Guilherme Boulos, candidato à presidência pelo PSOL (Campanha Guilherme Boulos/Divulgação)
Gabriela Ruic
Publicado em 10 de setembro de 2018 às 06h00.
Última atualização em 24 de setembro de 2018 às 09h05.
São Paulo - São Paulo – Crise na Venezuela, refugiados, integração latino-americana e Donald Trump são alguns dos desafios que o próximo presidente enfrentará em sua agenda de política externa, um tema que é frequentemente ignorado nos debates, mas extremamente relevante em um momento em que o cenário internacional se torna cada vez mais complexo.
Para entender como os candidatos à presidência se posicionam sobre esses assuntos, EXAME está entrevistando os principais nomes na disputa das eleições 2018. Abaixo, veja a entrevista realizada com o Guilherme Boulos (PSOL).
Guilherme Boulos - Somos um país acolhedor, construído por migrantes. Mas mais do que isso: o Brasil é signatário das leis e convenções internacionais e por isso, temos o dever de respeitar os direitos humanos e acolher refugiados, migrantes e asilados. São inaceitáveis as manifestações de ódio de brasileiros nas cidades fronteiriças com a Venezuela.
O fenômeno dos migrantes venezuelano se insere numa realidade mais ampla de forte crescimento dos deslocamentos globais, provocados sobretudo por razões econômicas e políticas. A situação da economia venezuelana é crítica e precisamos estar preparados para acolher os solicitantes de refúgio ou visto de trabalho.
Nosso governo será atuante e vai assumir essa responsabilidade. O que diz a lei brasileira e a convenção das Nações Unidas sobre refúgio é que cada caso precisa ser avaliado individualmente. E, a Lei de Migração, aprovada em 2017, avança por se pautar pelos direitos humanos e não considerar mais o imigrante como uma ameaça à segurança nacional. Vamos ter atendimento e triagem preocupados com a questão humanitária.
Sobre o governo venezuelano, devemos nos pautar nos organismos internacionais que defendem a autonomia e soberania dos países. Ou seja, os problemas da Venezuela devem ser resolvidos por seus próprios cidadãos. Essa postura é a que esperamos com relação ao Brasil também, quando tiver novamente um presidente eleito pela população.
Guilherme Boulos - Temos um compromisso em retomar a integração latino-americana e as relações Sul-Sul. Por isso, vamos fortalecer, reestruturar e atualizar os organismos multilaterais criados desde a redemocratização, como o Mercosul, a Unasul e a CELAC (América Latina e Caribe), tendo a preocupação em deixá-los mais transparentes.
Guilherme Boulos - Nossa proposta de Segurança Pública prevê a fusão das polícias, criando uma só polícia, civil, responsável pelo ciclo completo, incluindo a vigilância das fronteiras. Mas, é importante enfatizar que a relevância das fronteiras terrestres para a criminalidade mudou: hoje, armamento e drogas chegam também por outros caminhos, como aeroportos privados e portos.
Por isso, vamos investir em inteligência com um sistema de informação para mapear o dinheiro sujo, desmantelar os esquemas de lavagem de dinheiro e colocar fim ao tráfico de armas. Esse investimento é mais baixo e produz resultados diretos, sobretudo na otimização do trabalho das forças de segurança.
Se nossa investigação nos levar a outros países, vamos procurá-los para colaboração.
Guilherme Boulos - Como oitava economia mundial, queremos inserir o Brasil nas cadeias mais dinâmicas do comércio internacional. Temos como direção a colaboração entre os países, o respeito aos direitos humanos e a autonomia dos Estados. Por isso, faremos todos os acordos comerciais desde que respeitem nossos princípios e não sejam assimétricos.
Guilherme Boulos - Vamos retomar a agenda Sul-Sul com foco na retomada da integração latino-americana e nas relações com os chamados países emergentes, como os BRICS. Vamos diversificar as parcerias comerciais e de cooperação além de fortalecer e reestruturar os instrumentos existentes.
