Miguel Díaz-Canel: o ex-ministro da Educação e atual primeiro vice-presidente dos Conselhos de Estado e de Ministros, Miguel Díaz-Canel, de 57 anos, será provavelmente o novo presidente (Stringer/Reuters)
Da Redação
Publicado em 14 de abril de 2018 às 10h44.
Última atualização em 19 de abril de 2018 às 11h59.
No dia 11 de março, mais de 85% dos 8 milhões de cubanos aptos a votar foram às urnas para eleger os delegados das 15 províncias do país e os deputados que formam a Assembleia Nacional do Poder Popular. Em 19 de abril, a assembleia se reunirá para eleger seu presidente, vice-presidente e secretário e também os 31 membros do Conselho de Estado, que então escolherá o presidente do país. Pode parecer democracia, mas a ilha funciona num jogo de cartas marcadas.
O ex-ministro da Educação e atual primeiro vice-presidente dos Conselhos de Estado e de Ministros, Miguel Díaz-Canel, de 57 anos, será provavelmente o novo presidente — uma vez que Raúl Castro, de 86 anos, já cumpriu dois mandatos de cinco anos como ele mesmo estipulou. Díaz-Canel é o primeiro, em quase 60 anos, que não leva o sobrenome Castro e que não participou da Revolução Cubana, liderada por Fidel Castro e que pôs fim ao governo de Fulgêncio Batista em 1959.
A transferência de poder, adiada de 20 de fevereiro para 19 de abril – por causa dos danos do furacão Irma –, ocorre em um cenário adverso para o governo. As relações com os EUA regrediram com Donald Trump, o envio de petróleo subvencionado pela Venezuela caiu pela metade e reduziu drasticamente a entrada de divisas com a venda de serviços a Caracas, e os cubanos sofrem com uma nova onda de escassez e inflação em alta.
O provável próximo presidente já declarou que a sua administração será mais interativa e participativa, reforçando os vínculos com a população. Mas ele defende a continuidade do sistema de partido único e a centralização da economia. Tido como discreto e “bom ouvinte”, que gosta de circular entre o povo, Miguel Díaz-Canel é engenheiro eletrônico, funcionário do PCC desde sua juventude, professor universitário e em 1994 tornou-se primeiro secretário do partido em sua província natal, Vila Clara. Foi Ministro da Educação de 2009 a 2012 e é vice-presidente do Conselho de Estado e de Ministros desde 2013, o que o coloca como o primeiro na linha sucessória.
Díaz-Canel nasceu em 1960, um ano depois da Revolução Cubana, e não é militar. Não estava envolvido no movimento mais decisivo para a história do país, o que pode levantar questionamentos acerca de seu compromisso com os “ideais da revolução”. É importante lembrar que a base de Raúl Castro é formada por políticos associados aos militares e, em 2009, ele promoveu uma mudança de gabinete que trouxe ainda mais generais ao centro do poder.
“Por ser o primeiro ‘não Castro’ em 60 anos, a expectativa é grande. Mesmo que gradual, a chamada atualização do modelo socialista cubano tem que ter resultados práticos, gerar crescimento e renda para a população, porque o poder de consumo em Cuba é muito baixo. Se ele falhar nesse aspecto, pode gerar uma crise política”, opina Luis Fernando Ayerbe, professor de História e Relações Internacionais da Unesp e autor dos livros “A Revolução Cubana” e “Integração Latino Americana e Caribenha”, entre outros.
Apesar de mais simpático a algumas reformas, Canel declarou recentemente que o presidente de Cuba deveria sempre defender a revolução e que controles rígidos na política do país são necessários. Uma certeza é que o PCC terá grande influência no processo de transição, bem como a relação de Díaz-Canel com os membros mais históricos que ainda estarão na liderança de algumas áreas do partido. “O mais provável é que Raúl Castro, que continuará no comando do PCC, mantenha uma influência grande nos primeiros anos, até que haja a ascensão das lideranças mais jovens na estrutura do partido”, opina a professora de Relações Internacionais da ESPM, Denilde Holzhacker.
