Dilma terá que ganhar autonomia para ter um governo forte sem a presença de Lula (José Cruz/AGÊNCIA BRASIL)
Da Redação
Publicado em 31 de outubro de 2010 às 20h49.
A presidente eleita Dilma Rousseff (PT) terá como um dos maiores desafios, a partir do dia 1º de janeiro, quando toma posse como a primeira mulher a dirigir o Brasil, a composição de um governo de coalizão capaz de aplacar o apetite por cargos, tanto do PT como do PMDB, avalia o cientista político e pesquisador da PUC e FGV de São Paulo, Marco Antônio Carvalho Teixeira.
"Talvez o desafio maior de Dilma, logo que tomar posse no Palácio do Planalto, seja de certa forma ganhar autonomia e formar um governo sem a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ela deve passar a mensagem de que quem está sendo eleita para governar é ela, e não o presidente Lula", destaca Carvalho Teixeira. No seu entender, ela terá de compor um governo com os aliados, mas não passar a imagem de fisiologismo.
Para o cientista político da PUC e FGV, a nova presidente terá de ter ainda jogo de cintura para escolher pessoas que sejam indicadas pelos aliados e, ao mesmo tempo, preparadas para assumir algumas pastas, inclusive, com perfis técnicos. "Outro desafio da candidata será conseguir formar uma maioria sólida no Congresso Nacional, para que possa governar sem maiores problemas."
Na seara econômica, apesar do bom desempenho da economia brasileira, Dilma deve manter as bases para um crescimento sustentável em todas as regiões do Brasil e que possibilite a distribuição de riquezas. "A reforma da previdência é agenda para o primeiro ano de governo, pois estamos caminhando para um cenário insustentável que deve ser enfrentado rapidamente. A reforma tributária também é medida a ser adotada no primeiro ano " destaca Carvalho Teixeira. Para o especialista em pesquisa eleitoral Sidney Kuntz, Dilma não deverá fugir da necessidade de adotar 'medidas amargas', como na área da Previdência Social.
Crescimento
Para que Dilma Rousseff assegure a continuidade do crescimento sustentado nos próximos anos, especialistas como o ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola, o sócio da MB Associado e ex-secretário de política econômica do Ministério da Fazenda José Roberto Mendonça de Barros, e o professor do Departamento Econômico da PUC-SP Antonio Corrêa de Lacerda, acreditam que ela enfrentará uma série de desafios, que vão desde a ampliação da poupança doméstica e do setor público, passando pela melhora da qualidade dos gastos públicos, reformas estruturais, como a tributária e a previdenciária, até a mudança na política cambial e no regime de metas de inflação.
Para Mendonça de Barros, a agenda básica exige o aumento da poupança doméstica e da taxa de poupança do setor público que hoje está no vermelho. "A China cresce 10% ao ano porque investe 40% do seu Produto Interno Bruto (PIB) sem depender de financiamentos externos", diz, ponderando que, no Brasil, tem crescido transferências e gastos, com a manutenção da máquina pública. "O que sobra para investimentos é muito pouco, apesar da elevada carga tributária", critica. Mendonça de Barros também destaca a importância da segurança jurídica e regulatória. "Os investidores têm que ter, no mínimo, segurança de que os contratos não sofram alterações", defende.
Lacerda enumera vários desafios a serem vencidos por Dilma Rousseff. "Alguns são históricos, mas se tivesse que hierarquizar um, colocaria o câmbio como prioritário", ressalta. Para ele, o real se valorizou muito ao longo do tempo e o efeito dessa valorização é o déficit em conta corrente. "O que me preocupa é a postura do governo Lula em empurrar o problema para frente, confiante nas reservas internacionais", diz.
"O déficit em conta corrente está se deteriorando muito rápido. Deve chegar a US$ 50 bilhões neste ano e pode aumentar muito mais no ano que vem", prevê Lacerda, acrescentando que para resolver essa situação, o novo governo terá que mexer no câmbio e nos juros, "os dois irmãos siameses". Ele lembra a frase do economista Mário Henrique Simonsen, falecido em 1997, que costumava dizer que "a inflação aleija e o câmbio mata". O câmbio, na avaliação de Lacerda, é pior porque, numa crise, se houver escassez de dólares trava a economia. Segundo ele, se a situação atual for mantida, o Brasil poderá passar pelo processo de desindustrialização.
Lacerda diz que quando propõe mudança no câmbio não pensa em intervenção direta no sistema de câmbio flutuante, mas na mudança do regime de metas de inflação e na redução da taxa de juros. "No campo dos juros, teria que aperfeiçoar o sistema de metas", afirma, acrescentando que hoje a certeza do especulador é que o câmbio vai cair à medida que o juro sobe. "Alguns economistas mais ortodoxos defendem que só mexer na área fiscal já resolveria. Sou contrário aos que acreditam nisso e não sou contra o câmbio flutuante, mas tem que ter uma liberdade vigiada."
Para Loyola, a palavra-chave da administração da petista será crescimento. E o Brasil, segundo ele, tem tido um desempenho muito bom, acima da média dos anos 80 e metade dos 90. "Mas já tivemos a experiência de períodos de crescimento seguidos por outros de estagnação como nos anos 70, que foram gerados por heranças malditas que também levaram ao aumento da dívida", lembra. O importante, para ele, é não perder de vista os esforços que trouxeram o País onde está hoje. Entre as preocupações de Loyola, está "a falta de percepção" da administração Lula. "O risco é o retrocesso. Estou vendo muita gente querendo reviver os anos do governo Geisel (1974-79), sugerindo criação de estatais e a retomada do processo que levou à quebra do País. O desafio é retomar o rumo certo e isso implica em criar as condições de investimentos em infraestrutura e melhorar a estrutura fiscal."
A educação e a qualificação profissional é outro ponto destacado por Mendonça de Barros. "Gasta-se muito no Brasil com educação, mas não é suficiente. O País nem começa a crescer e não tem mão-de-obra qualificada. Admira-se muito o crescimento chinês, mas a China produz mais mão de obra qualificada do que pode empregar", diz. A questão tributária é outro desafio, segundo ele. "Arrecada-se muito e entrega-se pouco. E algo relevante e pouco lembrado é que o custo para as empresas é muito elevado. Enfim, o desafio do governo Dilma é gerar a certeza de que os ganhos acumulados nos últimos anos sejam garantidos e que aumentem", afirma Mendonça de Barros.