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Doença de Trump é o mais novo elemento de uma campanha caótica

Doença do presidente recoloca a pandemia no centro das atenções, enquanto imprensa reconstitui últimos passos da caravana presidencial

O presidente americano Donald Trump anunciou nesta sexta-feira, 2 de outubro, que ele e a primeira dama, Melania Trump, testaram positivo para Covid-19 (Alex Brandon-Pool/Getty Images)

O presidente americano Donald Trump anunciou nesta sexta-feira, 2 de outubro, que ele e a primeira dama, Melania Trump, testaram positivo para Covid-19 (Alex Brandon-Pool/Getty Images)

FS

Fabiane Stefano

Publicado em 2 de outubro de 2020 às 18h47.

Última atualização em 2 de outubro de 2020 às 23h51.

O diagnóstico de Covid-19 de Donald Trump virou de cabeça para baixo o que já era a eleição presidencial mais caótica e imprevisível da memória recente.

A informação oficial da tarde desta sexta-feira (2) era de que os sintomas eram “leves”, sem maiores detalhes, e de que Trump passaria os próximos dias trabalhando em quarentena. Mas, à noite, o presidente foi levado ao hospital e já surgem notícias de que está tendo dificuldade para respirar, segundo fontes da Casa Branca informaram à imprensa americana.

A evolução do quadro médico do presidente americano - que tem 74 anos e está acima do peso, o que o coloca no grupo de risco - vai dominar o noticiário nos próximos dias. A eleição acontece em 3 de novembro.

Em meio a tantas incertezas, existe uma única garantia: a doença do presidente recoloca a pandemia no centro das atenções. Há meses Trump vem tentando desviar o foco das discussões. Primeiro, foi o tema da lei e da ordem. Depois vieram as denúncias infundadas sobre fraudes na votação pelo correio. Nos últimos dez dias, a indicação de uma juíza conservadora para ocupar a vaga aberta na Suprema Corte.

Mas o presidente já vinha tendo pouco êxito com essa estratégia. O golpe duplo da crise sanitária - que já deixou mais de 207.000 mortos - acompanhada por uma profunda recessão econômica sempre foi o maior risco para suas chances de reeleição.

As pesquisas indicam que os americanos reprovam o trabalho do presidente no combate à pandemia. Segundo um levantamento da rádio NPR, 56% deles têm opinião negativa sobre a condução da crise. Uma porcentagem quase idêntica (54%) prefere seu adversário, o democrata Joe Biden, para enfrentar o coronavírus.

Histórico de pouco caso

Com raras exceções, desde o início da pandemia Trump vem fazendo pouco dos riscos apresentados pela Covid-19 – ao menos em público. Em fevereiro, ele afirmou que o coronavírus “desapareceria como que por milagre”. Em março, disse que dava “nota 10” para a resposta de seu governo. Em abril, em uma de suas gafes mais memoráveis, ele sugeriu ingerir desinfetantes domésticos como uma possível cura. Na última quinta-feira, horas antes da notícia de seu diagnóstico, ele havia afirmado que o fim da pandemia estaria “à vista”.

Trump também transformou o uso de máscaras em um gesto político. Ele e muitos de seus apoiadores mais ferrenhos se recusam a cobrir o rosto mesmo quando estão em ambientes fechados.

Na semana passada, Trump contradisse o diretor dos Centros de Prevenção e Controle de Doenças, Robert Redfield, que defendeu a proteção facial como a medida mais importante para evitar a disseminação do coronavírus. “Ele está errado”, afirmou o presidente.

No debate de terça-feira, Trump fez piada com Biden. “Não sou como ele [apontando para o adversário]. Toda vez que você o vê ele está de máscara. [Biden] pode estar falando com pessoas a 30 metros de distância e aparece com a maior máscara que já vi na vida”.

Como medida de segurança, Trump e Biden não apertaram as mãos no debate, e seus púlpitos estavam separados por uma distância de vários metros. A campanha do democrata anunciou que o candidato fez um novo teste depois da confirmação do positivo de Trump; o resultado foi negativo.

Oito de cada dez mortos nos Estados Unidos por complicações da Covid-19 tinham mais de 65 anos. Embora idosos e pessoas obesas tenham mais risco de sofrer consequências graves da Covid-19, as estatísticas indicam que a probabilidade de uma recuperação completa é muito maior. O resultado de seu último check-up indicou “uma ótima saúde”, segundo Sean Conley, o médico da Casa Branca.

Numa mensagem publicada no Twitter, Biden afirmou: “Jill [sua mulher] e eu estamos pensando no presidente Trump e na primeira-dama Melania e esperamos uma pronta recuperação. Continuaremos rezando pela saúde e pela segurança do presidente e de sua família”.

