Milhões de franceses vão às urnas neste domingo para o primeiro turno das eleições legislativas, antecipadas pelo presidente Emmanuel Macron após a extrema direita conquistar o maior número de assentos no Parlamento Europeu da História do país. Se nenhum candidato vencer hoje com mais de 50% dos votos em seu distrito, disputam o segundo turno, em 7 de julho, aqueles com ao menos 12,5%. Com os extremos liderando as pesquisas, analistas ouvidos pelo GLOBO avaliam que a estratégia kamikaze do líder centrista pode jogar a França em três anos de paralisia.
O compilado de pesquisas da Bloomberg aponta o Reagrupamento Nacional (RN), da ultradireitista Marine Le Pen, na liderança com 35% das intenções de voto, seguido pela coalizão esquerdista Nova Frente Popular (NFP), que inclui a sigla de esquerda radical do veterano Jean-Luc Mélenchon, com 28%. A legenda de Macron surge em terceiro, com 20% — sinal do desgaste do presidente, cuja aprovação alcançou 27% este mês, o pior desde os protestos dos Coletes Amarelos, em 2018.
"Vejo três anos de paralisia para Macron. Ele terá de enfrentar uma extrema direita e uma esquerda muito fortes", diz David Magalhães, coordenador do Observatório da Extrema Direita.
-
1/7
Narendra Modi: premiê indiano durante comício em Pushkar
(Índia, em abril e maio, vencida por Narendra Modi)
-
2/7
(MEXICO-ELECTION-VOTE-SHEINBAUM)
-
3/7
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, dá uma coletiva de imprensa na sede da CDU, em Berlim, em 10 de junho de 2024, um dia após as eleições para o Parlamento Europeu
(Parlamento Europeu, de 6 a 9 de junho)
-
4/7
O presidente da França, Emmanuel Macron em transmissão ao vivo
(França (eleições legislativas), em 30 de junho e 7 de julho, convocadas por Emmanuel Macron)
-
5/7
Sunak
(Reino Unido, em 4 de julho, convocadas pelo premiê Rishi Sunak)
-
6/7
Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, em seu programa de TV, "Con Maduro+"
(Venezuela, em 28 de julho; Nicolás Maduro disputa um novo mandato)
-
7/7
O presidente Joe Biden e o ex-presidente Donald Trump, principais competidores das eleições 2024
(Estados Unidos, em 5 de novembro, terá disputa entre Donald Trump e Joe Biden)
Mudança de imagem
Embora nas últimas eleições Macron tenha conseguido se projetar como o único nome capaz de barrar a extrema direita, dessa vez “chega com ar de derrota”, avalia o professor de Relações Internacionais Tanguy Baghdadi, cofundador do podcast Petit Journal. Entre os vários motivos disso, Baghdadi diz que talvez o principal seja a mais recente transformação do RN, personificada na figura de Jordan Bardella, eurodeputado de 28 anos que assumiu a liderança do partido em 2022 e é cotado a futuro premier.
"Ele tem falas sedutoras, é um cara bonito e é muito útil a Marine Le Pen", diz Baghdadi, destacando o seu sucesso em redes sociais como o TikTok, onde acumula 1,7 milhão de seguidores — Ela já foi candidata três vezes, e a França é uma sociedade machista. Sendo um homem jovem, a chance de sucesso é maior.
Segundo Magalhães, a ascensão de Bardella faz parte do segundo processo de renovação do RN para torná-lo mais “palatável”. Iniciado em 2015 com a expulsão do seu fundador, Jean-Marie Le Pen, pela própria Marine, sua filha, ele inclui a mudança do nome da legenda em 2018, antes conhecida como Frente Nacional. Agora, apesar da manutenção do discurso radicalizado, Bardella aposta na conexão com as massas e se aproveita da “normalização” forjada ao longo das duas décadas de existência do partido, diz Magalhães.
"Ele chama muito a atenção para a questão econômica. Traduz insatisfações cotidianas para chegar à classe média baixa e pobre, algo que Macron, que é visto como o político dos ricos, não consegue", explica. "O RN criou um sindicato com grande penetração nas classes trabalhadoras e usa pautas trabalhistas como argumento contra a imigração".
Se as projeções se confirmarem, a bancada do RN pode saltar das atuais 88 para até 245 cadeiras no Parlamento — abaixo da maioria absoluta de 289, mas suficiente para articular a eleição do primeiro premier de extrema direita da França. O cenário levaria a um governo de coabitação, quando o presidente (responsável pela política externa) é de um partido e o primeiro-ministro (incumbido das questões internas) é de outro, algo que só foi visto três vezes na atual República. Bardella, no entanto, declarou que não assumiria o cargo sem maioria absoluta.
"Sem a maioria absoluta, ele vai depender de uma coalizão para negociar temas muito caros, como imigração, e ele não quer que a primeira vez que o RN chegue ao poder seja num governo paralisado. É preferível ficar como oposição dentro da Assembleia. No entanto, acho complicado, do ponto de visto do rearranjo político, o partido mais votado desistir de ter um primeiro-ministro", diz Magalhães.
