Na Argentina, o aborto só é permitido em casos de estupro ou de risco de vida para a mulher, em uma legislação em vigor desde a década de 1920 (Rodrigo Garrido/Reuters)
AFP
Publicado em 18 de novembro de 2020 às 06h19.
O parlamento argentino voltará a discutir o projeto de lei para a Interrupção Legal da Gravidez (ILE, sigla em espanhol), uma vitória da campanha dos "lenços verdes" e em cumprimento de uma promessa feita pelo presidente Alberto Fernández.
Em um país de maioria católica e terra natal do Papa, a primeira iniciativa histórica de legalização do aborto foi discutida no Congresso em 2018, quando foi aprovada pelos deputados e rejeitada no Senado.
Em vídeo divulgado hoje em sua conta no Twitter, Fernández anunciou o envio do texto ao Congresso e assinalou que o objetivo é garantir "que todas as mulheres tenham direito à saúde integral". Também destacou que enviará outro projeto de lei, que cria "o seguro dos mil dias, com o objetivo de fortalecer o atendimento integral durante a gestação e dos filhos nos primeiros anos de vida".
O anúncio provocou alvoroço e festejos em uma manifestação de milhares de ativistas pró-governo, que cercam o Congresso, em apoio ao debate para aprovar um imposto extraordinário às 9.300 grandes fortunas do país para subsidiar o sistema de saúde, entre outros propósitos, em meio à pandemia de covid-19, que deixou mais de 35.000 mortos e mais de 1,3 milhão de infectados no país.
Na Argentina, o aborto só é permitido em casos de estupro ou de risco de vida para a mulher, em uma legislação em vigor desde a década de 1920. Fernández disse que o envio da iniciativa significa "honrar um compromisso" de campanha.
Entre as primeiras reações esteve a da diretora executiva da Anistia Internacional Argentina, Mariela Belski, que declarou: "O ativismo e a luta inabalável do movimento de mulheres conseguiu este avanço histórico. Hoje, o aborto é um tema central e inadiável da agenda política."
Estimativas confiáveis calculam que ocorreriam entre 370.000 e 520.000 abortos clandestinos por ano na Argentina, declarou em entrevista recente a secretária Jurídica e Técnica da Presidência, Vilma Ibarra.
Sob o lema "É urgente. Aborto legal 2020", a Campanha Nacional pelo Direito ao Aborto Legal, Seguro e Gratuito, havia acabado de fazer uma convocação para "saturar as redes, intervir nas ruas, mostrar nossos lenços em todas as partes, pintar de verde (cor do movimento) a Argentina nas próximas semanas com intervenções artísticas de impacto".
"A criminalização do aborto não serviu de nada. Cifras preocupantes mostram que, a cada ano, 38 mil mulheres são internadas devido a abortos mal feitos. Desde o retorno da democracia (1983), mais de 3 mil morreram", argumentou Fernández em favor da ILE. Espera-se que ambas as leis sejam discutidas em sessões extraordinárias depois de 30 de novembro.
Em 2018, o debate gerou duas ondas de ativistas nas ruas, uma "verde", a favor, e outra "celeste", contrária ao aborto. As igrejas Católica e Evangélica lideraram o rechaço, e a divisão chegou ao Congresso.
"A situação geral da saúde pública, imposta por esta conjuntura dolorosa, torna insustentável e inoportuna qualquer tentativa de apresentar e discutir uma lei com essas características", declarou recentemente a Conferência Episcopal católica. Já a Aliança Cristã de Igrejas Evangélicas advertiu que um debate legislativo "provocará manifestações" de defensores e detratores. "Não é o momento de discutir o aborto, estamos no meio de uma pandemia."