Ian Bremmer: "Putin não precisa se envolver diretamente com Zelensky porque, agora, os americanos estão fazendo o trabalho por ele" (JOHN THYS and ANDREW CABALLERO-REYNOLDS/AFP)
Editora ESG
Publicado em 2 de março de 2025 às 10h55.
Última atualização em 2 de março de 2025 às 19h30.
O confronto diplomático que culminou em acusações mútuas entre Donald Trump e Volodymyr Zelensky no Salão Oval da Casa Branca dias atrás, marca um ponto determinante de inflexão na política americana para o Leste Europeu e, sobretudo, no futuro do conflito Ucrânia e Rússia.
A afirmação é de Ian Bremmer, presidente da Eurasia Group, após o tenso encontro, quando Trump acusou o presidente ucraniano de "brincar com a Terceira Guerra Mundial" e apresentou um ultimato: "Ou você faz acordo, ou estamos fora".
A dramática deterioração nas relações entre Washington e Kiev confirmou as análises que Bremmer compartilhou semanas antes, durante o Fórum Econômico Mundial. Em janeiro, o analista geopolítico já antecipava as mudanças na postura americana, embora com um tom inicialmente mais otimista sobre as possibilidades de negociação.
"Trump agora está falando que a Ucrânia precisa de mais poder de barganha antes de começarmos negociações", observou o presidente da Eurasia em Davos, indicando uma evolução nas posições do presidente americano que, à época, parecia mais favorável a um apoio contínuo.
No entanto, Bremmer já alertava para os desafios persistentes: "mesmo que um cessar-fogo seja alcançado, isso não é um acordo de paz estável e de longo prazo". O que ninguém previu foi a rapidez com que a situação se deterioraria.
Alerta em Davos foi profecia
O último encontro na Casa Branca, que deveria avançar nas negociações sobre um acordo envolvendo recursos naturais ucranianos, transformou-se em um confronto aberto quando Zelensky recusou-se a aceitar um simples cessar-fogo sem garantias concretas de segurança.
"Vocês sabem que esse russo louco vendeu 20.000 crianças ucranianas. Elas mudaram seus nomes, mudaram seus parentes. Queremos trazê-las de volta", argumentou um Zelensky visivelmente emocionado.
Em Davos, Bremmer havia destacado o elevado custo humano do conflito para a Rússia: "Putin perdeu 700.000 homens como baixas nesta guerra. É um número impressionante, mesmo para um país como a Rússia que não se importa com seu povo".
O saldo da devastação, de acordo com ele, sugeria uma possível abertura para negociações, especialmente pelas pressões econômicas adicionais: "A economia da Rússia está sofrendo uma queda mais acentuada, e a decisão de Biden de impor sanções mais severas às exportações de petróleo russo vai causar ainda mais danos à capacidade econômica de Moscou para sustentar o conflito".
Agora, a proposta de Trump para um acordo preliminar em que "a Ucrânia dividiria 50% das receitas obtidas com a exploração de seus recursos naturais como um passo preliminar para um pacto de paz com a Rússia" reflete exatamente o tipo de abordagem transacional que Bremmer havia previsto.
"Trump é completamente indiferente com quem faz um acordo", observou o analista em janeiro, explicando que o foco seria menos em alianças tradicionais e mais em interesses econômicos imediatos.Temos um vencedor: Valdimir Putin
Ontem, ainda em meio ao choque entre observadores internacionais, Ian Bremmer publicou uma análise em vídeo ao GZero, subsidiária de mídia do Eurásia. E foi categórico em sua avaliação: "O maior vencedor do embate entre Trump e Zelensky no Salão Oval hoje: Vladimir Putin".
Mais cedo, em uma série de posts no X (antigo Twitter), já havia declarado que este foi "o melhor dia para Putin desde o início da guerra. E o pior para a aliança da Otan". E enfatizou que "três anos de apoio bipartidário dos EUA e de coordenação da Otan à Ucrânia foram decisivamente rejeitados pelo presidente dos EUA", indicando uma mudança fundamental na política externa americana para a região.
No comentário mais amplo, em vídeo, o analista observou que o Kremlin provavelmente está "surpreso com o quão diretamente o presidente Trump está disposto a confrontar Zelensky", destacando que nunca se havia visto um "presidente americano humilhar publicamente um aliado em tempos de guerra dessa forma antes".
Para o presidente da Eurasia Group, a situação atual representa um divisor de águas na geopolítica global. "Os valores que os americanos defendem atualmente no cenário global são valores de poder. Eles são os mais poderosos, chegam a escrever suas regras, chegam a determinar os resultados", explicou no GZero Media.
Lembrando a reação da embaixadora ucraniana nos Estados Unidos, Oksana Markarova, cuja imagem com as mãos ao rosto em desaprovação durante o confronto viralizou, Bremmer questionou: "Nesse ritmo, me pergunto por quanto tempo ainda haverá relações diplomáticas" entre os dois países.
O mais preocupante, segundo o analista, é que "Putin não precisa se envolver diretamente com Zelensky porque, agora, os americanos estão fazendo o trabalho por ele". Esta conclusão representa uma evolução significativa em relação à sua visão inicial, em Davos, de que até a China poderia desempenhar um papel construtivo nas negociações de paz.
Com o impasse diplomático que culminou com Trump praticamente expulsando Zelensky da Casa Branca, Bremmer observa que o foco agora se volta para a Europa, que enfrenta o que classificou como uma escolha existencial: assumir a liderança na defesa de seus próprios valores ou aceitar uma nova ordem mundial onde apenas as grandes potências definem as regras do jogo internacional.