MANIFESTANTES ANTI-MADURO: Oposição venezuelana planeja aumentar pressão contra Maduro com greve geral / Carlos Garcia Rawlins/ Reuters (Carlos Garcia Rawlins/Reuters)
Da Redação
Publicado em 27 de outubro de 2016 às 17h01.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 17h56.
Lourival Sant’Anna
Centenas de milhares de pessoas se manifestaram nas principais cidades da Venezuela nesta quarta-feira, exigindo a saída do presidente Nicolás Maduro. Pesquisas indicam que dois terços dos venezuelanos votariam pela revogação do mandato do presidente e pela convocação de novas eleições. O evidente enfraquecimento de Maduro, no entanto, não é o prenúncio do fim de seu governo, mas do aumento da violência e da repressão contra a população, segundo quatro respeitados analistas venezuelanos, ouvidos por EXAME Hoje.
A oposição convocou uma greve geral de 12 horas para esta sexta-feira e uma marcha em direção ao Palácio Miraflores, na próxima quinta-feira, dia 3, com o objetivo de entregar a Maduro um comunicado de que ele foi destituído no domingo pela Assembleia Nacional. Seria o primeiro protesto da oposição na frente do palácio, e é improvável que a Guarda Nacional Bolivariana permita que os manifestantes cheguem perto da sede do governo — território reservado apenas a militantes chavistas. “Se nos roubam o direito de votar, passamos a outra etapa na Venezuela”, declarou Henrique Capriles, governador do Estado de Miranda, onde fica a capital, Caracas, e candidato da oposição à presidência nas duas últimas eleições.
O mandato de Maduro termina no início de 2019. Mas é difícil imaginar como o governo pode sobreviver até lá. “Maduro perde força em meio a uma das crises econômicas mais importantes da história do país”, analisa Luis Vicente León, diretor do Datanálisis, principal instituto de pesquisas de opinião da Venezuela. “Sua popularidade está muito deteriorada. A oposição se mostra cada vez mais disposta a se defender do óbvio abuso de poder que impede as saídas institucionais. Isso é sem dúvida um risco para o governo, que no entanto ele prefere correr porque a alternativa seria uma eleição que com certeza os tiraria do poder.” León conclui: “Isso quer dizer que todas as partes estão dispostas a se enfrentar, mas não sei se na realidade isso é o fim, como alguns visualizam, ou só o princípio de uma grande e longa luta mais radical. Isso não está nada claro para mim”.
“Nicolás Maduro tem estado débil desde que assumiu o poder (em abril de 2013), com a morte de Chávez e a crise econômica”, recorda o cientista político Carlos Romero, professor da Universidade Central da Venezuela. “Depois da vitória da oposição nas eleições parlamentares de dezembro, perdeu mais poder. E devemos ter em conta ainda a crescente crítica de governos, da mídia, de organizações multilaterais e não-governamentais sobre seu exercício de governo cada dia mais autoritário. Depende cada dia mais da força armada e não tem apoio popular.”
Romero não acredita, no entanto, que o final de Maduro esteja próximo: “Ele ainda tem poder, embora tenha diminuído. E controla a PDVSA (estatal do petróleo) e as Forças Armadas. Pode sobreviver por um tempo, no contexto de uma instabilidade política e de uma crise econômica e social”.
Anabella Abadi, analista de risco da consultoria ODH, de Caracas, observa que, além da queda de popularidade, parece haver também “fraturas dentro do chavismo”. “A falta de independência dos poderes, com exceção da Assembleia Nacional, tem bloqueado todos os mecanismos constitucionais que poderiam permitir uma mudança de governo, e muitos sentem que se manifestar é uma das últimas alternativas possíveis.” Abadi reconhece também que “é muito difícil avaliar se o fim do regime do presidente Maduro está próximo, pois são muitos os fatores que estão intervindo neste jogo político”.
“Maduro depende, para se manter no poder, exclusivamente da força armada, pois seu partido nas condições atuais perdeu a capacidade de ganhar eleições de forma transparente”, observa Diego Moya-Ocampos, analista para América Latina da consultoria IHS Markit Country Risk, de Londres. “Se os protestos de rua escalarem para além da capacidade do aparato repressivo militar e policial de contê-los, pode haver uma mudança de liderança no médio prazo.” Entretanto, continua Moya-Ocampos: “No curto prazo, haverá um aumento significativo da repressão. O governo vai responder aos protestos com excesso de força e detenções arbitrárias. A crise humanitária na Venezuela se converte cada vez mais em assunto regional. Se há uma explosão social, afetará com migrações maciças os países vizinhos, incluindo o Brasil.”
