Guarda costeira do Iêmen patrulha o Mar Vermelho, onde navios cargueiros foram alvo de ataques (Khaled Ziad/AFP)
Agência de notícias
Publicado em 26 de dezembro de 2023 às 09h56.
Os ataques ao tráfego marítimo nos estreitos do Mar Vermelho pelos rebeldes do movimento Houthi, do Iêmen, estão injetando uma nova dose de instabilidade na economia mundial, que já vem pelejando para voltar a crescer em meio a crescentes tensões geopolíticas.
O risco de escalada do conflito no Oriente Médio é a mais recente de uma série de crises imprevisíveis nos últimos anos, incluindo a pandemia de Covid-19 e a guerra na Ucrânia, que deixaram cicatrizes na economia global.
Como se isso não bastasse, mais volatilidade está pela frente com a proximidade uma onda de eleições nacionais cujas repercussões podem ser profundas e longas. Mais de dois bilhões de pessoas em mais de 50 países, incluindo grandes economias emergentes como Índia, Indonésia, México e África do Sul, além da maior de todas, os Estados Unidos, irão às urnas.
Na União Europeia, as 27 nações do bloco vão renovar o Parlamento Europeu. Ao todo, os participantes da olimpíada eleitoral de 2024 são responsáveis por 60% da produção econômica mundial. E a política mexe muito com os caminhos econômicos dos países.
Em democracias robustas, as eleições estão ocorrendo enquanto a desconfiança no governo está aumentando. Os eleitores estão amargamente divididos e há uma ansiedade profunda sobre as perspectivas econômicas.
Mesmo em países onde as eleições não são livres nem justas, os líderes são sensíveis à saúde da economia. A decisão de Vladimir Putin neste outono de exigir que os exportadores convertam moeda estrangeira em rublos provavelmente foi feita com o olho em valorizar o rublo e reduzir os preços na corrida para as eleições presidenciais da Rússia em março.
Os vencedores das eleições determinarão decisões políticas cruciais que afetarão subsídios de fábrica, isenções fiscais, transferências de tecnologia, desenvolvimento de inteligência artificial, controles regulatórios, barreiras comerciais, investimentos, alívio da dívida e transição energética.
Uma série de vitórias eleitorais que levam populistas ao poder poderia empurrar os governos para um controle mais rigoroso do comércio, investimento estrangeiro e imigração. Tais políticas, segundo Diane Coyle, professora de políticas públicas da Universidade de Cambridge, poderiam inclinar a economia global para “um mundo muito diferente daquele com o qual estamos acostumados”.
Em muitos lugares, o ceticismo sobre a globalização tem sido alimentado por rendas estagnadas, declínio dos padrões de vida e crescente desigualdade. No entanto, disse Diane, “um mundo de encolhimento do comércio é um mundo de diminuição da renda”.
E isso levanta a possibilidade de um ciclo vicioso, porque a eleição de nacionalistas de direita provavelmente enfraquecerá ainda mais o crescimento global e afetará as fortunas econômicas, advertiu ela.
Muitos economistas compararam eventos econômicos recentes aos da década de 1970, mas a década que a professora de Cambridge compara é a de 1930, quando as convulsões políticas e os desequilíbrios financeiros “se desenvolveram no populismo e no declínio do comércio e, em seguida, na política extrema”.
A maior eleição do próximo ano é na Índia. Atualmente a economia de crescimento mais rápido do mundo, o país está lutando para competir com a China como o centro de fabricação do mundo.
A eleição presidencial de Taiwan em janeiro tem o potencial de aumentar as tensões entre os Estados Unidos e a China. E no México, o resultado da eleição vai determinar a postura do país em relação à energia e ao investimento estrangeiro. Já na Indonésia, o próximo presidente pode mudar as políticas sobre minerais críticos como o níquel.
A eleição presidencial dos EUA, é claro, será de longe a mais significativa para a economia mundial e já está afetando a tomada de decisões. Na semana passada, Washington e Bruxelas concordaram em suspender as tarifas sobre aço e alumínio europeus e sobre uísque e motocicletas americanos até depois da eleição.
