Falta de açúcar e especulação fizeram Morales elevar 2 vezes seu preço em janeiro (Peter Macdiarmid/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 3 de fevereiro de 2011 às 07h17.
La Paz - A crescente falta de alguns alimentos na Bolívia e o aumento dos preços de outros para evitar sua saída ilegal para países vizinhos pressionam o Governo de Evo Morales e o empresariado, que iniciaram esta semana uma aproximação para enfrentar a situação.
A crise alimentícia boliviana se aguçou nos últimos anos por fatores climáticos adversos, insegurança jurídica e restrições à exportação de certos produtos decretadas por Morales, declarou à Agência Efe o presidente da Associação de Produtores de Trigo e Oleaginosas, Demetrio Pérez.
Ele citou como exemplo o milho, cuja produção foi deficitária "como nunca antes" pela seca que castigou a região oriental do país em 2010, junto com o veto do Governo às exportações do grão.
"O produtor perdeu dinheiro quando restringiram as exportações", afirmou Pérez, quem acrescentou que "os que mais ganham" são os intermediários que compram o produto e o revendem a preços mais altos.
Outro exemplo é o do açúcar, cuja escassez no fim de 2010 provocou um encarecimento do produto, após um aumento de até 80% do preço dos combustíveis decretado por Morales, que ele teve que anular em janeiro diante da reação da população.
Segundo a Câmara Agropecuária do Oriente (CAO), a produção de cana-de-açúcar caiu 28% em 2010 em relação a 2009.
A falta de açúcar e a especulação obrigaram Morales a elevar duas vezes seu preço em janeiro, primeiro 23% e, na última segunda-feira, entre 40% e 50%.
A ministra boliviana de Desenvolvimento Produtivo, Teresa Morales, disse que o aumento busca frear "intermediários e especuladores" que compram açúcar barato para revender a preços maiores.
O Governo e os engenhos tiveram que importar açúcar de Brasil e Colômbia para garantir o abastecimento até abril, quando terá início a próxima safra.
Segundo a CAO, em 2010 houve uma diminuição de 8% da superfície total cultivada na Bolívia, que caiu para 1,8 milhão de hectares.
Na Bolívia, a extrema pobreza afeta 33% da população - mais de três milhões de pessoas -, de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), e 26% sofre de "fome extrema", segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e a Alimentação das Nações Unidas (FAO).
Segundo a FAO, por isso que os aumentos de preços decretados por Morales têm uma grande incidência social.
As perspectivas para 2011 não são encorajadoras por causa da seca, por isso que se prevê o encarecimento de mais produtos.
A seca também afetou o setor pecuário, com a morte de milhares de cabeças de gado, a redução da produção leiteira e as dificuldades dos avicultores para conseguir alimentos para os animais a preços competitivos.
Além disso, alguns analistas ressaltaram a apreciação do boliviano frente ao dólar como causa da carestia.
Nos últimos dias, Morales iniciou uma aproximação com os empresários para trabalhar juntos no abastecimento de alimentos, informou na segunda-feira o ministro da Presidência, Óscar Coca.
Pérez considera vital a liberação das exportações para incentivar os produtores e diz que "a solução" ao déficit de alimentos "está nas mãos do Governo".
Por sua vez, o presidente da Câmara de Indústria, Laureano Rojas, responsabilizou o Governo pelos aumentos dos preços e da instabilidade econômica.
Rojas acusou Morales de falta de políticas para reativar o aparelho produtivo e fomentar os investimentos, e afirmou que a carestia é sequela do aumento dos preços dos combustíveis, que continua afetando os bolivianos, apesar de ter sido derrogado.
O representante na Bolívia da FAO, Gonzalo Flores, disse à imprensa local que há duas crise alimentícias sobrepostas, uma de insegurança alimentar crônica e outra conjuntural.
"O que estamos começando a viver na Bolívia é a combinação de ambas (...). Acho que entramos em um problema que pode durar de três a quatro anos. Vai ser difícil sair desta crise", declarou.