Mar Vermelho: conflito impacta as cadeias de fornecimento (Amanda Mouawad/AFP Photo)
Repórter de Brasil e Economia
Publicado em 14 de fevereiro de 2024 às 12h04.
Os ataques dos rebeldes Huthis no Mar Vermelho e no Golfo de Áden, respondidos com bombardeios dos Estados Unidos e do Reino Unido, estão começando a ter impacto nos preços dos alimentos, dos bens de consumo e da energia na Europa, aponta relatório da S&P.
O Mar Vermelho e o Canal de Suez formam um importante corredor comercial que facilita o comércio entre grande parte da Ásia, do Médio Oriente e da Europa. Com o conflito, os navios optam por um caminho mais longo ao redor do extremo sul da África, pelo Cabo da Boa Esperança, ao invés de seguir a rota mais curta pelo Mar Vermelho e Canal de Suez. A demora e aumento do custo do transporte de produtos pode provocar escassez e alta dos preços.
Segundo dados de fevereiro da project44, plataforma que rastreia 1 bilhão de remessas no mundo, cerca de 401 navios tiveram que realizar uma rota alternativa por conta dos ataques no Mar Vermelho, causando atraso médio de 7 dias, com algumas embarcações enfrentando atrasos de até 60 dias. Em janeiro, foram 181 embarcações desviadas por conta do conflito.
O levantamento aponta ainda que alguns navios estão aumentando a velocidade das embarcações para diminuir os atrasos, mas que essa medida utilizará mais combustível, o que pode causar aumento nos preços dos transportes marítimos. A project44 estima que o conflito tem capacidade de causar perturbações significativas nas cadeias de abastecimento globais.
Na terça-feira, 13, a British Retail Consortium, associação de supermercados do Reino Unido, alertou para a escassez de algumas linhas de chá, uma das bebidas favoritas do país. O Reino Unido é o quinto maior importador de chá do mundo, com o Quénia e a Índia como os maiores parceiros desse produto, o que torna o comércio dependente da rota do Mar Vermelho.
Esse foi o primeiro produto alimentar com alerta de escassez por conta do conflito, depois que vendedores de tecido da Europa, que dependem fortemente da Ásia, alertarem que atrasos nas entregas estão impactando o setor.
De acordo com a S&P Global Commodity Insights, os fabricantes do Reino Unido foram os mais afetados pela crise no Mar Vermelho, com 12% dos entrevistados informando sobre atrasos nos prazos em janeiros. Os produtores gregos também registaram atrasos nas entregas, 9%, tal como os da França e da Alemanha, 8%.
O relatório aponta ainda que a alta pode ser vista principalmente nos preços do petróleo e do gás natural. O custo do frete para a rota Golfo Pérsico-Mediterrâneo atingiu o maior nível em quatro meses no início de fevereiro. O receio dos exportadores de petróleo é que o custo do seguro adicional para os navios que utilizam o Mar Vermelho aumente mais 1 dólar por barril.
A escalada do conflito causou volatilidade nos preços do petróleo bruto. Após chegar a US$ 78/barril no início do mês, o petróleo Brent chega a US$ 83. Em 2022, o Oriente Médio exportou 15,4 milhões de barris de petróleo diariamente.
Apesar do impacto neste momento ser limitado no comércio global, existe um receio de economistas sobre o impacto da crise no Mar Vermelho na inflação da Europa. Em janeiro, o indicador caiu para 2,8%, com queda acentuada de 6,3% nos preços da energia, e próximo da meta de 2%.
Com a escassez e aumento do preço por conta do frete, o receio é que a inflação suba, o que pode esfriar as esperanças sobre os cortes nas taxas de juro pelo Banco Central Europeu (BCE). Segundo o diretor global da Oxford Economics, Ben May, em entrevista ao Associated Press, os modelos econômicos apontam que o impacto pode ser de apenas 0,3% sobre a inflação do velho continente.
“Esta incerteza poderá, em última análise, levar os bancos centrais a adiar os cortes nas taxas para obterem mais informações sobre o impacto inflacionista", disse.
A guerra do Iêmen está no centro do conflito no Mar Vermelho. O país mais pobre da Península Arábica enfrenta desde 2014 uma guerra civil entre o governo, apoiado desde 2015 por uma coligação militar liderada pela Arábia Saudita, e os rebeldes Huthis, apoiados pelo Irã, que controlam partes inteiras do país e a sua capital Sanaa.
Segundo a ONU, o conflito deixou direta ou indiretamente centenas de milhares de mortos e causou uma das piores crises humanitárias do mundo. Uma trégua negociada pelo órgão internacional em abril de 2022 trouxe esperança pelo fim do conflito, mas as hostilidades decorrentes do conflito em Gaza estão inviabilizando os esforços de paz.
Em apoio aos palestinos, os Huthis lançaram ataques contra navios que consideram vinculados a Israel. Em resposta a estas ações com consequências significativas para o transporte marítimo global, os Estados Unidos e o Reino Unido realizaram numerosos bombardeios contra as posições dos rebeldes iemenitas.