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A água está virando arma de guerra

Em áreas que sofrem com escassez de recursos hídricos, cada gota emerge como novo alvo bélico, que vitima principalmente inocentes. Síria não é exceção


	Água: sem fonte segura, aumentam riscos de contaminação, o número de doenças e de óbitos
 (Gettyimages)

Água: sem fonte segura, aumentam riscos de contaminação, o número de doenças e de óbitos (Gettyimages)

Vanessa Barbosa

Vanessa Barbosa

Publicado em 20 de julho de 2014 às 09h51.

São Paulo - Em 10 de maio, grupos armados atacaram a estação de bombeamento de água na cidade síria de Alepo. Durante oito dias, 2,5 milhões de pessoas ficaram sem acesso à água potável. Não está claro quem foi o responsável. As forças do regime e da oposição culpam umas às outras. Mas uma coisa é certa: em áreas que sofrem com escassez de recursos hídricos, cada gota vira nova arma de guerra.

Rios, canais, barragens, esgoto e plantas de dessalinização cada vez mais tornam-se alvos militares, em movimento parecido com o que acontece com poços de petróleo, frequentemente queimados em conflitos.

Mas diferentemente dessa prática de guerra, a privação de água como estratégia bélica é mais cruel, ao afetar não apenas os inimigos armados, mas populações civis.

Há outra razão: água é insubstituível. Sem uma fonte de qualidade e segura, aumentam os riscos de contaminação e, inevitavelmente, o número de doenças e óbitos.

Nouar Shamout, pesquisador da Chatham House, um instituto de política baseado em Londres, explicou em artigo recente que o uso de fontes de água como arma tática pode "aumentar as mortes e as taxas de migração" na guerra civil do país.

O conflito na Síria já dura três anos e acumula um saldo triste: 150 mil mortos e quase nove milhões de refugiados.

Se o Lago Assad, importante manancial da região, perder mais água "o sistema vai parar de funcionar", escreveu Shamout. "Isso poderia resultar em uma catástrofe humanitária".

Sob o controle do grupo jihadista Estado Islâmico (EI), antes conhecido como Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIS na sigla em inglês), o Lago Assad já registrou perda recorde de 6 metros no nível da água, reporta o Al Jazeera.

Os rebeldes controlam a maior parte do curso superior do Tigre e do Eufrates, os dois grandes rios que fluem da Turquia e do qual todo o Iraque e grande parte da Síria dependem para a comida, água e indústria, conforme mostraram reportagens recentes do americano The New York Times e do britânico The Guardian.

Incidentes onde a água já foi usada como arma

A história está repleta de exemplos de destruição de aquedutos, represas a até mesmo de contaminação das fontes de água potável, métodos usados tanto por terroristas e grupos rebeldes como por governos para atingir militares e população civil.

Na década de 80, durante a guerra Irã-Iraque, o Irã desviou água para inundar as defesas militares do Iraque.

Na Guerra do Golfo (1990-1991), o Iraque bombardeou as plantas de dessalinização no Kuwait, destruindo boa parte da capacidade de produção de água potável do país.

Mais tarde, em 1993, Saddam Hussein drenou e envenenou o Marismas da Mesopotâmia, que garantia o suprimento de água dos árabes que se escondiam nos pântanos.

Até mortos já foram usados para contaminar água. Na guerra do Kosovo (1996–1999), os sérvios jogaram cadáveres em poços de suprimento em Kosovo.

Ameaça do século?

Pelo menos 260 bacias fluviais atravessam 145 fronteiras internacionais. Muitas são utilizadas por mais de três nações.

Como em um condomínio residencial, o uso conjunto dessas reservas hídricas tem o poder de acentuar tensões e aumentar divergências.

Felizmente, há mais casos de gestão compartilhada amigável das águas pelo mundo do que conflitiva.

Contudo, as guerras carregam consigo uma mazela: a deterioração do meio ambiente. Lugares que vivem mergulhados em conflitos estão mais expostos à carência de recursos naturais, incluindo água.

Há ainda outra ameaça real à estabilidade nessas regiões: as mudanças climáticas.

Um informe das agências de inteligência dos Estados Unidos define bem o risco.

"A escassez de água doce, as secas e inundações vão aumentar a probabilidade de que a água seja usada como arma entre os Estados ou para outras finalidades terroristas em áreas estratégicas, incluindo o Oriente Médio, sul da Ásia e norte da África", diz o texto.

De acordo com o quinto relatório do Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (IPCC), considerando um cenário com uma população mundial 7% maior do que a de hoje, para cada aumento de um grau na temperatura, haverá 20% menos disponibilidade de água.

O mundo estará preparado ou pegará em armas? 

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