Agência de notícias
Publicado em 25 de agosto de 2023 às 15h51.
A China tenta neutralizar os riscos da sua pilha de US$ 9 trilhões em dívidas dos governos locais fora dos balanços, sem recorrer a grandes resgates.
É um caminho traiçoeiro para o governo do presidente Xi Jinping. Para ajustar as contas, províncias e cidades cujos empréstimos impulsionaram o maior “boom” de infraestrutura do mundo terão de reduzir os gastos e reestruturar a dívida – tudo isso sem prejudicar drasticamente o crescimento econômico. Se falharem, isso poderá levar a segunda maior economia do mundo a uma crise prolongada.
No centro deste dilema estão os veículos de financiamento dos governos locais, ou LGFVs na sigla em inglês, empresas criadas em toda a China para contrair empréstimos em nome de províncias e cidades, mas não explicitamente em seus nomes. O governo Xi busca transformar essas companhias em negócios lucrativos para que não precisem mais de dinheiro estatal para pagar os juros das dívidas.
Mas entrevistas com funcionários de seis dessas empresas em províncias diferentes sugerem que o esforço não tem funcionado nas regiões mais pobres do interior.
Várias companhias não conseguiram gerar receitas suficientes para pagar os juros dos empréstimos. Bancos não estão dispostos a emprestar, investidores evitam esses títulos, os bônus são reduzidos e está cada vez mais difícil encontrar projetos de investimento viáveis, disseram os funcionários, que pediram para não serem identificados.
Se o governo central evitar um resgate, o ônus dos pagamentos recairá cada vez mais sobre os governos locais ou sobre os bancos encarregados de reduzir os juros e de prolongar os prazos de vencimento das dívidas. Ambas as opções limitarão a capacidade dos governos locais e dos bancos de apoiar o crescimento econômico.
É também uma preocupação para investidores, uma vez que qualquer default nos US$ 2 trilhões em obrigações dos LGFVs – que representam quase metade do mercado de dívida corporativa onshore do país – desestabilizaria o sistema financeiro de US$ 60 trilhões da China, com ondas de choque globais.
“A variável mais importante que terá impacto no crescimento econômico da China nos próximos dois anos será o sucesso ou o fracasso da reestruturação da dívida dos governos locais”, disse Logan Wright, diretor de pesquisa de mercados da China no Rhodium Group. “Um colapso nos investimentos dos governos locais seria comparável ao impacto econômico da crise no mercado imobiliário.”
O Ministério das Finanças da China e a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma, a agência de planeamento econômico do país, não responderam a perguntas sobre o assunto.
Em julho, o Politburo, órgão decisório do Partido Comunista, recomendou medidas para resolver os riscos da dívida, e o governo de Pequim parece dar seguimento. Províncias chinesas foram autorizadas a captar cerca de 1 trilhão de yuans (US$ 137 bilhões) por meio da venda de títulos, que podem ser utilizados para quitar dívidas dos LGFVs, segundo pessoas familiarizadas com o assunto.
Embora isso represente uma fração de toda a dívida dos LGFVs – o Fundo Monetário Internacional estima um total de 66 trilhões de yuans neste ano – a medida aumentou a confiança do mercado nos títulos dessas empresas. O governo de Pequim também avalia usar o banco central para fornecer liquidez aos LGFVs com maior demanda, de acordo com o portal de notícias Caixin.
Mas essas soluções não foram a primeira opção do governo chinês. Um plano foi lançado antes da pandemia para injetar ativos estatais nas empresas e permitir que estas entrassem em novas áreas de negócio para gerar caixa suficiente e possibilitar o pagamento do serviço da dívida por conta própria. A estratégia ficou conhecida como modelo de “transformação orientada ao mercado”.
Um exemplo de um distrito montanhoso no sudoeste de Chongqing mostra como esse plano não tem funcionado. Uma estatal local tomou bilhões de yuans emprestados para construir estradas, tubulações de água, edifícios de fábricas e moradias populares. Transformou uma antiga área mineira numa zona de desenvolvimento para fábricas, que convertem carvão em produtos químicos.
“Estamos realmente falando de transformação”, disse um funcionário da empresa em Chongqing. “Mas, para ser honesto, até agora ainda não descobrimos nenhum bom caminho para a transformação.”
A China tem milhares destes LGFV espalhados por todo o país, empresas que foram criadas para desenvolver as economias locais. Só no ano passado, esses veículos injetaram mais de 5 trilhões de yuans na economia, de acordo com um cálculo do Rhodium Group.
Mas esse modelo de financiamento está sob uma pressão sem precedentes. Em primeiro lugar, um valor recorde de dívidas dos LGFVs está vencendo. Em segundo lugar, os governos locais, especialmente nas zonas mais pobres, enfrentam queda das receitas devido à baixa de dois anos nas vendas de imóveis.
E em terceiro, bancos e investidores estão menos convencidos de que o governo de Pequim irá resgatar alguns LGFVs caso quebrem, o que elevaria as taxas de juros dos títulos e dos empréstimos e dificultaria o acesso ao financiamento por parte de empresas mais fracas.
Os LGFVs já deixam de realizar pagamentos de faturas devidas a empresas de construção e bancos paralelos a uma taxa recorde, o que resulta em projetos inacabados e investidores sem retorno.
De acordo com um ex-executivo de um LGFV, o futuro é claro: “A missão histórica dos LGFVs de investir em projetos puros de infraestrutura de bem-estar público chegou ao fim”.