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Eixo partidário oscila para a centro-esquerda, diz cientista político

Em artigo exclusivo, Cláudio Couto afirma que,;paradoxalmente, o partido que mais cresceu nesta eleição e naquelas que a antecederam; o PT; acabou por ocupar tanto a condição de premiado como de punido

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 14 de outubro de 2010 às 15h15.

Um dos resultados das eleições municipais foi o surgimento de um quadro político-partidário renovado tanto pelo crescimento do PSDB e do PT - "os dois partidos que capitaneiam o moderno desenvolvimento político brasileiro" - quanto por uma oscilação do eixo partidário para a centro-esquerda, com o avanço de agremiações como o PPS e o PDT. A superioridade centro-esquerdista (incluindo-se o PSDB) sobre os partidos conservadores (incluído aí o PMDB) fica evidente no segundo turno: 16,64 milhões de votos, contra 3,97 milhões - quatro vezes mais. Esta é uma das avaliações de Cláudio Couto, professor de ciência política da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Em artigo exclusivo para o Portal EXAME, Couto afirma que em São Paulo, a imagem de arrogância e prepotência de Marta Suplicy somou-se à percepção do viés autoritário do setor do Partido dos Trabalhadores que predominava na prefeitura, contribuindo para a derrota de forma decisiva.

Artigo de Cláudio Couto*

Algo além dos preconceitos

Passado o segundo turno das eleições, montou-se um interessante e renovado quadro político-partidário no país, ao menos em âmbito municipal. Primeiramente, pelo crescimento dos dois partidos que capitaneiam o moderno desenvolvimento político brasileiro: o PSDB, ao centro, o PT, à esquerda. Em segundo lugar - e de forma articulada a esse crescimento - pela oscilação do eixo partidário para a centro-esquerda, com o crescimento (sobretudo nos maiores municípios) dos demais partidos que poderíamos genericamente alinhar a esse campo programático: PDT, PPS, PSB, PV e PC do B.

Este resultado é mais evidente se considerarmos unicamente as capitais, onde agremiações que poderíamos classificar como de direita obtiveram apenas duas vitórias: Rio de Janeiro (PFL) e Belém (PTB). Se agregarmos a este campo ainda os dois prefeitos de capitais eleitos pelo PMDB - Nelsinho Trad (Campo Grande) e Íris Resende (Goiânia) - o número de eleitos pelo campo conservador chega a quatro; muito pouco (15%), considerando-se as 26 capitais em disputa. Também se considerarmos as 43 cidades em que houve segundo turno, os partidos da direita ou da centro-direita (PMDB, PFL, PP, PTB e PL) venceram em apenas 11 delas - módicos 26%.

Novamente nota-se a superioridade centro-esquerdista (incluindo-se o PSDB) considerando-se a votação no primeiro turno, com 49,2 milhões de votos, contra 41,8 milhões dos partidos conservadores (incluído aí o PMDB); uma nada desprezível diferença de 7,4 milhões de votos. Essa vitória, já perceptível no número de vitórias, também fica evidente considerando-se os votos no segundo turno: 16,64 milhões de votos, contra apenas 3,97 milhões - quatro vezes mais.

O quadro é algo diverso, porém, se observarmos o número de municípios. Neste quesito, o PMDB é campeão inconteste: 1 054 cidades; o PSDB vem a seguir com 871 e o PT aparece apenas no sexto lugar, com 413. Por campos ideológicos, a direita (incluídos os partidos nanicos) leva considerável vantagem: 3 423 municípios, contra 2 136 - isto é, detém 61,6% das municipalidades. Tendo em vista o restante dos dados, o sinal é claro: a direita interiorizou-se, permanecendo forte nos pequenos e médios municípios, ao passo que a centro-esquerda praticamente domina o cenário nas grandes cidades e metrópoles. Neste último caso, o PT também leva alguma vantagem sobre o PSDB, detendo 9 capitais (contra 5) e tendo vencido em 11 cidades no segundo turno (contra 9). Todavia, cresceu sobretudo em capitais menos populosas, situadas em estados mais pobres da federação (Norte e Nordeste), sofrendo derrotas importantes no Sudeste e no Sul - com destaque para São Paulo, Curitiba e Porto Alegre.

A despeito das peculiaridades locais, que impedem uma análise única e uniformizadora das causas de todas as vitórias e derrotas país afora, podemos tirar ao menos uma conclusão genérica sobre o resultado das urnas e derivada da observação mais geral - a já mencionada oscilação à centro-esquerda -, evidente pela compilação dos números. Nesta eleição manifestou-se a crescente rejeição dos eleitorados de grandes centros urbanos àqueles políticos de alguma forma percebidos como pouco confiáveis, seja pela sua vinculação a velhas máquinas político-partidárias notadas como corruptas, seja pela inconsistência de suas mensagens no que concerne à factibilidade ou sustentabilidade de seus planos. Isto explica o declínio dos partidos conservadores, normalmente identificados com a "forma tradicional de se fazer política" - marcada pelo loteamento de cargos, pelo uso da máquina, pelas promessas não cumpridas, pelo autoritarismo e pelo clientelismo. De um modo geral, os partidos e candidatos que apareceram ao eleitor como distintos dessa tradição foram premiados nas urnas; os que com ela se identificavam de alguma forma, foram punidos.

Paradoxalmente, o partido que mais cresceu nesta eleição e naquelas que a antecederam - o PT - acabou por ocupar tanto a condição de premiado como de punido. Isto ajuda a compreender as derrotas sofridas em São Paulo e Porto Alegre, por exemplo. No primeiro caso, a derrota se deu pela incapacidade da prefeita (e de seu partido) estabelecerem canais de entendimento com os segmentos mais sofisticados do eleitorado. A imagem de arrogância e prepotência da prefeita somou-se à percepção do viés autoritário de seu partido (ou, na verdade, do setor do partido que predominava na Prefeitura), contribuindo para a derrota de forma decisiva. E isto porque, mesmo obtendo importantes vitórias na periferia da cidade, dificilmente o PT poderia contar com os órfãos do malufismo, de modo que a eleição seria resolvida pelas camadas médias, que votaram em Marta Suplicy quatro anos antes.

Em Porto Alegre, a situação não foi de todo distinta, embora deva-se enfatizar que mais importante do que a figura do candidato, contou o desgaste de um partido há 16 anos no governo, entremeados por uma malograda experiência no governo estadual e pelo abandono do paço por um prefeito interessado em tornar-se governador. Ademais, a cada vez mais difundida idéia do aparelhismo petista - que no Rio Grande do Sul é alardeada há bom tempo - apenas reforçou este desgaste. Esta é uma das poucas situações em que a chamada "federalização" pode ter influenciado - secundariamente, é verdade - os pleitos locais.

* Cláudio Couto é professor do Departamento de Política e do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP

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