Guilherme Boulos - Uma das maiores consequências da política externa do governo de Michel Temer foi o enfraquecimento do Brasil no cenário internacional. De uma posição de respeito, fomos ao isolamento. Não podemos continuar submissos aos interesses das grandes corporações internacionais e dos países ditos desenvolvidos.
É por isso que estamos hoje fragilizados diante da disputa entre Estados Unidos e China. Ambos têm uma política agressiva de defesa de seus interesses comerciais e moedas que é travestida de livre comércio. Livre só para eles.
Vamos retomar nossa soberania e independência na política externa sem nos subordinar à política norte-americana ou chinesa, recuperando nossos laços de cooperação e comércio Sul-Sul.
É preciso fortalecer nossa economia com investimentos para recuperar a indústria brasileira, diversificando nossa produção com inovação, ciência e tecnologia. Isso aumenta a renda da população e, associado a uma política econômica, vai fortalecer nossa moeda no mercado internacional. O Brasil tem instrumentos importantes para se afirmar internacionalmente: um deles é o petróleo, que Temer entregou a preço de banana para empresas estrangeiras.
No nosso governo vamos retomar tudo aquilo que foi velada ou abertamente privatizado pelo governo Temer e fazer do pré-sal um instrumento importante de desenvolvimento econômico, de geração de divisas, de fortalecimento de nossa balança comercial, de garantia das nossas reservas e de defesa do país frente aos ataques econômicos externos.
Guilherme Boulos - Não é de hoje que os Estados Unidos atuam contra os organismos multilaterais. Além de praticar políticas econômicas agressivas contra seus concorrentes comerciais, o governo norte-americano já invadiu e atacou militarmente diversos países sem qualquer consulta às Nações Unidas.
A OMC defende os interesses das grandes potências quando impõe regras draconianas para países que foram ou continuam sendo explorados e marginalizados na economia internacional. Acreditamos que esse atual modelo, que perpetua as desigualdades, deve ser superado. Vamos aprofundar acordos comerciais bilaterais e entre blocos, que respeitem as particularidades econômicas de cada nação com relações comerciais mais simétricas.
Em relação à ONU, entendemos que uma profunda reforma também é necessária. É preciso democratizar suas decisões, eliminando os assentos permanentes do Conselho de Segurança, e fazer valer tratados que não são respeitados pelos países mais ricos e poderosos. Sequer o financiamento da ONU ou de suas agências tem sido assegurado, o que afeta profundamente sua independência e autonomia.
Mas, entendemos que nosso papel na política externa não pode ficar restrito apenas às questões comerciais. Precisamos assumir um papel de liderança nas discussões sobre direitos humanos e democratização das instituições internacionais. E incluir em nossa agenda temas como meio-ambiente, habitação, regimes justos de comércio e investimento.
As perguntas que compõem a entrevista deste especial foram compiladas com base em entrevistas realizadas por EXAME com especialistas em política externa de diferentes setores e organizações. Participaram embaixadores e empresários do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) e pesquisadores de instituições como o Instituto de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), da Puc-Rio, da ESPM e das Faculdades Integradas Rio Branco.
A partir desse levantamento, a reportagem produziu sete perguntas para os candidatos que registravam ao menos 1% de intenção de voto segundo pesquisa Datafolha publicada em 22/08/2018: Luiz Inácio Lula da Silva (PT), agora substituído por Fernando Haddad (PT), Jair Bolsonaro (PSL), Marina Silva (Rede), Geraldo Alckmin (PSDB), Ciro Gomes (PDT), Álvaro Dias (Podemos), João Amoêdo (Novo), Henrique Meirelles (MDB), Guilherme Boulos (PSOL), Cabo Daciolo (Patriota) e Vera Lúcia (PSTU).
Abaixo veja as entrevistas já publicadas:
Estes são os candidatos que ainda não se manifestaram sobre as demandas da reportagem:
A entrevista é composta das mesmas perguntas para todos os candidatos, essas enviadas no mesmo dia e com igual prazo para resposta, 15 dias. A publicação está acontecendo de acordo com a ordem de recebimento.