O acordo permite que o presidente Biden pareça tomar uma posição dura sobre os acordos comerciais enquanto luta por votos. O ex-presidente Donald Trump, o provável candidato republicano, defendeu políticas comerciais protecionistas e propôs uma tarifa de 10% sobre todos os bens que chegam aos Estados Unidos —um movimento combativo que inevitavelmente levaria outros países a uma retaliação.
Trump, que ecoou líderes autoritários, também indicou que se afastaria da parceria da América com a Europa, retiraria o apoio à Ucrânia e seguiria uma postura mais conflituosa em relação à China.
“O resultado das eleições pode levar a mudanças de longo alcance em questões de política interna e externa, inclusive sobre mudanças climáticas, regulamentos e alianças globais”, apontou a empresa de consultoria EY-Parthenon em um relatório recente.
As perspectivas econômicas globais do próximo ano até agora são mistas. O crescimento na maioria dos cantos do mundo permanece lento, e dezenas de países em desenvolvimento correm o risco de inadimplência em suas dívidas soberanas.
Do lado positivo, a rápida queda na inflação está empurrando os bancos centrais a reduzir as taxas de juros ou pelo menos interromper o ciclo de alta. Os custos reduzidos de empréstimos geralmente são um estímulo para o investimento e a compra de casas.
À medida que o mundo continua a se dividir em alianças desconfortáveis e blocos rivais, as preocupações com a segurança provavelmente vão se tornar ainda maiores em meio a importantes decisões econômicas.
China, Índia e Turquia intensificaram a compra de petróleo, gás e carvão russos depois que a Europa reduziu drasticamente suas compras após a invasão da Ucrânia por Moscou.
Ao mesmo tempo, as tensões entre a China e os Estados Unidos estimularam Washington a responder a anos de apoio industrial forte de Pequim, fornecendo enormes incentivos para veículos elétricos, semicondutores e outros itens considerados essenciais para a segurança nacional.
Os ataques de drones e mísseis no Mar Vermelho pela milícia Houthi, apoiada pelo Irã, são mais um sinal de crescente fragmentação.
Nos últimos dois meses, Iêmen, Hamas, Azerbaijão e Venezuela vêm buscando mudar o status quo, disse Courtney Rickert McCaffrey, analista geopolítico da EY-Parthenon e autora do relatório recente.
“Mesmo que esses conflitos sejam menores, eles ainda podem afetar as cadeias de suprimentos globais de maneiras inesperadas”, disse ela. “O poder geopolítico está se tornando mais disperso”, e isso aumenta a volatilidade.
Os ataques Houthi a embarcações de todo o mundo no estreito de Bab-el-Mandeb — chamado Portão do Luto — no extremo sul do Mar Vermelho aumentaram as taxas de frete e seguro e os preços do petróleo, enquanto desviaram o tráfego marítimo para uma rota muito mais longa e cara ao redor da África.
Na semana passada, os Estados Unidos disseram que expandiriam uma coalizão militar para garantir a segurança dos navios que passam por esse caminho comercial, pelo qual 12% do comércio global é enviado. É o maior redirecionamento do comércio mundial desde a invasão da Ucrânia pela Rússia em fevereiro de 2022.
Claus Vistesen, economista-chefe da zona do euro da Pantheon Macroeconomics, disse que o impacto dos ataques até agora foi limitado. “Do ponto de vista econômico, não estamos vendo um enorme aumento nos preços do petróleo e do gás”, disse Vistesen, embora tenha reconhecido que os ataques do Mar Vermelho foram o “ponto de inflamação mais óbvio a curto prazo”.
A incerteza, porém, tem um efeito de amortecimento na economia. As empresas tendem a adotar uma atitude de esperar para ver quando se trata de investimento, expansões e contratações.
“A volatilidade contínua nas relações geopolíticas e geoeconômicas entre as principais economias é a maior preocupação dos diretores de risco nos setores público e privado”, disse uma pesquisa do meio do ano do Fórum Econômico Mundial. Com conflitos militares persistentes, crescentes ataques de clima extremo e uma série de grandes eleições pela frente, é provável que 2024 traga mais do mesmo.