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Convenção republicana começa focando na base pró-Trump

Donald Trump Jr., filho mais velho do presidente, fez o principal discurso, enquadrando a eleição como uma escolha entre a ordem e a anarquia

Donald Trump: atual presidente foi oficializado candidato do partido Republicano à presidência (Alex Wong/Getty Images)

Donald Trump: atual presidente foi oficializado candidato do partido Republicano à presidência (Alex Wong/Getty Images)

Felipe Giacomelli

Felipe Giacomelli

Publicado em 25 de agosto de 2020 às 06h28.

A convenção nacional do Partido Republicano começou ontem. Como a dos democratas, na semana passada, o evento foi basicamente um longo programa de televisão. Mas, em termos de conteúdo, as diferenças não poderiam ser mais marcantes.

O tema oficial da primeira noite era “A terra das promessas”. Em declarações à imprensa, os organizadores do evento afirmaram que a ideia geral dos quatro dias de teleconvenção era passar uma mensagem edificante e otimista, para tentar conquistar eleitores que não fazem da base inamovível de Trump.

Pelo menos na primeira noite, não foi exatamente esse o tom do evento.

Donald Trump Jr., filho mais velho do presidente, fez o principal discurso da noite, enquadrando a eleição de novembro como uma guerra cultural e uma escolha entre a ordem e a anarquia.

Quando Trump fechou as fronteiras com a China, “Biden chamou meu pai de racista e xenófobo, colocando a correção política à frente da segurança da população americana”, afirmou Don Jr.

“Joe Biden e a esquerda radical agora querem acabar com a liberdade de expressão. Não será mais a maioria silenciosa; será a maioria silenciada. Isso tem que acabar.”

Ele também sugeriu que Biden é o candidato preferido do Partido Comunista chinês e disse que o democrata quer “abrir as fronteiras para imigrantes ilegais que vão roubar empregos dos americanos”.

Nikki Haley, ex-governadora da Carolina do Sul e ex-embaixadora americana na ONU, ecoou as palavras de Don Jr.

“Trump sabe que o politicamente correto e a cultura do cancelamento são perigosos – e simplesmente errados. Para muitos democratas, está na moda dizer que os Estados Unidos são racistas. Isso é mentira”, afirmou Haley.

“Isso é pessoal para mim. Sou filha de imigrantes indianos. Meu pai usava turbante, minha mãe, sári. Enfrentamos discriminação e dificuldades, mas meus pais nunca cederam ao ressentimento ou ao ódio.”

As vidas dos policiais negros, dos pequenos empresários que perderam seus negócios em manifestações violentas também têm valor, afirmou Haley, numa referência direta ao movimento Black Lives Matter, que protesta contra a brutalidade policial.

Descrever como “anarquia” as manifestações por justiça racial, em sua grande maioria pacíficas e sem maiores incidentes, foi uma constante na noite de ontem.

Teorias da conspiração

Uma fala de surpresa de Donald Trump durante a tarde deu sinais do que estava por vir horas mais tarde. O presidente americano discursou após a formalização de sua indicação como candidato do partido. Recebido aos gritos de “Mais quatro anos! Mais quatro anos!”, Trump disse que “para deixá-los [os democratas] malucos, digam mais doze anos”.

Falando de improviso, Trump repetiu a teoria da conspiração que vem espalhando há semanas a respeito da lisura da votação pelo correio. “Eles estão usando a Covid para roubar a eleição”, disse o presidente americano.

Trump afirmou que 80 milhões de americanos receberão cédulas em suas casas, muitos dos quais nem sequer teriam registro de eleitor. Isso não é verdade. As regras variam de estado para estado.

Em alguns deles, todos os eleitores de fato recebem a cédula pelo correio. Mas a imensa maioria tem de solicitar o envio e, em alguns casos, é necessário apresentar justificativa.

Trump também disse que os democratas iriam realizar “coleta de votos”, ou seja, iriam recolher os votos nas casas dos cidadãos. A prática é ilegal, e em nenhum momento o Partido Democrata afirmou que a adotaria.

O presidente também afirmou que as restrições de circulação rigorosas impostas por causa da pandemia de coronavírus só foram adotadas porque governadores democratas queriam prejudicar sua campanha de reeleição.

Havia algumas dezenas de pessoas acompanhando o discurso de Trump, realizado num centro de convenções. Ao contrário dos democratas, que sempre falaram de suas casas ou de auditórios vazios para evitar o risco de contágio pelo coronavírus, os republicanos vão permitir um número limitado de correligionários.

Antes da fala de Trump, os delegados estavam sentados a uma distância segura. Quando ele subiu ao palco, eles se aglomeraram ao pé do púlpito para acompanhar o discurso do presidente.

O âncora Anderson Cooper, da CNN, cortou a transmissão ao vivo da fala de Trump, dizendo: “Depois de prometer uma convenção positiva, ele foi negativo logo nos primeiros momentos. Ele acusou falsamente [de fraude] o voto pelo correio, mesmo depois de seu diretor do correio afirmar que esses ataques ‘não ajudam’”.

A teleconvenção

A programação da primeira noite contou com a consultoria de dois produtores do reality show The Apprentice (exibido no Brasil como “O Aprendiz”).

