A Corte Internacional de Justiça que a operação militar de Israel contra Gaza representa um risco plausível de danos irreversíveis (AFP/AFP)
Agência de notícias
Publicado em 26 de janeiro de 2024 às 11h42.
A Corte Internacional de Justiça (CIJ) declarou, nesta sexta-feira, que a operação militar de Israel contra Gaza representa um risco plausível de danos irreversíveis e imediatos à população palestina em Gaza e determinou que o Estado judeu tome as medidas em seu poder para evitar violações da Convenção das Nações Unidas sobre Genocídio no enclave palestino. A determinação não é um reconhecimento da prática de crime de genocídio por Israel — o que poderá ou não ser determinado apenas ao fim do julgamento do mérito do processo, que pode levar anos — e não atende à principal medida cautelar solicitada pela África do Sul, que pedia o fim da operação militar contra Gaza.
"O Estado de Israel deve, em acordo com suas obrigações sob a Convenção Sobre a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, em relação aos palestinos em Gaza, tomar todas as medidas em seu poder para prevenir o cometimento de todos os atos descritos no Artigo 2º da convenção", declarou a presidente da Corte, Joan Donoghue.
O artigo mencionado pela jurista na decisão define genocídio como os seguintes atos, desde que cometidos com a intenção de destruir "no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso": a) matar membros do grupo; b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo; c) submeter intencionalmente o grupo a condição de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial; d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio de grupo; e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo.
Todas as medidas cautelares determinadas pela Corte foram alcançada por larga maioria entre os juízes (por 16 votos a favor e 1 contra ou 15 a favor e 2 contra).
Pouco depois da leitura da decisão, autoridades israelenses e palestinas começaram à reagir às determinações. O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, chamou de "escandaloso" o caso de genocídio movido pela África do Sul. "A acusação de genocídio levantada contra Israel não é apenas falsa, é escandalosa, e pessoas decentes em todo o mundo deveriam rejeitá-la", disse Netanyahu em um vídeo.
A liderança do Hamas classificou a decisão como "importante" e disse contribuir para "isolar Israel e expor seus crimes em Gaza". A Autoridade Palestina afirmou que a decisão da CIJ mostra que "nenhum Estado está acima da lei".
A África do Sul saudou as medidas provisórias ordenadas pelo Tribunal Internacional de Justiça, chamando-as então de "uma vitória decisiva para o Estado de direito internacional e um marco significativo na busca de justiça para o povo palestino".
“Em uma decisão histórica, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) determinou que as ações de Israel em Gaza são plausivelmente genocidas e indicou medidas provisórias com base nisso”, diz o comunicado. "A África do Sul continuará a agir no âmbito das instituições de governança global para proteger os direitos, incluindo o direito fundamental à vida, dos palestinos em Gaza – que continuam em risco urgente, incluindo devido ao ataque militar israelense, à fome e às doenças – e para obter a aplicação justa e igualitária do direito internacional a todos".
Contexto da acusação
A acusação de genocídio contra Israel foi apresentada pela África do Sul, e começou a ser apresentada ao tribunal internacional há duas semanas. Pretória acusa o Estado judeu de violações à Convenção das Nações Unidas sobre Genocídio durante a operação militar em Gaza. Israel já classificou o caso publicamente como difamação, e líderes políticos, como o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, colocaram em dúvida o cumprimento de uma eventual decisão desfavorável.
A equipe jurídica sul-africana apresentou a denúncia na sede do tribunal, em Haia, no dia 11 de janeiro. O cerne da acusação foi demonstrar que o governo israelense teria demonstrado "intenção genocida" ao lançar sua operação contra Gaza. Para isso, os juristas apresentaram imagens da destruição e do impacto civil provocado pelas forças de Israel em Gaza, além de declarações públicas de autoridades do país que, na narrativa sul-africana, comprovam que houve uma tentativa de desumanizar o povo palestino e de sinalizar sua eliminação.
A África do Sul solicitou que a Corte declarasse a suspensão das operações militares israelenses "em" e "contra" Gaza; a garantia de que os militares israelenses (ou quaisquer forças relacionadas) parassem as operações ofensivas; o fim do assassinato e deslocamento do povo palestino; a normalização do acesso a alimentos, água, infraestrutura e saúde; e que Israel tome "todas as medidas razoáveis ao seu alcance" para prevenir um genocídio.
Israel rebateu as acusações um dia depois da apresentação do caso pela África do Sul. A defesa tentou descaracterizar o argumento da acusação de que houve tentativa deliberada de destruição do povo palestino, apresentando a tese jurídica de que os impactos provocados por uma ação militar a civis não é o mesmo que o crime de genocídio, tipificado no ordenamento internacional pela Convenção das Nações Unidas sobre Genocídio, de 1948.
Além disso, a equipe israelense também exibiu imagens da violência cometida pelo Hamas durante os ataques de 7 de outubro a Israel e acusou a equipe sul-africana de apresentar uma visão "totalmente distorcida" e manipuladora sobre os fatos ocorridos na região.
A decisão desta sexta-feira é apenas a primeira dentro de um processo que deve se arrastar por anos. A CIJ ainda precisa julgar o conteúdo material da acusação, ou seja, a suposta responsabilidade do Estado de Israel em crime de genocídio, para além das medidas emergenciais pedidas pela África do Sul.
De acordo com Sylvia Steiner, ex-juíza do Tribunal Penal Internacional (TPI), também em Haia, provar a responsabilidade israelense e que houve intenção de dizimar um grupo específico, dentro das especificidades do crime de genocídio, pode ser especialmente difícil.
— Aquilo que no começo do conflito a gente já dizia que se tratava de crimes de guerra, agora se alega que esses crimes de guerra têm um objetivo genocida — explicou ao GLOBO Steiner, única brasileira a já ter integrado o TPI. — Existem desafios de diferente natureza para provar o genocídio em uma corte internacional. No TPI, o mais difícil é determinar a responsabilidade penal individual, como o dolo e o nexo de causalidade entre as ações e o resultado. Por outro lado, determinar a responsabilidade do Estado, como a África do Sul está fazendo, é mais fácil pelo número de provas que podem ser coletadas.
A ação da África do Sul recebeu apoio internacional, incluindo do governo brasileiro. Após uma reunião do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahim Alzeben, às vésperas do início do processo o Itamaraty divulgou uma nota manifestando apoio, "à luz das flagrantes violações ao direito internacional humanitário" e pedindo um cessar-fogo imediato.
Israel tem feito um esforço para refutar as acusações publicamente e melhorar sua imagem perante a comunidade internacional, enquanto os conflitos em Gaza permanecem. Nos últimos dias, o governo do país retirou o sigilo de mais de 30 ordens secretas dadas por líderes governamentais e militares que, diz, mostrariam os esforços do país para diminuir as mortes entre os civis no enclave palestino.
(Com Emanuelle Bordallo)