Guerra Fria: em 1990 os Estados Unidos tinham quase 22.000 ogivas nucleares (4.480 atualmente), e a Rússia, quase 30.000 (contra 7.000 atualmente (Sean Gallup/Getty Images)
AFP
Publicado em 14 de agosto de 2017 às 11h22.
A doutrina da dissuasão nuclear, que passa por um teste na atual crise entre Estados Unidos e Coreia do Norte, nasceu na Guerra Fria, quando as duas potências da época afirmavam que qualquer ataque teria represálias apocalípticas.
Em plena corrida armamentista, Washington e Moscou multiplicavam o número e a potência de suas ogivas nucleares, assim como a quantidade de vetores (mísseis, aviões, submarinos) para conseguir o que os especialistas chamam de "Destruição Mútua Assegurada" (MAD, na sigla em inglês).
De acordo com os números do Bulletin of the Atomic Scientists (BAS), em 1990 os Estados Unidos tinham quase 22.000 ogivas nucleares (4.480 atualmente), e a Rússia, quase 30.000 (contra 7.000 atualmente, incluindo as que devem ser desmanteladas).
A quantidade poderia provocar a destruição completa, por diversas vezes, dos dois países.
O pesquisador Bruno Tertrais, da Fundação para a Pesquisa Estratégica (FRS), afirma que "a arma nuclear, inventada há quase 70 anos, se tornou eficaz como instrumento de prevenção da guerra, porque não aconteceu conflito entre grandes potências desde então".
"Nunca ocorreu um conflito aberto entre Estados nucleares, e nenhum país com a arma nuclear foi invadido", destaca.
"Além disso, nenhum país protegido pelo guarda-chuva nuclear foi alvo de um grande ataque militar", escreveu o analista em um relatório.
Já os críticos da dissuasão nuclear não consideram estes argumentos válidos.
Eles afirmam que esta é uma tese que não pode ser demonstrada e que a paz entre as grandes potências nos últimos 70 anos se deve mais à influência das instituições internacionais, aos intercâmbios mundiais e à interdependência das economias.
Nas últimas sete décadas, a doutrina de dissuasão nuclear passou por dois momentos críticos: a "crise dos mísseis" em Cuba em 1962 e, 40 anos mais tarde, o confronto entre Índia e Paquistão em 2002.
Em outubro de 1962, em plena Guerra Fria, fotos tiradas por um avião americano revelaram a presença em Cuba, aliado de Moscou, de rampas de lançamento preparadas para receber mísseis.
O presidente John Kennedy ordenou o bloqueio marítimo da ilha, e as forças estratégicas dos Estados Unidos ficaram em alerta máximo - o nível anterior ao que detonaria uma guerra nuclear.
No final, os navios soviéticos que transportavam os mísseis nucleares retornaram, e as duas potências chegaram a um acordo: a retirada de mísseis da então URSS contra a retirada, em sigilo, de mísseis americanos da Turquia. Washington prometeu não invadir Cuba.
Em maio de 2002, Índia e Paquistão, que disputam a província da Caxemira desde sua divisão em 1947, ficaram novamente à beira do confronto.
Os dois países multiplicam os testes de mísseis, mas, sob pressão dos Estados Unidos, iniciam uma desescalada que termina em um cessar-fogo em novembro de 2003 e, mais tarde, em um processo de diálogo em janeiro de 2004.
Para o especialista em Relações Internacionais Daniel Vernet, ex-diretor de redação do jornal francês Le Monde, o perigo aumenta com a proliferação e o maior número de atores no âmbito nuclear.
"A dissuasão funcionou tanto tempo porque os atores eram pouco numerosos e eram considerados racionais", escreveu em um artigo na semana passada.
"Sua multiplicação aumenta as possibilidades de mal-entendidos, de incidentes inesperados, de interpretações equivocadas das intenções do outro, da mudança de juízo em regimes de poder pessoal", completou.