Europa: Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia incluirá aborto como direito. (Yves Herman/Reuters)
Editor de Macroeconomia
Publicado em 6 de março de 2025 às 18h47.
"A maior consequência econômica da eleição de Donald Trump pode não ser uma guerra comercial global, nem um renascimento da "cinturão da ferrugem" dos EUA, tampouco um colapso financeiro na China. Pode ser uma transformação da política e da gestão econômica na Europa". É assim que Anatole Kaletsky, fundador e economista-chefe da Gavekal, resume os efeitos da nova gestão da Casa Branca para a economia europeia, que há anos amarga uma estagnação.
Em uma reviravolta política pouco concebível há poucos anos, partidos de centro do Velho Continente defendem gastos recordes em defesa para se alinharem com Washington. Por sua vez, as siglas de esquerda e direita, tradicionalmente consideradas extremistas, se opõem ao rearmamento. É uma guinada que vem sendo resumida como a mudança de Welfare State (o estado de bem-estar social que marcou a Europa nas últimas décadas) para Warfare State (estado voltado para a guerra).
Do ponto de vista político, pode ser um risco para os partidos de centro. "Uma possibilidade única, que nenhum dos partidos centristas parece ter considerado, é que eles serão desacreditados se suas preparações para o Armagedom se revelarem desnecessárias, mas extremamente caras para os contribuintes e destrutivas para os serviços públicos populares", diz Kaletsky em relatório.
"Enquanto isso, partidos 'extremos' tanto da esquerda quanto da direita terão a oportunidade, ao se oporem ao rearmamento, de se apresentarem como razoáveis defensores dos contribuintes e do estado de bem-estar social", prossegue Kaletsky.
A mudança pode ter um impacto macroeconômico significativo, especialmente na Alemanha. Nesta semana, os partidos alemães concordaram em amenizar as regras para controle fiscal para investir na área militar, além de criar um fundo de 500 bilhões de euros para investir em infraestrutura.
Desde 2009, a Alemanha segue um rígido freio constitucional da dívida, que limita déficits a 0,35% do PIB ajustado ciclicamente. Em entrevista à EXAME para uma série de reportagens para a recente eleição alemã, diversos empresários locais afirmaram esperar que o novo governo constituído fizesse mudanças de impacto na economia, que se vê numa encruzilhada com energia mais cara após o conflito entre Rússia e Ucrânia, menor apoio dos EUA e competição acirrada de produtos chineses.
Nos últimos anos, a maior economia da Europa mergulhou em recessão nos últimos dois anos, segundo o FMI. Para 2025, o Fundo estima alta modesta, de 0,3%.
"Agora é quase certo que, para criar mais espaço fiscal para novos gastos com defesa, a Alemanha terá déficits substancialmente maiores do que os 0,35% do PIB "ajustados ciclicamente" exigidos pelo freio da dívida", aponta Kaletsky.
Para a Gavekal, a direção da economia é agora "inconfundível". "E ela está indo para longe dos dogmas do orçamento equilibrado", diz o relatório. "Uma vez que o precedente seja estabelecido para mais flexibilidade fiscal a fim de permitir gastos emergenciais com defesa, as pressões políticas se tornarão muito fortes para aplicar lógica semelhante a mudanças climáticas, infraestrutura e outros desafios 'existenciais'."
Em suma, anota a Gavekal, se a Alemanha começar a revisar seus dogmas fiscais, a Comissão Europeia "certamente seguirá com interpretações mais flexíveis das regras fiscais da UE".
A mudança pode ser positiva para os mercados. Um relaxamento das restrições fiscais pode reduzir a necessidade de juros artificialmente baixos para sustentar a economia. Caso a Europa abandone políticas fiscais contracionistas, o euro e ativos europeus, especialmente do setor financeiro, podem se valorizar, avalia a casa de análise.
"Um retorno às taxas de juros reais positivas na Europa seria otimista para o euro, para as ações europeias, especialmente no setor financeiro, e para a alocação de capital de forma geral. Embora os mercados já estejam se movendo nessa direção com esperanças de algum alívio fiscal, as avaliações atuais apenas refletem uma modesta probabilidade desse cenário", diz o relatório. "Se isso realmente se concretizar, haverá muito potencial de valorização para o euro e muitos ativos europeus."
Segundo a Gavekal, a política fiscal do Reino Unido tem sido ainda mais prejudicial e pró-cíclica, pelo menos na última década, agravada pela "tentação, que os políticos britânicos acham irresistível, de cortar impostos e expandir os gastos públicos sempre que a economia entra em expansão".
No país, uma nova pressão fiscal seria transformada e, segundo a casa de análise, "otimista". "No Reino Unido, assim como na Alemanha, os gastos adicionais com defesa tornarão as metas fiscais do governo inatingíveis. No entanto, a resposta inicial do primeiro-ministro Keir Starmer foi insistir no compromisso com as regras fiscais 'não negociáveis'", escreve Kaletsky.
No entanto, nos próximos 12 meses, essas "obsessões fiscais" de Starmer serão tão economicamente insustentáveis e politicamente suicidas que uma mudança de política se tornará inevitável, aponta a Gavekal.
"Aconteceu em 1992, quando John Major abandonou o mecanismo de taxa de câmbio europeu, em 1967, quando Harold Wilson desvalorizou a libra, ou em 1931, quando o Reino Unido abandonou o padrão-ouro", diz o relatório.
Para o economista-chefe, a política econômica insustentável do governo, quando finalmente acontecer, será otimista para a economia e os ativos britânicos.
"Mas, antes de melhorar as condições econômicas no Reino Unido, o novo militarismo terá que forçar a mudança de política que já teve início na Alemanha", diz o texto.