-
1/14
(Protesto contra a extrema direita depois que o presidente francês convocou eleições legislativas após ganhos significativos dos partidos de extrema direita nas eleições para o Parlamento Europeu, em Paris, em 15 de junho de 2024)
-
2/14
People take part in an anti far-right rally after French president called legislative elections following far-right parties' significant gains in European Parliament elections, in Toulouse on June 15, 2024. Less than a week after the earthquake of the dissolution, opponents of the far-right are called by trade unions, associations and the left-wing coalition of the "Nouveau Front Populaire" to take to the streets across France. (Photo by Ed JONES / AFP)
(Manifestação unitária dos sindicatos contra a extrema direita)
-
3/14
Anti-riot police officers walk ahead of an anti far-right rally after French president called legislative elections following far-right parties' significant gains in European Parliament elections, in Toulouse on June 15, 2024. Less than a week after the earthquake of the dissolution, opponents of the far-right are called by trade unions, associations and the left-wing coalition of the "Nouveau Front Populaire" to take to the streets across France. (Photo by Ed JONES / AFP)
(Manifestação unitária dos sindicatos contra a extrema direita)
-
4/14
Thousands of protesters march as they demonstrate against the far right, in Rennes, western France on June 15, 2024. Less than a week after the earthquake of the dissolution, opponents of the far-right are called by trade unions, associations and the left-wing coalition of the "Nouveau Front Populaire" to take to the streets across France after the French President called legislative elections following far-right parties' significant gains in European Parliament elections. (Photo by LOU BENOIST / AFP)
(Manifestação contra a extrema direita em Paris)
-
5/14
French Republican Security Corps (CRS) riot police officers stand guard near Place de la Nation during an anti far-right rally after French president called legislative elections following far-right parties' significant gains in European Parliament elections, in Paris on June 15, 2024. Less than a week after the earthquake of the dissolution, opponents of the far-right are called by trade unions, associations and the left-wing coalition of the "Nouveau Front Populaire" to take to the streets across France. (Photo by Sameer Al-Doumy / AFP)
(Protesto anti-extrema direita depois que o presidente francês convocou eleições legislativas após ganhos significativos dos partidos de extrema direita nas eleições para o Parlamento Europeu, em Paris, em 15 de junho de 2024)
-
6/14
People take part in an anti far-right rally after French president called legislative elections following far-right parties' significant gains in European Parliament elections, in Marseille, southeastern France, on June 15, 2024. Less than a week after the earthquake of the dissolution, opponents of the far-right are called by trade unions, associations and the left-wing coalition of the "Nouveau Front Populaire" to take to the streets across France. (Photo by Jérémy PAOLONI / AFP)
(Pessoas participam de uma manifestação anti-extrema direita depois que o presidente francês convocou eleições legislativas após ganhos significativos dos partidos de extrema direita nas eleições para o Parlamento Europeu)
-
7/14
Protester stand in clouds of tear gas during a demonstration against the far right, in Nantes, western France, on June 15, 2024. Less than a week after the earthquake of the dissolution, opponents of the far-right are called by trade unions, associations and the left-wing coalition of the "Nouveau Front Populaire" to take to the streets across France after the French President called legislative elections following far-right parties' significant gains in European Parliament elections. (Photo by ROMAIN PERROCHEAU / AFP)
(Protesto contra a extrema direita depois que o presidente francês convocou eleições legislativas após ganhos significativos dos partidos de extrema direita nas eleições para o Parlamento Europeu, em Paris, em 15 de junho de 2024)
-
8/14
People take part in an anti far-right rally after French president called legislative elections following far-right parties' significant gains in European Parliament elections, in Toulouse on June 15, 2024. Less than a week after the earthquake of the dissolution, opponents of the far-right are called by trade unions, associations and the left-wing coalition of the "Nouveau Front Populaire" to take to the streets across France. (Photo by Ed JONES / AFP)
(Manifestação unitária dos sindicatos contra a extrema direita)
-
9/14
Demonstrators hold placards reading "Ok to repeat History" (L) and "But not any History" with illustration portraits representing French socialist politicain Leon Blum (L) and a crossed portrait of French head of the Vichy regime Marechal Petain during an anti far-right rally after French president called legislative elections following far-right parties' significant gains in European Parliament elections, in Paris on June 15, 2024. Less than a week after the earthquake of the dissolution, opponents of the far-right are called by trade unions, associations and the left-wing coalition of the "Nouveau Front Populaire" to take to the streets across France. (Photo by Zakaria ABDELKAFI / AFP)
(Manifestantes seguram cartazes com os dizeres "Ok para repetir a História" (E) e "Mas não qualquer História" com retratos ilustrativos representando o político socialista francês Leon Blum (E) e um retrato cruzado do chefe francês do regime de Vichy, Marechal Pétain)
-
10/14
