Fumaça após ataque de Israel no Vale do Bekaa, no Líbano, em 23 de setembro (Nidal Solh/AFP)
Repórter de macroeconomia
Publicado em 28 de setembro de 2024 às 09h43.
Última atualização em 29 de setembro de 2024 às 20h48.
Quando chegou a notícia de que pagers usados por membros do Hezbollah estavam explodindo, no dia 17, o modo incomum de ataque chamou mais a atenção do que suas possíveis consequências. Dez dias depois, o mundo vive a iminência de uma guerra completa entre Israel e Hezbollah.
O passo final para que a situação se transforme em uma guerra completa é a invasão do território do Líbano por forças de Israel. O governo israelense já disse preparar tropas para tal, embora não esteja claro se este passo será tomado ou não. Mas os sinais disso se acumulam.
Nesta sexta, 27, por exemplo, forças de Israel fizeram mais um ataque a Beirute, capital do Líbano, que que levou à morte do líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah.
A escalada do conflito é acompanhada de perto pela comunidade internacional, pelo risco de criar uma crise mais ampla no Oriente Médio e envolver países com armamento pesado, como os Estados Unidos e o Irã.
A crise atual entre Israel e Hezbollah é uma consequência da guerra entre Israel e Hamas, que começou em outubro de 2023. No dia 7 daquele mês, terroristas do Hamas, grupo que controlava a Faixa de Gaza, invadiram Israel, mataram cerca de 1.200 pessoas e fizeram mais de 200 reféns. Em resposta, Israel lançou uma operação militar e invadiu Gaza, com a missão de atacar o Hamas e resgatar os reféns.
No entanto, a guerra em Gaza virou uma situação incerta. Mesmo após quase um ano de ataque, parte dos reféns não foi resgatada e, apesar dos ataques de Israel, o Hamas não foi declarado derrotado.
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O governo da Faixa de Gaza diz que mais de 41 mil palestinos foram mortos e 95 mil ficaram feridos desde o início da invasão. Além disso, centenas de milhares de pessoas tiveram de deixar suas casas.
O Hezbollah, que ocupa territórios ao sul do Líbano, perto da fronteira norte de Israel, passou a atacar o país vizinho com mísseis em 8 de outubro, quando os militares israelenses invadiram Gaza, como forma de solidariedade aos palestinos. Os ataques seguem ocorrendo desde então, e levaram 60 mil israelenses a deixarem suas casas.
As tensões entre o Hezbollah e Israel foram crescendo paulatinamente. Neste mês de setembro, Israel decidiu fazer uma operação ampla contra o Hezbollah, com o objetivo de matar os líderes do grupo e reduzir seu poder de ataque.
A explosão dos pagers e rádios de comunicação foi o primeiro passo disso. Embora Israel não tenha admitido nem negado publicamente seu envolvimento na ação, foi o principal beneficiado por ela.
Na terça, 17 de setembro, milhares de pagers usados por líderes e combatentes do Hamas explodiram, em um ação coordenada. As investigações indicam que os aparelhos foram alterados, durante o processo de entrega ao grupo, após a compra de um novo lote, e receberam pequenos explosivos, que foram detonados à distância.
Ao receber uma determinada mensagem, o detonador provavelmente foi acionado e explodiu a bateria. Foram quase 40 mortos e cerca de 40 mil feridos, muitos deles atingidos no rosto e nas mãos. Segundos antes de explodirem, muitos pagers tocaram, como se estivessem recebendo mensagens.
No dia seguinte, 18, houve explosões em rádios do tipo walkie-talkie, também usados pelo grupo. O Hezbollah adotou tecnologias mais antigas para evitar rastreamentos e hackeamentos por parte de Israel.
Sem usar celulares nem pagers, a comunicação entre o grupo ficou comprometida. E, em meio disso, Israel começou a atacar.
A ação de Israel, chamada de Operação Flechas do Norte, tem como objetivo permitir que cerca de 60 mil israelenses possam voltar para suas casas, no norte do país, perto da fronteira com o Lìbano.
Os ataques de Israel atingiram ao menos 1.300 alvos, mataram mais de 500 pessoas e feriram mais de 1.800. Em meio à chuva de bombas, dezenas de milhares de pessoas fugiram do Sul do Líbano e estão buscando abrigo em outra cidades.
Em resposta, o Hezbollah disparou mais mísseis contra Israel, e prometeu seguir com os ataques até que o país encerre a ação na Faixa de Gaza.
No entanto, analistas apontam que a capacidade do grupo de responder e se defender dos ataques israelenses está comprometida. Diversos comandantes foram mortos ou feridos, assim como seus possíveis substitutos, e não houve tempo para uma reorganização. Além disso, o ataque forte de Israel faz com que o grupo esteja perdendo a moral.
