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Críticas de Brasil, EUA, Colômbia e UE abrem conflito diplomático entre Caracas e Brasília

Países questionam bloqueio da candidatura da opositora Corina Yoris para o pleito em 28 de julho; tensão com Brasil foi a primeira desde a posse de Lula, em 2023

Eleições na Venezuela: Maduro está buscando uma terceira reeleição consecutiva em 28 de julho, o que o levaria a 18 anos no poder (Gaby Oraa/Getty Images)

Eleições na Venezuela: Maduro está buscando uma terceira reeleição consecutiva em 28 de julho, o que o levaria a 18 anos no poder (Gaby Oraa/Getty Images)

Agência o Globo
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Agência de notícias

Publicado em 27 de março de 2024 às 08h22.

Um dia depois de a candidata opositora venezuelana Corina Yoris ter tido sua inscrição no registro do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) bloqueada tanto na internet como presencialmente, os governos de EUA, Brasil e Colômbia e a União Europeia (UE) questionaram a manobra do chavismo, pondo em xeque a credibilidade do processo eleitoral.

Yoris foi escolhida pela grande maioria dos dez partidos que formam a chamada Plataforma Unitária Democrática (PUD) como representante da oposição nas eleições presidenciais de 28 de julho. No caso do Brasil, o comunicado divulgado pelo Itamaraty foi a primeira expressão oficial crítica do país ao governo de Nicolás Maduro, que, como no caso da Colômbia, foi rebatida por uma nota contundente da Chancelaria da Venezuela.

A troca de comunicados abriu o primeiro conflito diplomático entre os dois países desde que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu seu terceiro mandato, em 2023. O comunicado venezuelano tenta poupar o chefe de Estado brasileiro, a quem agradece, no parágrafo final, “expressões de solidariedade” sobre os bloqueios e sanções impostas pelos EUA.

A Chancelaria venezuelana responsabiliza o Itamaraty pelo posicionamento do Brasil e se diz surpresa pelo fato de que o Ministério das Relações Exteriores brasileiro não esteja preocupado pelas “tentativas de magnicídio e desestabilização” supostamente ocorridas no país recentemente.

Embora não tenha questionado até agora a inabilitação de candidatos pelo Tribunal Supremo de Justiça, alinhado ao chavismo, o governo brasileiro, com o aval de Lula, reagiu às limitações adicionais impostas à oposição na reta final da inscrição de nomes para as presidenciais. Antes das manobras de segunda-feira, a líder opositora, María Corina Machado, que venceu as primárias da oposição de 2023 — e que, segundo pesquisas locais, tem cerca de 70% de intenções de voto, superando amplamente os 20% de Maduro — já fora inabilitada pela Justiça, assim como o ex-candidato Henrique Capriles.

“Com base nas informações disponíveis, [o governo brasileiro] observa que a candidata indicada pela Plataforma Unitária, força política de oposição, e sobre a qual não pairavam decisões judiciais, foi impedida de registrar-se, o que não é compatível com os acordos de Barbados”, diz o comunicado brasileiro.

Silêncio sobre repressão

O chamado Acordo de Barbados foi selado em novembro de 2023 entre o Palácio de Miraflores e parte da oposição, com aval, entre outros, do Brasil, com o governo Maduro se comprometendo a garantir eleições livres e competitivas em troca do levantamento de sanções.

O governo Lula tampouco se manifestou sobre os mais 200 presos políticos que, segundo ONGs de defesa dos direitos humanos, existem na Venezuela, ou sobre relatórios de missões da ONU que falam em abusos dos direitos humanos cometidas contra opositores. Mas, na nota de segunda-feira, o Itamaraty manifesta “preocupação” pelo processo eleitoral, o que provocou uma dura reação do governo Maduro.

No mesmo tom em que se expressou sobre as críticas lançadas por Bogotá aos impedimentos sofridos pela oposição na inscrição de candidaturas, a Chancelaria venezuelana afirmou que o comunicado brasileiro “parece ter sido ditado pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos”, com “profundo desconhecimento e ignorância sobre a realidade política na Venezuela”.

