Vladimir Putin: ao fazer uma anexação "express" da Crimeia, o presidente russo Vladimir Putin deixou os ocidentais pasmos (Alexander Demianchuk/Reuters)
Da Redação
Publicado em 21 de março de 2014 às 14h48.
Bruxelas - A crise ucraniana pode alterar a atual situação internacional, ao colocar em evidência a fragilidade da política da União Europeia (UE), a volta dos Estados Unidos ao cenário europeu e o peso geoestratégico de uma Rússia que se sente marginalizada há tempos, apontam analistas.
Ao fazer uma anexação "express" da Crimeia, o presidente russo Vladimir Putin deixou os ocidentais pasmos, segundo Thomas Gomart, diretor de desenvolvimento estratégico do Instituto Francês de Relações Internacionais (IFRI).
A UE adotou, em resposta, sanções contra várias personalidades russas e pró-rusas da Ucrânia, mas seus efeitos "não estão à altura dos desafios", afirmou ainda.
A UE é vítima de sua interdependência econômica e energética com a Rússia. Mais de um quarto de suas importações de gás dependem dela. Inúmeras empresas europeias investiram maciçamente na Rússia. O capital russo contribui em muito para a prosperidade da City de Londres.
Hoje, a UE paga por esta política complacente em relação a Moscou. Prometeu diversificar seus abastecimentos energéticos, mas é uma ambição a longo prazo.
O principal problema dos europeus é conseguir sancionar de maneira eficaz a Rússia sem debilitar uma economia europeia ainda convalescente.
"Será difícil, vai requerer tempo e custará dinheiro", explica Xavier Follebouckt, um especialista em Rússia da Universidade Católica de Lovaina.
Estados Unidos na primeira linha
Os Estados Unidos se situam na primeira linha para responder às preocupações expressadas pelos antigos países do ex-bloco soviético.
Washington, que começou a abandonar nos últimos anos o continente europeu em benefício da Ásia e do Pacífico, se vê obrigado a voltar. Deslocou vários caças-bombardeiros para Polônia e Lituânia. O vice-presidente Joe Bidden visitou esta semana Varsóvia e as três Repúblicas Bálticas (Estônia, Letônia e Lituânia), todos membros da UE e da Otan.
"Os Estados Unidos estão na primeira linha", explica Bertrand Badie, especialista em relações internacionais no Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences-Po).
É significativo que o presidente Barack Obama opte por anunciar sanções contra a Rússia quando os dirigentes europeus iniciavam uma cúpula de dois dias em Bruxelas a respeito da Crimeia.
Como nos tempos da Guerra Fria, Moscou escolheu sancionar primeiro os americanos. "Para Moscou, é claramente um embate com os Estados Unidos", opinou Gomart.
Os dirigentes ocidentais descartaram a opção militar diante da Rússia. Com a anexação da Crimeia, "Putin está testando até onde pode chegar", afirma Follebouckt.
Enquanto os orçamentos militares de inúmeros países membros da Otan se contraem, a Rússia anunciou um aumento de 44% de suas verbas de defesa em três anos.
A crise não está acabada
"Não estamos no final da crise", garante Follebouckt. Segundo ele, Putin não vai desistir de seu sonho de construir sua "União Euroasiática". O presidente russo nunca ocultou que, segundo ele, a desintegração da URSS foi "o maior desastre político do século passado".
A Rússia já assinou acordos alfandegários com Belarus, Cazaquistão e Armênia. "Mas sem a Ucrânia, tudo foi por água abaixo! Sem a Ucrânia, a Rússia se sente fragilizada", resumiu Follebouckt.
Solicitadas a integrar a União Euroasiática, Geórgia - cujo território está parcialmente ocupado por soldados russos desde 2008 - e Moldávia declinaram e preferiram assinar um acordo com a UE.
Putin defende seu projeto porque, se a Rússia continuar sendo o primeiro produtor mundial de petróleo e o segundo de gás natural, ficará confrontado com uma queda endêmica da natalidade e, com exceção dos hidrocarbonetos, tem uma economia frágil.
Moscou está excluída das duas grandes negociações comerciais em curso: a zona de livre comércio transatlântica entre Europa e Estados Unidos e o Acordo de Associação Transpacífico (TTP) entre a Ásia, com exceção da China, e América do Norte.
A China, que centra sua política estrangeira na defesa de sua integridade territorial, se absteve na votação do Conselho de Segurança da ONU para denunciar a ilegalidade do referendo da Crimeia.
Para Gomart, é um sinal do isolamento dos russos. Em longo prazo, "o cara a cara com a China será complicado" para Moscou, avaliou.
No entanto, também pode ser interpretado como um presente de Pequim, afirmou Badie, já que sua abstenção na votação sobre um tema tão sensível em sua política externa tem seu significado.
Mas, no embate com o Ocidente, a Rússia, membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, tem algumas cartas. Sem ir mais longe, sem Moscou não é possível contemplar qualquer solução para o conflito que acaba de entrar em seu quarto ano na Síria, alerta Follebouckt.