Comícios cancelados

Todos os eventos de campanha de Trump dos próximos dias foram cancelados. Ele faria dois comícios no estado de Wisconsin, um dos mais importantes entre os estados chave para a vitória no colégio eleitoral -- o podcast EXAME POLÍTICA traz o resultado de uma pesquisa exclusiva com eleitores do estado.

Enquanto Biden vinha aparecendo em público sempre diante de um número estritamente limitado de apoiadores, Trump aparecia comícios com centenas, às vezes milhares de pessoas, a maioria sem máscara.

Em meados de setembro Trump reuniu centenas de pessoas num hangar na cidade de Henderson, Nevada. O governador do estado, o democrata Steve Sisolak, classificou o evento de “vergonhoso, perigoso e irresponsável”.

Rastreando os contatos

A notícia do teste positivo foi confirmada pelo próprio Trump, nas primeiras horas da sexta, pelo Twitter. A primeira-dama, Melania Trump, também contraiu a doença.

Horas antes, fora confirmada uma notícia publicada pela Bloomberg de que Hope Hicks, uma assessora sênior de Trump, tinha sido diagnosticada com Covid-19. A informação é importante porque agora os passos da caravana presidencial nos últimos dias vem sendo reconstituídos na imprensa. Existe o temor de que Trump e sua comitiva – que raramente aparece em público usando máscaras – tenham deixado um rastro de infecções por onde passaram.

O chefe de gabinete de Trump, Mark Meadows, afirmou na manhã de hoje que a Casa Branca teve a confirmação do resultado de Hicks quando Trump decolando de helicóptero em direção ao aeroporto, de onde partiria para um evento com doadores em seu campo de golfe em Bedminster, Nova Jersey.

O presidente seguiu para o evento mesmo assim. Hicks é uma das assessoras mais próximas de Trump. Ela o acompanhou no debate realizado na terça-feira e seguiu com a comitiva para um evento de campanha no dia seguinte.

Em rápidas declarações na tarde de hoje, a porta-voz do presidente, Kaleigh McEnany, disse que “a equipe de operações da Casa Branca considerou segura” a viagem do presidente.

Estima-se que cerca de cem pessoas tenham participado do evento de doadores, que teve porções realizadas em ambientes fechados. Segundo relatos de um dos presentes ao New York Times, Trump parecia “letárgico”.

O governador de Nova Jersey, Phil Murphy, disse que os presentes estão sendo rastreados e que devem “tomar todas as precauções, inclusive fazer quarentena e teste”.

Falando a uma comissão do Senado americano, o secretário da Saúde, Alex M. Azar, reiterou a decisão de Trump de não usar máscara, mesmo depois do diagnóstico positivo. Segundo ele, o presidente americano “está numa situação diferente da de todos nós”, porque ele estaria protegido por uma bolha. Claramente, a bolha não é tão impermeável como imagina Azar.

Outro caso de Covid-19 que vem sendo observado com atenção é o do senador Mike Lee. O republicano anunciou hoje que está infectado com o coronavírus. Na terça-feira, ele havia se reunido com a juíza Amy Coney Barrett, indicada por Trump para a vaga em aberto na Suprema Corte.

Na cerimônia em que o nome de Barrett foi anunciado, no fim de semana passado, Lee é visto cumprimentando outros participantes do evento, segurando uma máscara na mão esquerda. O senador também faz parte da Comissão de Justiça do Senado, onde ocorrerá a sabatina da candidata à Suprema Corte.

A linha sucessória

A 25ª emenda à Constituição dos Estados Unidos, promulgada em 1967, trata das provisões caso o presidente esteja incapacitado de exercer o cargo.

Uma das opções é a transferência do poder temporariamente para o vice, neste caso Mike Pence. Isso aconteceu apenas três vezes na história, quando Ronald Reagan (em 1985) e George W. Bush (2002 e 2007) foram submetidos a colonoscopias.

Quando Reagan foi alvo de um atentado a bala, em 30 de março de 1981, o governo chegou a preparar os documentos para invocar a 25ª emenda, mas isso não foi necessário. Atingido por uma bala que perfurou um de seus pulmões, e causou hemorragia interna, Reagan foi submetido a cirurgia de emergência e despachou do hospital enquanto convalescia.

A Casa Branca informou que Pence não foi infectado. Caso ele também não possa assumir a Presidência, a próxima da lista é a presidente da Câmara, Nancy Pelosi.

*A matéria foi atualizada às 23h34 com as novas notícias de que que o presidente Donald Trump foi levado ao hospital. 

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