respeito à segurança, o país enfrenta vários desafios alavancados pela questão curda e também pelo seu envolvimento e proximidade com a Síria, que o tornou particularmente um alvo de ataques terroristas.
São vários, mas o principal é próprio Erdogan. Nascido em 26 de fevereiro de 1954, em Istambul, Erdogan criou em 2001 o Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP, de linha islâmica-conservadora).
Seu maior opositor e rival num possível segundo turno é Muharrem Ince. Nascido em 4 de maio de 1964 na cidade de Yalova, é ex-professor de Física e candidato do Partido Republicano do Povo (CHP, social-democrata).
Outra candidata é Meral Aksener, nascida em 18 de julho de 1956 em Izmit. Ela foi a primeira política da oposição a anunciar sua candidatura e está à frente do Bom Partido (Iyi, de centro-direita) que fundou em outubro.
Selahattin Demirtas é o candidato do Partido Democrático dos Povos (HDP, pró-curdo) está preso desde novembro de 2016. Ele tentou a eleição presidencial de 2014, nas quais obteve quase 10% dos votos.
Além desses nomes, a disputa ainda conta com Temel Karamollaoglu, do Partido da Felicidade (SP, islâmico-conservador),e Dogu Perinçek que dirige o Partido Patriótico (Vatan, esquerda).
As pesquisas de opinião mostram Erdogan com uma folga considerável em relação aos seus rivais. Vale notar, no entanto, que as sondagens não são muito confiáveis, uma vez que o AKP está no controle dos principais veículos de imprensa do país.
As pesquisas mais recentes colocam Erdogan com 48,3% das intenções de voto e Muharrem Ince com 31,4%. No entanto, o atual presidente precisa garantir mais de 50% dos votos para ser eleito no primeiro turno. Num eventual segundo turno, que se concretizado deve acontecer em 8 de julho, 53% dizem que votariam nele.
Contudo, mesmo que ele vença no domingo, ainda há dúvidas sobre se conseguirá assegurar a maioria no parlamento. Hoje, 316 dos 515 assentos pertencem ao AKP, uma conquista que veio nas últimas eleições parlamentares, em novembro de 2015.
As sondagens mais recentes mostram o partido de Erdogan com 42,2% das intenções de voto e seu aliado e colega de coalizão, o nacionalista MHP, aparece com 7,1%. A aliança rival encabeçada pelo partido de oposição, CHP, tem 39,5% das intenções de voto. Nela, além dos secularistas do CHP, estão o Iyi e o islâmico Saadet.
Os curdos correspondem a cerca de 15% a 20% da população da Turquia e a sua participação no pleito é crucial, podendo se traduzir na derrota de Erdogan seja na presidência, seja no parlamento.
No entanto, explica Paula, atualmente não se sabe para que lado irão os votos dessas pessoas nesta eleição. “Os curdos estão divididos. Por um lado, temos conservadores que sempre se alinharam com Erdogan e seu partido AKP. Por outro, temos pessoas mais seculares, inclinadas à esquerda”, diz a professora.
De acordo com Paula, historicamente, os curdos sempre se alinharam com o AKP. No entanto, algumas mudanças na postura de Erdogan nos últimos anos (mais militaresca e alinhada com o MHP) contribuem para o cenário de incerteza.