O editor da revista Charlie Hebdo's, conhecido apenas como Charb, exibe a edição com caricatura de Maomé (Fred Dufour/AFP)
Da Redação
Publicado em 19 de setembro de 2012 às 21h26.
Paris - A divulgação de charges do profeta Maomé na edição desta quarta-feira do jornal satírico francês ''Charlie Hebdo'' provocou um aumento da tensão que levou a Paris a fechar embaixadas, escolas e centros culturais em 20 países por temor de represálias de islamitas.
A nova polêmica ocorre um ano depois da redação da revista ter sido incendiada após a publicação caricaturas de Maomé, e coincide com um momento particularmente delicado no mundo islâmico, onde o filme ''A inocência dos muçulmanos'', que parodia o profeta, originou uma reação violenta de grupos radicais que provocou 30 mortes.
Justamente o temor de incidentes violentos como esse levou o primeiro-ministro francês, Jean-Marc Ayrault, a fazer um apelo para que não haja novos distúrbios.
Mais taxativo se mostrou o ministro das Relações Exteriores francês, Laurent Fabius, que no Cairo, onde está em viagem oficial, considerou ''pouco inteligente'' a atitude do jornal que, na sua opinião, ''colocou mais lenha no fogo''. Nas redes sociais circulam convocações para protestos em diversas cidades do país, similares aos que reuniram cerca de 250 pessoas no fim de semana passado em frente à embaixada dos Estados Unidos em Paris.
Na redação do jornal, enquanto isso, esse argumento é rejeitado, com sua equipe de profissionais defendendo o direito à sátira sobre temas do cotidiano.
''Todas as semanas se fala das embaixadas que foram incendiadas pela divulgação na internet de um filme tolo, mas não temos direito a tratar disso em um jornal de sátira política?'', disse à Agência Efe o redator-chefe do ''Charlie Hebdo'', Gérard Biard.
O jornalista acrescenta que o que deveria ter causado a reação das autoridades ''não é a publicação de um desenho satírico, mas as atitudes violentas''.
''Não insultamos ninguém, nossa charge de capa não é denigrante. Não fizemos chamadas ao ódio racial. Fizemos nosso trabalho, que é olhar a atualidade com um olhar satírico'', afirmou.
A capa do ''Charlie Hebdo'' mostra um muçulmano em cadeira de rodas empurrado por um judeu sob o título de ''Intocáveis'', em referência ao filme de maior bilheteria da França.
Em páginas internas, os desenhos são mais fortes, com o profeta Maomé aparecendo nu e em atitudes indecorosas.
''Mas para ver esses desenhos é preciso comprar o jornal, que ninguém me diga que se sente ferido pelo que viu nas bancas. Alguém que não compra o ''Charlie Hebdo'' não pode se sentir denegrido, e quem o compra sabe que tipo de produto está adquirindo'', disse o redator-chefe.
O diretor do jornal, Stéphane Charbonnier, nega que tenha buscado a provocação para aumentar as vendas.
''Nem sequer tínhamos previsto uma maior tiragem'', afirmou, reconhecendo, porém, que depois que os 75 mil exemplares do jornal se esgotaram hoje nas bancas previram reeditar o número para a próxima sexta-feira.
Na redação do ''Charlie Hebdo'', cercada de grandes medidas de segurança desde a publicação das charges, Biard disse que ''não é cômodo viver permanentemente com uma escolta''.
''Nunca se sabe se alguém te espera na esquina com uma faca ou se sua casa vai ser incendiada. Mas fazemos nosso trabalho'', declarou o jornalista.
O medo não atinge a revista nascida nos anos 60 e que foi fechada em inúmeras ocasiões por sua irreverência contra o poder.
''Na semana que vem pode ser que tenhamos que falar de nós mesmos, porque atualmente somos um pouco o centro do mundo'', diz um bem-humorado Biard.
Por enquanto, a revista viu seu site ser pirateado e manipulado, e na cidade de Sarcelles, na periferia de Paris, com uma grande concentração de população judaica, uma loja ''kosher'' foi atacada.
Além disso, uma associação que pediu anonimato apresentou uma denúncia por ''provocação ao ódio'' contra o jornal.