Consultada pelo GLOBO, uma fonte do governo venezuelano mostrou-se surpresa pela nota do Itamaraty, e lamentou que “o governo brasileiro não tenha se comunicado conosco antes de opinar. Achamos que foi precipitado”.

O governo venezuelano nega qualquer tipo de obstáculo aos candidatos da oposição e argumenta que os problemas existentes fazem parte das tensões entre os opositores, especialmente entre María Corina e outras lideranças. No entanto, quando são consultados sobre os motivos pelos quais Corina Yoris, escolhida por María Corina como sua substituta, não conseguiu se inscrever, enquanto outros 13 conseguiram, não apresentam uma resposta concreta.

Opositores sem apoio

O cenário eleitoral venezuelano é cada vez mais complexo e torna-se cada vez mais parecido com o de 2018, quando questionamentos da comunidade internacional levaram ao não reconhecimento da reeleição de Maduro por mais de 50 países. Segundo pesquisas, nenhum dos 13 candidatos opositores que conseguiram se inscrever no registro do CNE supera 3% das intenções de voto. O mais importante dos opositores, o governador do estado de Zulia, Manuel Rosales, ronda 1%. Rosales, que faz parte da PUD e cujo partido Um Novo Tempo se comprometera a apoiar Yoris, inscreveu-se nos últimos minutos do prazo na noite de segunda-feira, alegando que a oposição estava “a caminho de ficar de fora da corrida eleitoral”. María Corina falou em “traição”.

"A verdadeira oposição a Maduro não está inscrita e não apoia Rosales. Agora surgem muitas incógnitas, entre elas a viabilidade de que esta eleição seja considerada legítima", aponta o analista Oswaldo Ramírez Colina, diretor da ORC Consultores.

As pesquisas que sua empresa de consultoria realizou nos últimos tempos mostram dois elementos centrais para entender o panorama venezuelano: nove de cada dez eleitores que se dizem opositores apoiavam María Corina ou um candidato substituto da líder inabilitada, e 80% dos entrevistados defendem uma necessidade de mudança no país.

"A oposição real deverá decidir se continua apoiando o processo eleitoral ou sai dele. A mesma coisa deverá fazer a comunidade internacional", frisa Colina.

Até o dia 18 de abril, o CNE permite que candidatos possam ser substituídos sem necessidade de explicar as razões da troca. Os partidos têm, ainda, a possibilidade de modificar nomes até dez dias antes da eleição mas, neste caso, deve existir “um motivo de força maior”, por exemplo, uma morte ou problema grave de saúde. Ontem, o CNE concedeu uma prorrogação de 12 horas para as inscrições, e a opositora Mesa de Unidade Democrática (MUD) registrou Edmundo González, um dirigente pouco conhecido que, segundo analistas, poderia fazer parte de uma estratégia de mudança de candidatos nas próximas semanas.

"A jogada do governo é dividir a oposição e abalar o desejo de mudança de uma sociedade que, na grande maioria, quer a saída de Maduro", diz o analista Piero Trepiccione.

Nova Nicarágua

Para ele, “o governo venezuelano está dando uma guinada radical e caminhando para se tornar uma nova Nicarágua”.

"A diferença é que em nosso país existe alguma esperança, e essa esperança foi o motor da liderança de María Corina", frisa Trepiccione.

A ex-deputada uniu amplos setores, mas divide a oposição. Fontes opositoras admitiram que o nome de Yoris foi escolhido por María Corina sem consultar os partidos da PUD.

"O panorama é ruim para a oposição. Não houve apoio total a María Corina, e Rosales é um candidato fraco", diz Carlos Romero, da Universidade Central da Venezuela.

Hoje, conclui Colina, as eleições “não são democráticas, justas nem livres. A reversão deste processo dependerá das negociações entre opositores e da pressão internacional”.

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