Farc: dos 7.000 combatentes que depuseram as armas em 2017, de 3.000 a 5.000 ainda estão reunidos em 24 pontos (Mario Tama/Getty Images)
AFP
Publicado em 14 de junho de 2018 às 20h14.
Última atualização em 14 de junho de 2018 às 20h14.
Faltam poucos dias para o segundo turno das eleições presidenciais de domingo, que podem complicar o futuro dos líderes da desmobilizada guerrilha das Farc na Colômbia, e um punhado de ex-combatentes se apressa em demarcar um campo de futebol com pedaços de madeira cortados a golpes de facão.
São parte dos 320 ex-combatentes e familiares que quiseram permanecer juntos nas montanhas de Icononzo, no departamento (estado) de Tolima (centro), depois da assinatura do acordo que lhes devolveu a paz após um longo conflito armado.
Com 20 anos, Giancarlos Morales esfrega as mãos. Em alguns momentos, estará cabeceando a bola no descampado de terra batida que serve de campo e pela primeira vez assistirá a uma Copa do Mundo sem o medo de ser despedaçado por uma bomba.
Há quatro anos, lembra, ouviu pela rádio, escondido na mata, os gols de James Rodríguez pela seleção colombiana na Copa do Brasil.
"O pior são os bombardeios. Você nunca sabe de onde vão chegar, você deita na trincheira que cavou e espera que não caiam sobre você", conta, ofegante.
Giancarlos está habilitado a votar no domingo, mas não está tão entusiasmado quanto com o futebol, mesmo porque o pacto de paz pode ser modificado pelo direitista Iván Duque, favorito nas pesquisas e afilhado político do ex-presidente conservador Álvaro Uribe.
Duque quer que os ex-comandantes insurgentes envolvidos em crimes hediondos cumpram pena e não possam ser eleitos ao Congresso, enquanto promete manter os planos de reinserção social e econômica destinados às bases rebeldes.
Seu adversário, o ex-guerrilheiro Gustavo Petro, sem vínculo com os rebeldes comunistas, propõe honrar os compromissos de paz firmados em 2016 e levar adiante reformas muito menos drásticas do que as que as Farc pretenderam impor em meio século de sua luta fracassada pelo poder.
Giancarlos acredita que Petro poderia ajudar os pobres, mas o desencanto se sente em sua conversa com a AFP. "De qualquer maneira, não acho que nenhum dos dois se interesse em nós".
Em Icononzo, Duque venceu o primeiro turno presidencial com 43% dos votos contra 33% para Petro.
Berço das dissolvidas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), Tolima virou cenário de testes para os ex-guerrilheiros que buscam uma vida nova.
No chamado território de capacitação e reincorporação Antonio Nariño, Giancarlos vive com a esposa e um bebê de 13 meses em uma casa pré-fabricada. Há um gerador elétrico e uma bomba de água para todo o acampamento.
Alguns ex-combatentes passam os dias entre o plantio de feijão e vagem, e outros no trabalho de adequação. O tédio e o sedentarismo levam ao sobrepeso.
Dos 7.000 combatentes que depuseram as armas em 2017, de 3.000 a 5.000 ainda estão reunidos em 24 pontos similares, segundo o governo. Os demais optaram por seguir suas vidas individualmente.
"Passado ano e meio da assinatura do acordo de paz, não houve o primeiro projeto produtivo que esteja funcionando neste espaço, nem em outros", queixa-se Jhonier Montaño, professor de matemática de 34 anos que lutou com as Farc durante 17.
Agora, ele coordena três projetos para fazer funcionar as cooperativas dedicadas à agricultura, o turismo e têxteis, que representam o futuro dos ex-guerrilheiros.
O comissário presidencial de paz Rodrigo Rivera admitiu à imprensa que a reincorporação tem sido um "processo longo e dispendioso", a ponto que o Estado ainda envia comida aos ex-guerrilheiros agrupados porque os projetos de auto-abastecimento não decolam.
À frustração se soma uma ameaça maior.
Desde que o acordo de paz foi assinado até maio passado 40 ex-combatentes tinham sido assassinados. Por trás das mortes e das ameaças estão os dissidentes que se marginalizaram do processo de paz e os narcotraficantes do Clã do Golfo, segundo a Justiça.
"Em outras regiões mataram os ex-guerrilheiros que fogem de zonas de mata e às vezes inclusive dentro. Melhor ficar aqui, em segurança, onde pelo menos temos um sitiozinho", diz Giancarlos.
Sua esposa, Blanca Isabel acrescenta outro temor à lista de preocupações. "Se de repente entra (vence) Duque", se acabam os 700.000 pesos (241 dólares).
Entre os compromissos assumidos pelo governo, cada guerrilheiro receberá por dois anos este rendimento mensal e por uma só vez oito milhões de pesos (2.800 dólares) para empreender um plano produtivo.
O acordo pelo qual as Farc trocaram as armas por político prevê verdade e reparação para as vítimas do conflito. Os ex-guerrilheiros que cumprirem isto poderão receber penas alternativas à prisão, o ponto que precisamente o candidato da direita promete reformar.
Mesmo com a ameaça que pesa sobre os ex-comandantes, os ex-guerrilheiros rasos descartam por completo a volta à luta. "As armas para nós não são, nem serão o caminho", repete Montaño, como se entoasse um mantra.
Apesar do descalabro nas legislativas de março, que o partido Força Alternativa Revolucionária do Comum obteve apenas 0,5% dos votos, a política continua sendo um objetivo.
"Dentro da luta política está a luta eleitoral. Há muitos casos na América Latina, como El Salvador, ou Nicarágua, onde os ex-guerrilheiros chegaram ao poder através das urnas", declara Laura Vega, membro do comitê eleitoral de reincorporação de Icononzo.