Mas, em termos de dinamismo, as quatro noites do evento democrata pareceram mais variadas e bem acabadas. Na primeira noite, o evento republicano foi essencialmente um discurso depois do outro, com algumas interrupções para montagens.

Uma das participações mais aguardadas era a do casal Mark e Patricia McCloskey, que ganhou notoriedade nacional ao apontar armas de fogo para manifestantes que protestavam contra a violência policial na cidade de Saint Louis, em junho.

As imagens de Mark McCloskey segurando uma metralhadora semiautomática, enquanto sua mulher empunhava uma pistola na mão, viralizou nas redes sociais.

Para os manifestantes, foi uma ameaça gratuita contra participantes de uma passeata pacífica. Para os apoiadores de Trump, o casal passou a representar a luta pelo direito de portar armas e a resistência contra um movimento responsável por saques e quebra-quebras.

Apesar dessa caracterização, entretanto, os incidentes violentos foram isolados na onda de protestos que tomou conta do país há dois meses – e também no caso da passeata que passou na frente da casa dos McCloskey, como mostram as imagens que circularam na internet.

No depoimento gravado para a convenção, entretanto, eles afirmaram ter sentido medo. “O que você viu acontecendo conosco poderia ter acontecido com você. Em vez de proteger os cidadãos dos criminosos, os democratas querem proteger os criminosos dos cidadãos”, afirmou Mark McCloskey.

Ele também mencionou Cori Bush, uma ativista dos direitos negros que venceu uma primária democrata do estado do Missouri (onde vive o casal) e deve ser eleita para a Câmara em novembro.

Bush, que estava no protesto de St. Louis, é “marxista”, afirmou McCloskey. “Eles querem andar nos corredores do Congresso. Eles querem o poder.”

Junto com a “ameaça vermelha”, a proposta de tirar recursos da polícia
será repetida incansavelmente pelos republicanos. Não se trata de uma ideia nova, mas ela ganhou destaque durante os protestos do movimento Black Lives Matter.

Na essência, o argumento é que os departamentos de polícia do país concentram uma parte desproporcional dos orçamentos dos estados e municípios, em detrimento de educação, moradia e outros serviços básicos.

Policiais muitas vezes são enviados para lidar com problemas para os quais não têm o treinamento adequado, como crises envolvendo pessoas com doenças mentais. Os defensores do corte de recursos afirmam que estes não são casos de polícia. A ideia é controversa até mesmo entre os democratas -- e é rejeitada por Biden.

A condução da crise

A primeira menção à pandemia do coronavírus, o grande flanco da campanha de reeleição de Trump, foi uma curta montagem afirmando que a Organização Mundial de Saúde e os democratas estavam errados em relação à gravidade da doença.

O vídeo mencionou como conquistas de Trump a proibição da entrada de chineses nos Estados Unidos, decretada em fevereiro, o envio de equipamentos de proteção para profissionais de saúde, os programas de ajuda econômica emergencial e o programa para aceleração da aprovação de uma eventual vacina.

Naturalmente, não houve menção aos quase 180 000 mortos e quase 6 milhões de casos registrados – ambos recordes mundiais. Também não apareceram as declarações insistentes de Trump em fevereiro e março que o vírus “iria embora como que por milagre”.

Elogios do governador de Nova York, o democrata Andrew Cuomo, foram pinçados para dar a impressão de que a resposta do governo federal esteve à altura das expectativas. Na realidade, porém, Cuomo é um dos maiores críticos da atuação de Trump no combate ao coronavírus.

Também houve algumas referências ao “vírus chinês” – incluindo por parte do próprio Trump --, mas já foi estabelecido que em Nova York, o maior epicentro de Covid no país, o coronavírus foi trazido por viajantes que estavam na Europa.

Na sequência, Trump apareceu conversando com sete trabalhadores essenciais – enfermeiras, bombeiros e carteiros – em um saguão da Casa Branca. A interação é uma tentativa de humanizar o presidente e tentar reverter o prejuízo que a crise sanitária causou à sua imagem. A tarefa promete ser hercúlea, se não impossível: uma pesquisa divulgada ontem indicou que somente 31% dos americanos aprovam a atuação do presidente diante da crise.

Em outra aparição gravada, Trump conversou com seis americanos que estavam presos ou eram reféns em países como Turquia, Irã e Venezuela e foram libertados graças a esforços do seu governo.

Mais problemas para a família

Horas antes do início da convenção, veio a público a notícia de que a procuradoria do estado de Nova York pediu que a Justiça obrigue Eric Trump, um dois filhos do presidente, a prestar depoimento numa investigação que quer determinar se o negócio da família cometeu fraudes financeiras.

A Trump Organization é acusada de inflar seu patrimônio para obter empréstimos bancários e para poder evadir impostos. Eric Trump prestaria depoimento no mês passado, mas cancelou sua aparição. A companhia também afirmou que não entregaria os papeis requisitados.

No final de semana, uma gravação de Maryanne Trump Barry, irmã do presidente americano, foi divulgada pelo Washington Post. Barry é ouvindo dizendo a Mary Trump, sua sobrinha, que Trump “é cruel”, “não dá para confiar nele” e “não tem princípio nenhum”. As declarações foram gravadas sem o conhecimento da irmão de Trump.

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