Michael Jackson: artista entrou na corrida pelo Nobel da Paz em 1998, indicado por parlamentares da Romenia (Jim Ruyman-Pool/Getty Images)
AFP
Publicado em 4 de outubro de 2019 às 21h32.
São Paulo — Apresentado como "o príncipe de Paz na Terra", Adolf Hitler foi proposto para o Nobel da Paz há 80 anos, pouco antes do início da Segunda Guerra Mundial, uma amostra de como é fácil fazer uma indicação ao prêmio mais prestigioso do mundo.
Do Führer até o astro pop Michael Jackson, em quase 120 anos de existência o Nobel da Paz tem tido sua cota de candidaturas pouco prováveis, exageradas ou claramente absurdas.
Em janeiro de 1939, o social-democrata sueco Erik Brandt sugeriu ao Comitê Nobel norueguês que concedesse o prêmio a Hitler, alegando seu "ardente amor pela paz", sendo que a Alemanha nazista acabara de anexar a Áustria e invadir regiões da então Checoslováquia conhecidas como Sudetos.
A carta de Brandt provocou um escândalo na Suécia, onde muitos não perceberam o sarcasmo. Brandt explicou que queria protestar contra a nomeação do primeiro-ministro britânico Neville Chamberlain, artífice dos acordos de Munique de 1938, pelos quais a Checoslováquia foi cedida em parte aos alemães.
A proposta finalmente foi retirada, mas Hitler permanece no registro de candidatos ao Nobel.
Essa história "mostra o quão perigoso pode ser usar a ironia em um ambiente político acalorado", declarou o historiador Asle Sveen.
O caso também ilustra a facilidade com que uma pessoa ou organização, quaisquer que sejam seus méritos, pode competir pelo prêmio.
O Comitê Nobel aceita todas as propostas.
As únicas condições são que as propostas sejam enviadas antes da data-limite de 31 de janeiro e que provenham de uma das milhares de pessoas com direito a fazê-lo, como parlamentares e ministros de todos os países, ex-contemplados, certos professores universitários ou membros atuais ou passados do Comitê Nobel.
"Há tantas pessoas que têm direito a propor um nome que não é difícil ser indicado", disse o influente secretário do comitê, Olav Njolstad.
Em 1935, Benito Mussolini foi proposto - então, sem ironias - por acadêmicos alemães e franceses meses antes de a Itália invadir a Etiópia.
Josef Stalin, um dos vencedores da Segunda Guerra Mundial, também foi proposto em duas ocasiões, em 1945 e 1948.
Uma vez recebidas as indicações, apenas um punhado delas passa à lista resumida que é examinada pelo comitê e seus assessores.
"Nem Hitler, nem Stalin, nem Mussolini foram considerados seriamente para o prêmio Nobel da Paz", disse o historiador Geir Lundestad, ex-secretário do comitê.
"O que mais me surpreende é que muitos ditadores de todo o mundo se abstiveram de ser nomeados", apontou.
Como o número de indicações explodiu nas últimas duas décadas, a ponto de superar os 300 aspirantes por ano atualmente, não surpreende que se verifiquem algumas surpresas.
"Uma ou duas" candidaturas se distinguem por seu lado louco "em intervalos regulares", disse Njolstad.
A lista de candidatos é mantida em sigilo durante pelo menos 50 anos, mas uma pessoa ou instituição que lança uma candidatura pode divulgar sua proposta.
Sendo assim, sabe-se que Michael Jackson entrou na corrida pelo Nobel da Paz em 1998.
"Os parlamentares romenos que propuseram Michael Jackson julgaram esta nomeação bastante séria, mas tampouco foi estudada pelo comitê", disse Lundestad.
O caráter insólito de uma candidatura depende da visão e dos tempos, e os méritos de um indivíduo podem desaparecer com o tempo.
No entanto, algumas candidaturas provocam reações de surpresa, como a do sérvio Slobodan Milosevic, mais tarde julgado por genocídio, ou da Federação Internacional de Associações de Futebol (Fifa), proposta em 2001.
A bola de futebol "permitiu estabelecer boas relações entre os povos", argumentou então o deputado sueco por trás dessa candidatura.
Não foi precisamente uma ideia nova, já que o francês Jules Rimet, considerado o "pai" da Copa do Mundo de Futebol, também tinha sido proposto em 1956, lembrou o jornalista Antoine Jacob, autor de "Histoire du Prix Nobel" (História do Prêmio Nobel).
"Os nomes de artistas aparecem regularmente, mas é uma tendência mais recente", disse Njolstad.
Seu antecessor, Lundestad, já tinha mencionado em 2001 a ideia de que estrelas pop envolvidas em grandes causas - como Bob Geldof, Bono e Sting - poderiam algum dia ser premiadas.
Entre as indicações conhecidas este ano para o Nobel, que será anunciado em 11 de outubro, estão duas figuras públicas de pensamento antagônico: o presidente americano, Donald Trump, e a jovem sueca Greta Thunberg, representante da luta mundial contra as mudanças climáticas.
"É bastante fácil ser nomeado", disse Lundestad. "É muito mais difícil ganhar", acrescentou.