Jorge Mario Bergoglio: enquanto alguns argentinos destacam à ajuda do novo papa aos colegas torturados pela ditadura, outros o responsabilizam pela prisão e tortura de jesuítas (GettyImages)
Da Redação
Publicado em 15 de março de 2013 às 09h56.
Buenos Aires – Para os moradores da favela Villa 31, no centro de Buenos Aires, Mario Jorge Bergoglio é austero e humilde – um homem talhado para ser o papa dos pobres. Ele é comparado ao padre Carlos Mujica, que trabalhava nos bairros mais carentes da capital argentina e foi metralhado pela repressão na década de 1970. Seu corpo foi enterrado na Capela Cristo Operário, que ele inaugurou na Villa 31.
“Eu me lembro do dia em que trouxeram o corpo do padre Mujica, do Cemitério da Recoleta, para ser enterrado aqui. Levamos o caixão por estas ruas e conosco estava Bergoglio, que rezou missa por ele”, contou, em entrevista à Agência Brasil, Saul Sanchez, padeiro da favela.
“Mujica e Bergoglio são parecidos – os dois são o que chamamos de curas villeros (padres favelados). Quando ainda era arcebispo de Buenos Aires, Bergoglio vinha aqui e tomava mate conosco. Nos visitava pelo menos duas vezes ao ano”.
Na Argentina, as opiniões sobre Bergoglio são divididas. Pesa sobre ele a suspeita de que foi conivente com a última ditadura (1976-1983), responsável pela morte ou o desaparecimento de cerca de 30 mil opositores. A denúncia foi feita pelo jornalista Horacio Verbitsky, no livro O Silêncio, sobre o papel da Igreja Católica no regime militar.
Presidente do Centro de Estudos Legais e Sociais (Cels) – uma organização não governamental (ONG) de defesa dos direitos humanos –, Verbitsky ouviu os jesuítas Orlando Yorio e Francisco Jalics. Os dois foram sequestrados em 1976 e levados a um centro de tortura clandestino, que funcionava dentro da Escola Mecânica da Armada – a temida Esma.
As denúncias são de que muitos dos torturados na Esma acabaram sendo jogados vivos, de aviões, no Rio da Prata – nos chamados voos da morte. Os dois sacerdotes foram soltos depois de cinco meses e Yorio acusou Bergoglio de ser o responsável pela prisão e tortura que ambos sofreram.
Yorio morreu de ataque cardíaco há 13 anos, mas seus parentes continuaram investigando o passado. A pedido deles, Bergoglio foi chamado para prestar depoimento no julgamento dos responsáveis pelos crimes cometidos na Esma.
Ao saber que o arcebispo de Buenos Aires tinha sido eleito papa, Graciela, a irmã de Yorio, reagiu: “Não posso acreditar. Estou tão angustiada, com tanta raiva, que não sei o que fazer”. O desabafo, foi enviado a Verbitsky e reproduzido por ele em sua coluna no jornal Página 12.
“O mundo hoje fala do papa Francisco como o altruísta, que está do lado dos mais necessitados. Não conhece a verdadeira cara dele - é um homem que fingiu não ver os horrores da ditadura e que se calou para não se comprometer. Este é o papa que temos”, disse Estela de la Cuadra, em entrevista à Agência Brasil. Estela é irmã de Elena, sequestrada quando estava grávida de cinco meses.
Testemunhas que viram Elena no centro de tortura contaram que ela deu à luz uma menina, Ana, que, como os pais, desapareceu sem deixar rastro.
“Meu pai pediu ajuda, pessoalmente, a Bergoglio. Queria recuperar a neta. E o que foi que ele fez? Deu um bilhete ao meu pai, recomendando-o a outro sacerdote, que nada fez”, disse Elena. Ela acusa o papa Francisco de omissão. Bergoglio tambem foi convocado como testemunha no julgamento dos responsáveis pelo roubo de bebês durante a ditadura.
Quando ele foi eleito papa, as Avós da Praça de Maio publicaram, em sua página na internet, a transcrição do que foi dito no tribunal.
Quando o promotor perguntou se sabia que os militares estavam roubando os filhos dos desaparecidos, ele respondeu que só tomou conhecimento nos anos 1990 – mais de uma década depois do fim da ditadura.
“Como é que ele diz que só ouviu falar na década de 1990? O mundo ficou sabendo antes. E ele ocupava um cargo alto na Igreja – não tinha como não saber”, disse Estela.
Bergoglio, no entanto, nega as acusações e lembra que, inclusive, ajudou alguns sacerdotes a escapar das garras da ditadura. Ele foi defendido pelo Prêmio Nobel da Paz, o argentino Adolfo Esquivel. Segundo Esquivel, muitos sacerdotes foram realmente cúmplices do regime militar – mas Bergoglio não.