O chefe do Estado-Maior Conjunto americano, Michael Mullen, saúda a presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, em 2 de março de 2022, em Taipei (AFP/AFP)
Carolina Riveira
Publicado em 2 de agosto de 2022 às 06h00.
Última atualização em 11 de agosto de 2022 às 14h32.
Taiwan está novamente no centro das atenções na diplomacia global. Embora as questões relacionadas ao território tenham sido sempre controversas nos últimos 70 anos, a ilha se torna cada vez mais um dos temas da disputa entre China e Estados Unidos.
O último imbróglio surgiu após rumores de que a presidente da Câmara dos EUA, Nancy Pelosi, tinha visita marcada a Taiwan.
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Pelosi embarcou para um tour pela Ásia no último domingo, 31 de julho, e iniciou a viagem em Singapura. Em movimento não confirmado até o último minuto, a parlamentar chegou a Taiwan na manhã desta terça-feira, 2 (já madrugada no horário local).
A presidente da Câmara é do Partido Democrata, o mesmo do presidente Joe Biden, mas a Casa Branca vem afirmando nos últimos dias que a decisão da viagem é exclusivamente da parlamentar e não uma ordem do governo.
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O secretário de Estado americano, Antony Blinken, dizia até o fim de segunda-feira, 1º de agosto, que "não sabemos o que a presidente Pelosi planeja fazer". Segundo Biden, o Exército americano também se opôs à viagem de Pelosi.
Taiwan é uma ilha com cerca de 24 milhões de habitantes, a menos de 200 quilômetros da China continental.
A ilha tem na prática um governo autônomo desde 1949, ano em que o Partido Comunista Chinês de Mao Tse-Tung venceu uma guerra civil que perdurava desde 1927 e chegou ao poder na China.
O então líder da China derrubado pela revolução, Chiang Kai-Shek, fugiu com aliados políticos e se refugiou em Taiwan, também chamada de "Formosa".
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Os opositores do Partido Comunista fundaram em Taiwan um governo paralelo, e o caso virou uma disputa entre as partes desde então.
Taiwan e a China continental mantiveram muitas similaridades, como a língua (mandarim também é o idioma oficial na ilha) e a proximidade cultural. Nas últimas décadas, a economia de Taiwan se destacou sobretudo pela atuação na fabricação de produtos de alta tecnologia, como chips - o país é lar, por exemplo, da Foxconn, que produz os iPhones da Apple. Taiwan tem uma das dez maiores economias da Ásia e está entre as 25 maiores do mundo, sendo considerada uma economia avançada pelo Fundo Monetário Internacional.
Apesar das disputas, Taiwan e China também seguem tendo laços comerciais: a China continental foi o principal destino das exportações de Taiwan em 2021, com mais de US$ 120 bilhões vendidos.
Taiwan tem, a partir do momento de separação pós-guerra civil, um status político controverso. A ilha não é um país reconhecido nos organismos internacionais, mas também não está sob o governo de Pequim na China continental.
Taiwan se autodenomina "República da China", enquanto a China continental é a "República Popular da China".
Os dois governos disputaram internacionalmente por algum tempo para decidir de quem era a herança de legítimo governo chinês. A briga acabou em partes nos anos 1970, com as Nações Unidas (ONU) e outros organismos internacionais passando a reconhecer a China continental.
Nas Olimpíadas, por exemplo, a China continental e Taiwan hoje competem separadamente (assim como Hong Kong, outro território chinês de status controverso; na prática, portanto, a China tem três times nos Jogos.)
Apesar da polarização crescente com a China, os EUA também não reconhecem a independência de Taiwan e hoje embasam sua diplomacia no conceito de "China única". Ainda assim, prestam historicamente assistência técnica e militar à ilha e defendem que Taiwan deve ter autonomia para estabelecer um governo próprio, o que gera uma linha tênue na relação com Pequim.
A última vez que um oficial estadunidense de escalão equivalente ao de Pelosi havia visitado Taiwan foi nos anos 1990, quando as relações entre China e EUA estavam em situação muito melhor. Em 1997, foi a Taiwan o então presidente da Câmara, o republicano Newt Gingrich.
Agora, o governo chinês tem dito que a visita de Pelosi a Taiwan pode ter "consequências" e afirmou aos EUA que não "brinque com fogo".
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Na semana passada, a urgência do tema levou até mesmo Biden e o presidente chinês Xi Jinping a terem uma rara conversa por telefone.
A situação é delicada e nenhum dos lados quer recuar: a visita de Pelosi é altamente apoiada pelo governo local em Taiwan e, se Biden voltar atrás, o governo dos EUA pode ser visto como influenciado por ameaças chinesas. Já Xi Jinping tenta mostrar que não tolerará influência americana em territórios estratégicos para o país, meses antes do Congresso do Partido Comunista que deve oficializar sua permanência no cargo de chefe do partido e presidente da China.
Na prática, apesar de os EUA não reconhecerem diplomaticamente Taiwan como país, a autonomia da ilha é um dos assuntos prioritários em Washington. Os EUA dizem defender o "status quo", isto é, que Taiwan continue com governo autônomo frente à China, mesmo que não como um país.
No cenário de Guerra Fria, Taiwan já havia sido centro de uma disputa de duas potências, na ocasião entre a União Soviética (que apoiava a China continental até 1960) e os EUA (que estreitaram laços com Taiwan nos anos 1950).
Taiwan e os EUA, por exemplo, assinaram em 1954 um acordo de defesa mútua. O acordo seria encerrado em 1979, quando os EUA passaram a reconhecer o governo comunista na China continental.
A partir daí, os americanos oferecem somente apoio técnico a Taiwan, mas não têm compromisso de defesa. Os EUA evitam mencionar atualmente que defenderão Taiwan no caso de um ataque chinês.
Mas uma gafe do presidente Joe Biden neste ano colocou lenha na fogueira. Em visita ao Japão, Biden foi perguntado por jornalistas se, ao contrário do que ocorreu na Ucrânia com a invasão russa, os EUA tomariam alguma ação militar direta caso a China invadisse Taiwan. Biden se embaralhou e respondeu que "talvez".
"Olha, essa é a situação: nós concordamos com a política de China única", disse logo depois, tentando contornar a resposta, mas concluiu novamente afirmando que "a ideia de [Taiwan] poder ser tomada à força - simplesmente tomada à força - não é apropriada", disse o presidente americano.
A Casa Branca tentou voltar atrás na declaração e negou que os EUA tenham dado a entender que entrariam em guerra para defender Taiwan.
A China, por sua vez, não considera Taiwan um território separado da porção continental e não esconde que deseja submeter a ilha ao governo de Pequim, o que não acontece hoje.
A divisão a respeito do tema se torna ainda mais relevante à medida em que crescem as disputas dos EUA com a China. O novo cenário global faz com que Taiwan seja, na prática, um dos elementos em debate na guerra comercial e política entre as duas potências.
Os temores de que a China e Taiwan possam entrar em um choque militar são crescentes, levantando dúvidas sobre a possibilidade de o conflito escalar para questões geopolíticas muito mais amplas, envolvendo a China, os EUA e outras potências ocidentais - aos moldes do que têm ocorrido no conflito na Ucrânia.
Por enquanto, uma série de exercícios militares dos dois lados foram feitos na região nos últimos anos, mas um embate direto não esteve perto de ocorrer. Analistas são unânimes, no entanto: qualquer confronto na China seria má notícia para a estabilidade no mundo inteiro.
*A reportagem foi atualizada para incluir a chegada de Nancy Pelosi a Taiwan na terça-feira, 2 de agosto.