Ação e reação
O recrudescimento das tensões foi causado por uma decisão anunciada na quinta-feira 20, pelo Conselho Nacional Eleitoral, controlado pelos chavistas, de paralisar os trâmites para a convocação do referendo revogatório do mandato de Maduro. Com isso, não haverá tempo suficiente para realizar o referendo ainda este ano. Se ocorrer a partir de janeiro, quando o mandato ultrapassa a sua metade, e a maioria votar pela revogação, não haverá novas eleições, mas sim a substituição de Maduro pelo vice-presidente por ele nomeado — atualmente Aristóbulo Istúriz, igualmente chavista. O CNE justificou sua decisão com as medidas cautelares emitidas por juízes de primeira instância em quatro Estados (Apure, Aragua, Bolívar e Carabobo) apontando irregularidades na coleta das assinaturas necessárias para a convocação do referendo.
No domingo, em sessão extraordinária, a Assembleia Nacional, dominada pela oposição, aprovou uma resolução declarando “a ruptura da ordem constitucional e a existência de um golpe de Estado cometido pelo regime de Nicolás Maduro”. A oposição derrotou os chavistas por 56% a 40% dos votos nas eleições de dezembro do ano passado. Antes de a nova legislatura tomar posse, no entanto, o governo mudou parte dos juízes do Tribunal Supremo de Justiça, que passou a dominar completamente. Com isso, a corte tem anulado todas as decisões da Assembleia que vão contra os interesses do governo.
Durante o protesto desta quinta-feira, chamado pela oposição de Tomada da Venezuela, o presidente da Assembleia, Henry Ramos Allup, disse que nas próximas sessões do Parlamento será declarada “a responsabilidade política de Maduro e o abandono do cargo”, e que no dia 3 haverá uma manifestação “pacífica” até o palácio para notificar o presidente “sobre o veredito popular”. Já Jesús Torrealba, secretário-executivo da Mesa da Unidade Democrática, a frente de oposição, pediu a todos os venezuelanos que fiquem em casa nesta sexta-feira, como protesto pela suspensão do reconhecimento das assinaturas de 20% dos eleitores, condição para a convocação do referendo, e para exigir o cumprimento da Constituição.
Os chavistas reagiram. Depois de se reunir com Maduro, o primeiro-vice-presidente do governista Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), Diosdado Cabello, declarou: “Aqui não vamos permitir esculhambação. E você escolhe, senhor empresário, se segue esses loucos ou se decide trabalhar junto com o governo por esta pátria.”
Hugo Chávez, que governou de 1999 até sua morte em 2013, realizou expurgos entre os militares e politizou as Forças Armadas, dando-lhes o adjetivo “Bolivarianas”. Mais recentemente, com os problemas de desabastecimento, inflação alta e esgotamento das reservas em moeda forte, Maduro entregou aos oficiais de mais alta patente negócios lucrativos nas áreas de importação e distribuição de alimentos e outros produtos. Com isso, os militares não têm interesse em uma alternância de poder.
Maduro, que se reuniu na segunda-feira com o papa Francisco e na terça com o futuro secretário-geral da ONU, António Guterres, adotou um tom mais conciliador. “Nosso país merece amor e proteção, merece que acima de todas as coisas triunfe sempre a paz”, declarou o presidente, depois de encabeçar uma reunião do Conselho de Defesa da Nação, que agora está em “sessão permanente”, para acompanhar o desenrolar dos acontecimentos. “Nossa Constituição tem demonstrado ser superior a todos os conceitos da democracia.”
Confiante em sua alta popularidade, Chávez aprovou já no seu primeiro ano no cargo, em 1999, uma nova Constituição prevendo os referendos revogatórios dos mandatos presidenciais, para justificar seu plano de permitir a reeleição ilimitada. Ou seja, o povo poderia se livrar do presidente quando quisesse, e mantê-lo também o quanto desejasse. Mas em um referendo posterior, em 2007, a maioria rejeitou a reforma constitucional que introduzia essa reeleição ilimitada, mantendo o máximo de dois mandatos de seis anos. A estratégia chavista ficou então capenga.
Na segunda-feira, enquanto Maduro se reunia com o papa, Torrealba se encontrou com o núncio da Argentina, o suíço Emil Paul Tscherrig, enviado do Vaticano, com o ex-primeiro-ministro espanhol, José Luis Zapatero, e os ex-presidentes do Panamá, Martín Torrijos, e da República Dominicana, Leonel Fernández, que tentam mediar um acordo entre governo e oposição. O secretário-executivo da frente oposicionista saiu da reunião anunciando o início de um processo de diálogo no domingo, dia 30. Mas Torrealba foi desautorizado por Capriles e outros líderes oposicionistas, que disseram que “ficaram sabendo do diálogo pela televisão” e que só aceitariam negociar com o governo depois que fosse assegurada a realização do referendo este ano.
Cerca de 30.000 venezuelanos já migraram para o Brasil desde janeiro do ano passado, cruzando a fronteira no Estado de Roraima, em busca de trabalho para sobreviver. Se não for o fim de Maduro, é o começo de uma crise sem precedentes na região.