Raúl Castro, que deixará o comando do Conselho de Estado (Poder Executivo do país), continuará como deputado na Assembleia Nacional e Primeiro Secretário do PCC, posição de maior influência política do país e que aponta para um processo de transição “controlado”. Para guiar seu sucessor, ele já providenciou um documento com várias diretrizes, aprovadas pelo partido e pela Assembleia Nacional, que estabelecem os objetivos políticos e econômicos que devem ser atingidos até 2030, para consolidar o regime e dar continuidade à atualização do modelo econômico. Mas, mesmo mantendo certo poder, não será nada comparável à influência que exercia seu irmão Fidel. A liderança do país, a partir de agora, tende a ser menos personalizada e as decisões, mais colegiadas, dentro do partido e do governo.
Decisões colegiadas não significam democracia. A militância nas organizações de massa e o alinhamento com o Partido Comunista Cubano (PCC) são condições para participar da vida política de Cuba e conseguir uma vaga numa das instâncias de poder. A instância inferior sempre indica 50% dos candidatos para a instância imediatamente superior, desde o nível municipal até o nacional. Os outros 50% são indicados por órgãos eleitorais da própria instância superior, formada por militantes das organizações de massa. O pleito é mais uma “confirmação” do que uma eleição, já que a população não escolhe entre vários postulantes. O número de candidatos é igual ao de postos a serem preenchidos. Todos os 605 candidatos à assembleia nacional obtiveram mais de 50% dos votos válidos, portanto foram eleitos para as 605 vagas. O PCC é o único partido político reconhecido pelo regime, não há propaganda política ou horário eleitoral gratuito e também não há possibilidade legal de fazer oposição ao sistema. Opositores podem ser presos e excluídos da vida política.
A atualização do modelo econômico
Quando seu irmão Fidel Castro (1926-2016), líder da revolução socialista e comandante do país desde 1959, ficou doente e afastou-se da vida pública, em 2006, Raúl assumiu e começou a implantar algumas mudanças no governo. Como escreveu a jornalista cubana Yoani Sánchez em artigo em fevereiro, “durante os dez anos que Raúl governou, ele realizou mais reuniões do Conselho de Ministros e convocou mais sessões plenárias do Comitê Central do PCC do que todas realizadas em meio século”. Ele também aprovou uma nova lei migratória que facilitou as viagens ao exterior, autorizou a compra de telefones celulares e computadores e permitiu que os cubanos se hospedassem em hotéis, até então eram reservados aos turistas. “Raúl iniciou uma ‘atualização’ do modelo econômico, com pequenas reformas como diminuição de número de funcionários públicos, abertura ao capital estrangeiro e permissão de abertura de negócios próprios por cubanos, tudo inspirado no modelo chinês. São reformas econômicas, mas que não visam mudar o sistema político”, explica Ayerbe.
Apesar das reformas, o Estado ainda monopoliza a maioria das atividades e a economia continua estagnada e improdutiva. O acesso à internet ainda é caro, lento e limitado a algumas áreas turísticas, e as licenças para abertura de novos negócios próprios foram suspensas em agosto de 2017. Uma grande parte da renda dos cubanos vem de remessas vindas do exterior, de parentes ou amigos que moram em outros países da América Latina, na Espanha e nos EUA.
Os cubanos, principalmente os jovens, estão desolados com a falta de oportunidades econômicas e o forte controle estatal de praticamente todos os aspectos da vida na ilha. “O governo tem recuado em algumas de suas políticas de abertura porque o crescimento das empresas privadas e da indústria do turismo criou uma desigualdade econômica que levou a tensões. Enquanto o salário médio mensal de um funcionário público é de US$ 30, quem fornece acomodação para turistas pode ganhar isso facilmente em uma ou duas noites”, afirma Antonio Quintanilla, consultor no Núcleo de Análise Política da Prospectiva Consultoria.
Para a professora Denilde Holzhacker, as incertezas são muitas: “processos como esse são sempre imprevisíveis, mesmo que Díaz-Canel tenha sido cuidadosamente escolhido e preparado para a transição. Não sabemos como as lideranças históricas vão aceitar essa sucessão, e qual a capacidade dele de se firmar como a principal figura no poder”. Para Quintanilla, “será fascinante ver como Canel conseguirá se estabelecer como um líder legítimo, já que ele está sucedendo os icônicos irmãos Castro seis décadas depois da revolução. Esse será seu maior desafio”.