A man pulling a shopping trolley gestures as he walks through clouds of tear gas during a demonstration against the far right, in Nantes, western France, on June 15, 2024. Less than a week after the earthquake of the dissolution, opponents of the far-right are called by trade unions, associations and the left-wing coalition of the "Nouveau Front Populaire" to take to the streets across France after the French President called legislative elections following far-right parties' significant gains in European Parliament elections. (Photo by ROMAIN PERROCHEAU / AFP)
(FRANCE-POLITICS-DEMO)
-
11/14
Demonstrators react as they are enveloped by teargas during an anti far-right rally after the French president called legislative elections following far-right parties' significant gains in European Parliament elections, in Rennes, western France on June 15, 2024. (Photo by LOU BENOIST / AFP)
(Protesto contra a extrema direita depois que o presidente francês convocou eleições legislativas após ganhos significativos dos partidos de extrema direita nas eleições para o Parlamento Europeu, em Paris, em 15 de junho de 2024)
-
12/14
Demonstrators chant slogans and hold smoke flares during an anti far-right rally after the French president called legislative elections following far-right parties' significant gains in European Parliament elections, in Nantes on June 15, 2024. Less than a week after the earthquake of the dissolution, opponents of the far-right are called by trade unions, associations and the left-wing coalition of the "Nouveau Front Populaire" to take to the streets across France. (Photo by ROMAIN PERROCHEAU / AFP)
(Manifestação unitária dos sindicatos contra a extrema direita)
-
13/14
A demonstrator holds a placard reading "The devil wears Bardella" during an anti far-right rally after French president called legislative elections following far-right parties' significant gains in European Parliament elections, in Paris on June 15, 2024. Less than a week after the earthquake of the dissolution, opponents of the far-right are called by trade unions, associations and the left-wing coalition of the "Nouveau Front Populaire" to take to the streets across France. (Photo by Zakaria ABDELKAFI / AFP)
(Um manifestante segura um cartaz com os dizeres "O diabo veste Bardella" durante um protesto anti-extrema direita)
-
14/14
French Gendarmerie officers hold riot shields during a demonstration against the far right, in Nantes, western France, on June 15, 2024. Less than a week after the earthquake of the dissolution, opponents of the far-right are called by trade unions, associations and the left-wing coalition of the "Nouveau Front Populaire" to take to the streets across France after the French President called legislative elections following far-right parties' significant gains in European Parliament elections. (Photo by ROMAIN PERROCHEAU / AFP)
(Oficiais da Gendarmaria Francesa seguram escudos antimotim durante uma manifestação contra a extrema direita)
Aliança com a direita tradicional
Além da vantagem eleitoral, um dos trunfos do RN é o aparente rompimento do que ficou conhecido como “cordão sanitário” contra a ultradireita. O primeiro sinal surgiu quando Eric Ciotti, líder dos Republicanos — partido da direita tradicional —, anunciou uma aliança com a legenda de Le Pen. O anúncio provocou um furor nas fileiras do partido, levando à expulsão de Ciotti. Dias depois, porém, ele foi readmitido graças a uma determinação da Justiça, causando um racha interno no qual parte dos republicanos se uniram ao RN em certos distritos. A viabilidade de uma coalizão total no Parlamento, contudo, ainda está em aberto.
"Eu acho que essa aliança [entre RN e Republicanos] não vai acontecer", afirma Baghdadi, destacando que Ciotti teria tomado tal posição visando à sua reeleição em Nice, onde o RN é forte. "Se acontecer, a gente tem uma legitimação muito forte do RN, o que não seria uma surpresa considerando o histórico da centro-direita global".
Frente de esquerda
Do outro lado do espectro político, tampouco a esquerda parece disposta a isolar a legenda de Le Pen. Liderados pela França Insubmissa, de Mélenchon, socialistas, comunistas e verdes superaram suas diferenças para formar a NFP, mas analistas consideram improvável uma união em torno de Macron.
"Havia um pacto para isolar a figura que poderia implodir o sistema, mas isso está em vias de acabar. Mélenchon é totalmente crítico a Macron, não o vejo construindo pontes para fazer um cordão sanitário — avalia Magalhães, afirmando que há a possibilidade de a esquerda também chegar em primeiro." Há um cansaço generalizado que foi capturado por esses dois grupos antissistema [RN e NFP].
Para Baghdadi, “a esquerda está de saco cheio de salvar Macron”, apesar das dificuldades em montar um governo nos últimos anos.
"A esquerda se junta [a Macron], e depois ele passa o mandato inteiro parecendo que está mais contra ela do que contra as pautas nacionalistas da extrema direita" afirma o professor. "Não acho que a esquerda esteja num momento de força, mas tem uma quantidade de votos cativa".
Embora a vitória do RN no Parlamento Europeu não signifique uma vitória nas eleições locais, a eventual ascensão da ultradireita na França acende um alerta no mundo.
"A França tem sido há muito tempo uma vitrine de modismos políticos. A ascensão da direita radical em uma país dessa dimensão, com o histórico do Iluminismo, pode ter um impacto considerável no entorno", diz Magalhães. "Um dos efeitos seria encorajar a ultradireita alemã. Teríamos os dois principais países da União Europeia com uma extrema direita forte, enfraquecendo todo processo de integração europeia".