A ONU denunciou uma política "punitiva" com os migrantes que "socava os seus direitos humanos" (Jon Nazca/Reuters)
AFP
Publicado em 28 de junho de 2018 às 15h57.
Enquanto os defensores das políticas anti-imigração ganham terreno nos Estados Unidos e na União Europeia, a Austrália se enaltece de suas polêmicas medidas draconianas, que conseguem dissuadir os migrantes de chegarem à sua costa.
O governo conservador adotou uma linha dura com os migrantes há cinco anos, o que lhes rendeu aplausos e fortes críticas.
Até então, os migrantes originários de Afeganistão, Sri Lanka e Oriente Médio zarpavam da Indonésia para chegar quase diariamente à costa norte da Austrália.
Cerca de 1.200 pessoas morreram afogadas. Para lutar contra os traficantes de seres humanos e dissuadir os migrantes, o governo australiano optou pela tolerância zero.
As embarcações eram sistematicamente rejeitadas pelos navios da Marinha de guerra australiana e as operações em alto-mar estavam rodeadas de grande sigilo.
Os que conseguiam chegar à Austrália eram enviados a campos de retenção no Pacífico, em Nauru ou Papua-Nova Guiné. Mesmo se o pedido de refúgio fosse considerado bem fundamentado, não era aceito em território australiano.
Esta política teve sucesso. O número de chegadas caiu para quase zero. Mas dividiu a opinião pública e prejudicou a reputação internacional do país.
Os defensores dos direitos humanos, assim como a ONU, criticaram um país rico que dava as costas às pessoas vulneráveis. As informações dos campos de retenção apontavam para abusos, casos de depressão e suicídios.
Mas na União Europeia e nos Estados Unidos, alguns têm na Austrália um exemplo.
A presidente do partido francês de ultradireita Frente Nacional, Marine Le Pen, o nacionalista britânico anti-imigração Nigel Farage, e o novo ministro do Interior italiano, Matteo Salvini, citaram em algum momento o modelo australiano.
Pouco depois de sua posse, o presidente americano, Donald Trump, teve uma conversa por telefone com o primeiro-ministro australiano, Malcolm Turnbull.
Mas sobre a imigração, os dois presidentes chegaram a um acordo.
"É uma boa ideia. Deveríamos fazer o mesmo. São piores que eu", teria dito Trump ao seu interlocutor, segundo o Washington Post.
Contudo, os observadores assinalam que o modelo de Canberra é difícil de reproduzir.
A Austrália é uma ilha cercada por águas perigosas.
"Existe uma grande diferença. Europa e Estados Unidos têm fronteiras terrestres e é muito difícil impedir que as pessoas cheguem", afirmou Stephen Castles, especialista em temas migratórios na Universidade de Sydney.
"Não existe nenhuma dúvida de que os Estados Unidos e alguns dirigentes europeus considerem a Austrália um exemplo. Mas a Austrália, que assinou a convenção da ONU (sobre os refugiados), viola suas obrigações em matéria de direitos humanos", declarou à AFP.
A ONU denunciou uma política "punitiva" com os migrantes que "socava os seus direitos humanos".
O campo da ilha Manus, em Papua-Nova Guiné, fechou suas portas após ser considerado anticonstitucional pela Justiça desse país. Seus 600 ocupantes foram enviados a três centros de trânsito.
Atualmente, 255 pessoas estão detidas em Nauru, na maioria famílias, sendo 22 delas crianças, segundo dados mais recentes.
Muitos migrantes foram enviados a outros países. Ironia do destino, alguns partiram para os Estados Unidos em virtude de um acordo alcançado com o ex-presidente Barack Obama.
Na Austrália o tema já não para nas capas dos jornais.
O governo australiano faz valer que a tolerância zero com os migrantes salva vidas e permite acolher melhor os que chegam por via legal para solicitar refúgio.
Alguns colocam em dúvida essa afirmação. Mas o governo conservador está longe de mudar sua política. No fim de semana passado, o ministro do Interior, Peter Dutton, assegurou que os traficantes continuam ativos na Indonésia, onde 14.000 migrantes aguardam um barco.
"Os barcos desapareceram e se um só barco conseguir chegar à Austrália, a notícia se propagará" rapidamente, disse.