"Se o Hezbollah não tentar lutar de forma significativa, sua reputação na região vai sofrer um grande e potencialmente irreversível baque. Mas se escolher contra-escalar, a destruição e morte vista nos últimos dias só vai piorar", diz Charles Lister, diretor de Contra-Terrorismo no think tank Middle East Institute, baseado em Washington.
Até agora, Israel não tem encontrado impedimentos junto à comunidade internacional para realizar suas ações. Seu principal parceiro militar, os Estados Unidos, disse considerar legítima a ação no Líbano.
"Israel tem o direito de se defender do terrorismo, mas o modo como faz isso importa", disse o secretário de Estado Antony Blinken nesta sexta. Os EUA consideram o Hezbollah como um grupo terrorista.
O governo americano e alguns países europeus tentaram propor um cessar-fogo de 21 dias, mas Israel rejeitou a proposta publicamente.
O governo de Israel coloca o combate contra Hamas e Hezbollah como uma questão existencial: diz que os grupos pregam o fim de Israel e, assim, não teria escolha a não ser lutar até o fim.
"Se não houver uma mudança política no controle da Faixa de Gaza ou a saída do Hezbollah do sul do Líbano, voltamos para 6 de outubro e tudo isso até agora foi em vão", diz André Lajst, presidente do StandWithUs Brasil, entidade ligada a Israel que combate o antissemitismo.
"Do lado do Hamas e do Hezbollah, esta é uma guerra religiosa. E guerras religiosas não têm solução, só tréguas, que podem ser de meses ou anos. Não há perspectiva de mudança de política ou ideológica do lado de lá que permita que a guerra termine de forma definitiva" afirma Lajst.
Ao mesmo tempo, o premiê Benjamim Netanyahu depende do apoio de políticos nacionalistas linha-dura para se manter no poder. Eles ameaçam retirar seu apoio a ele em caso de acordos com Hamas e Hezbollah. Além disso, o premiê enfrentava desgastes internos, como um cansaço dos israelenses com a guerra em Gaza.
"A série de sucessos militares, alguns realmente impressionantes, deram um tremendo impulso para a moral nacional de Israel, que estava muito baixa. A guerra em Gaza ainda é muito impopular, e a maioria de Israel quer um acordo para os reféns e um cessar-fogo. Esta não era a visão da maioria há alguns meses, mas a opinião vem mudando", diz Eran Etzion, ex-diretor de planejamento do Ministério das Relações Exteriores de Israel, em um debate virtual sobre a crise atual.
No entanto, Netanyahu, 74 anos, tem conseguido se manter no cargo há décadas, mesmo após perder eleições e sofrer processos na Justiça.
Os partidos de oposição a ele não conseguiram maioria dos votos para formar governos estáveis nas eleições dos últimos anos, e Netanyahu soube negociar com aliados e rivais para se manter em evidência.
Ele é premiê de Israel desde 2009, com um intervalo de 18 meses em que ficou na oposição, entre 2021 e 2022.
Do lado do Hezbollah, uma das principais questões é se o Irã, que apoia o grupo desde a sua fundação, nos anos 1980, e é o principal inimigo de Israel, poderá se envolver de forma mais ampla no conflito, com o envio de mais armas e soldados.
"Uma vez que o Irã sentir que exista uma ameaça existencial ao Hezbollah, poderá interferir de forma mais ampla", diz Randa Slim, diretora de Resolução de Conflitos do Middle East Institute e especialista em Líbano.
Caso ocorra uma invasão israelense, a principal questão é o que fazer depois.
Israel poderia tentar criar uma zona de proteção na fronteira, com um território sob controle de suas forças militares, para impedir uma reorganização do Hezbollah e ataques ao território de Israel.
No entanto, essa ocupação poderia levar décadas, como já ocorreu no passado. O Hezbollah foi criado nos anos 1980 justamente com o objetivo de expulsar a ocupação israelense do sul do Líbano, que só deixaria o país em 2000.
Especialistas apontam duas datas importantes, que indicam que o conflito não deve se resolver tão cedo.
Uma delas é o aniversário de um ano dos ataques do Hamas, em 7 de outubro. Os ataques ao Líbano ajudam a desviar o foco da questão de que 97 reféns levados pelo grupo palestino ainda não foram resgatados. A outra data é a eleição nos Estados Unidos, principal aliado militar de Israel.
Para Roberto Ueber, professor de relações internacionais da ESPM, um cessar-fogo não deve ocorrer antes das eleições presidenciais dos EUA, em novembro.
"Se ganhar a Kamala Harris, há espaço para Joe Biden trazer uma proposta de cessar-fogo direto. Se ganhar o Donald Trump, Biden terá pouca legitimidade para propor isso tendo poucos meses de mandato pela frente", afirma.