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Eleição em Portugal: o que esperar do pleito que pode consagrar a direita no país

Partido Chega deve se consolidar como terceira força no Parlamento hoje e atrai brasileiros apesar de pauta anti-imigração

Portugal: crescimento da ultradireita é dado como certo e atrai brasileiros dentro e fora do país. (	PATRICIA DE MELO MOREIRA /Getty Images)

Portugal: crescimento da ultradireita é dado como certo e atrai brasileiros dentro e fora do país. ( PATRICIA DE MELO MOREIRA /Getty Images)

Agência o Globo
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Publicado em 9 de março de 2024 às 19h30.

Em menos de cinco anos, Portugal deixou de ser um dos poucos países europeus livres da extrema direita e o partido radical Chega poderá até triplicar seu número de deputados, chegando a 32 do total de 230, na eleição de hoje ao Parlamento. Enquanto as pesquisas mostram um cenário incerto, com uma vitória apertada para o Partido Socialista (PS), de esquerda, ou o Partido Social Democrata (PSD), de centro-direita, duas siglas que se alternam no poder, o crescimento da ultradireita é dado como certo e atrai brasileiros dentro e fora do país.

Em menos de três anos, o Chega se estabeleceu como terceira força no Parlamento: da eleição solitária, em outubro de 2019, do ex-comentarista de futebol André Ventura, aos 12 deputados eleitos em janeiro de 2022. Agora, entra nas eleições como um dos protagonistas, levando os moderados do PSD a replicar parte do discurso radical contra imigrantes para não perder eleitores.

Para o cientista político António Costa Pinto, Portugal não consegue mais fugir da onda populista global porque o Chega soube como ocupar o espaço que o PSD, tardiamente, não conseguiu explorar com sucesso.

— A natureza da ruptura da transição portuguesa fez com que os partidos de direita democráticos se afastassem da velha ditadura. Mas sempre soubemos pelas pesquisas que cerca de 18% da sociedade expressava valores autoritários de direita. Até 2019, os partidos de direita absorviam este eleitorado — explicou.

Eleitorado jovem

Parte da sociedade, sobretudo a mais jovem, encontrou no Chega um partido alinhado com as suas expectativas. E as quedas recentes e consecutivas primeiro do primeiro-ministro socialista António Costa, em novembro do ano passado, e depois do governo autônomo da Ilha da Madeira, do PSD, em janeiro, ambos por suspeitas de corrupção, ajudaram o cenário.

— A conjuntura populista fez o resto. Explorando o tema da corrupção, mais imigração e criminalidade, o Chega virou um desafio grande aos partidos democráticos de direita, mobilizando segmentos do eleitorado que votavam no PSD e, de maneira mais interessante, os jovens menos escolarizados. Se tiverem mais de 15%, serão um grande desafio de governabilidade — disse Pinto.

Duas eleições antecipadas interromperam os ciclos políticos e favoreceram o Chega, que saiu mais forte a cada pleito e quer virar referência da ultradireita no continente. Com ajuda de aliados como o ex-presidente Jair Bolsonaro ou Marine Le Pen, líder do partido francês Reagrupamento Nacional, Ventura, que é presidente da legenda, ganhou status em Portugal, cooptando influências internacionais, explicou Pedro Góis, sociólogo, professor e investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.

— O contágio do exterior, incluindo do Brasil e dos EUA, via redes sociais, acelerou a percepção de que a democracia liberal já não funciona e que é necessário mais autoridade/autoritarismo. Há um conjunto de perdedores da democracia que parece aceitar perder liberdade. O alerta que devemos fazer é que não há soluções simples para problemas complexos. Todos os que prometerem facilidades são vendedores de ilusão.

Iludidos ou não, os brasileiros são atraídos pelo discurso anticorrupção e costumam fazer comparações entre escândalos de Portugal e do Brasil. Mesmo sendo o Chega um partido anti-imigração, parte dos brasileiros ajudam no engajamento virtual com curtidas e comentários nas redes da sigla, criando uma bolha internacional. Mesmo sem sequer viver no país, caso de Rafael Santos, que diz apoiar o trabalho de Ventura.

— No Brasil sigo uma linha de pensamento de direita e acabei conhecendo o trabalho do André Ventura no Instagram. Desde então, comecei a seguir e apoiá-lo, mas sem me aprofundar no partido.

Chef em Lisboa, o brasileiro Christian Grecco está impressionado com a quantidade de seguidores brasileiros da legenda, dentro e fora das redes.

— Eu já vi brasileiros defendendo o Ventura. É desesperador. Quando uma pessoa defende um partido contra imigração, perdeu qualquer tipo de lógica, porque não consegue entender o que se passa. Está votando em alguém que algum dia vai querer, provavelmente, te expulsar do país.

Recentemente, o grupo de personalidades brasileiras em Portugal “O Brasil também é aqui” publicou um manifesto contra o avanço da extrema direita, apelando ao voto no Bloco de Esquerda (BE) que, assim como os demais partidos, tem perdido terreno diante do aumento do populismo, segundo constatou Isabel David, cientista política e professora da Universidade de Lisboa.

— A [antiga] ditadura, o declínio do nível de vida, a rejeição dessas ideias de extrema direita pelos partidos principais, o fato de a imprensa ignorar esses partidos… E também houve uma boa escolha estratégica na entrada de André Ventura na política, quando foi candidato às eleições municipais em Loures, ainda pelo PSD, e concentrou a campanha nos ciganos, uma minoria em relação a qual, historicamente, sempre houve muito racismo e discriminação — disse David.

Ecos da ditadura

Ventura costuma acusar a comunidade cigana de viver às custas do Estado. Nesta campanha, tem defendido que os estrangeiros têm que pagar por cinco anos a Previdência Social antes de receber algum subsídio. Mas foi graças aos imigrantes que a Previdência teve arrecadação de € 1,2 bilhão (R$ 6,4 bilhões) em 2021 — com os brasileiros liderando os pagamentos, com o valor de € 414 milhões (R$ 2,2 bilhões).

— O racismo contra os ciganos é real e visível diariamente. A ideia de que os ciganos não gostam de trabalhar, a ideia de que são criminosos. Tudo se traduz em discriminação diária, repulsa e medo. Há muitos racistas e xenófobos votando no partido — ressaltou a cientista política.

Os ecos da ditadura e o apoio de um grupo de simpatizantes do nazismo e do fascismo em Portugal revelam com clareza inédita uma realidade que seria impensável até há bem pouco tempo, num país que foi governado pelo PS nos últimos oito anos.

— Era inevitável que os que se sentem herdeiros do passado do Estado Novo se reagrupassem. E Ventura, carismático e bom orador, soube capitalizar este capital político.

Durante o congresso nacional do Chega em janeiro, o militante Rui Cruz subiu ao palco para revelar que era fascista.

— Eu me chamo Rui Cruz. Sou um homem. Sou pai de família. Sou avô. Sou fascista. Tenho 65 anos e sou um português que não se resigna — declarou Cruz.

A repercussão negativa forçou Cruz a dizer que estava sendo irônico. Mas é mais evidente do que nunca qual o perfil de quem integra as fileiras do Chega. Em um comício realizado em Guimarães em fevereiro, um homem fez gesto semelhante à saudação nazifascista com a mão direita. Com a esquerda, segurava uma bandeira de Portugal.

— Se ascenderem ao poder, por exemplo, numa coligação, serão um freio ao desenvolvimento de ideias humanistas e progressistas. E a longo prazo, uma corrosão das democracias tal como as conhecemos — concluiu Góis.

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