Fachada do Templo de Salomão, construído pela Igreja Universal do Reino de Deus em São Paulo (REUTERS/Nacho Doce/Reuters)
AFP
Publicado em 6 de outubro de 2018 às 14h13.
Última atualização em 6 de outubro de 2018 às 16h08.
À imagem e semelhança de seus lugares de culto, que se multiplicam em diversas capitais latino-americanas, os movimentos evangélicos ampliam sua influência na vida política de uma região tradicionalmente católica.
O desenvolvimento dessas igrejas - que se opõem ao direito ao aborto, ao casamento entre homossexuais, à legalização da maconha e à "ideologia de gênero" - se traduz em um aumento do voto conservador.
O Brasil é um exemplo muito atual do fenômeno: nas eleições deste domingo (7), as pesquisas apontam como primeiro colocado o candidato de extrema direita Jair Bolsonaro, que cresceu graças ao respaldo ativo dos movimentos evangélicos.
Cerca de 40% dos católicos do mundo estão na América Latina, mas as igrejas evangélicas, que se reconhecem como protestantes, atraem cada vez mais fiéis na área.
Em 2017, um estudo sobre a religião na região, da consultoria Latinobarómetro, estimava que quase um em cada cinco latino-americanos (195) era protestante, com picos de 41% e 39% na Guatemala e em Honduras.
"No Brasil, o crescimento dos pentecostais (uma das correntes evangélicas) foi tão forte que o país hoje tem a maior população pentecostal do mundo. Superior até à dos Estados Unidos", explicou à AFP Andrew Chesnut, diretor de Estudos Católicos na Virginia Commonwealth University dos Estados Unidos.
"As igrejas evangélicas conseguiram responder melhor às necessidades das novas gerações de latino-americanos, especialmente em contextos de transformações sociais aceleradas, caracterizadas por uma urbanização e uma globalização acelerada", explica William Mauricio Beltrán, especialista em religião e professor da Universidade Nacional da Colômbia.
"Todos esses processos deixaram grandes setores da população excluídos, ou com oportunidades muito escassas", observou.
Para os dois professores, os escândalos de pedofilia que afetam a Igreja católica, como se viu no Chile, devem levar cada vez mais pessoas a se aproximarem dos movimentos evangélicos.
"As temáticas preferidas dos evangélicos estão cada vez mais presentes no debate público" regional, afirma Gaspard Estrada, especialista em América Latina no Instituto de Estudos Políticos (Sciences Po) de Paris.
A controversa mudança da embaixada da Guatemala em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, em maio; o apoio ao "Não" no referendo dos acordos de paz entre o governo da Colômbia e a ex-guerrilha Farc, em outubro de 2016; ou o respaldo ao impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2017, foram manifestações dessas crescente influência.
A fé evangélica foi um fator que contribuiu para o presidente da Guatemala, Jimmy Morales, decidir migrar a embaixada: os evangélicos respaldam com fervor Israel porque pretendem que os judeus reconstruam seu templo em Jerusalém, o que facilitaria, segundo sua crença, o retorno de Cristo.
"Os pastores evangélicos intervêm muito mais na vida cotidiana de seus fiéis e não têm problema algum de pedir voto para alguém", destaca Estrada.
No Brasil, a influente Igreja Universal do Reino de Deus pediu abertamente apoio a Jair Bolsonaro, candidato elogioso à ditadura militar (1964-1989) que lidera as pesquisas de intenção de voto.
"As eleições recentes no Chile, na Costa Rica, no México, na Colômbia, na Guatemala e a de domingo no Brasil revelam uma polarização crescente do eleitorado e um giro político à direita", avalia o americano Andrew Chesnut.
"Mesmo na esquerda, (o presidente eleito do México Andrés Manuel) López Obrador avaliou que devia se aliar a um pequeno partido conservador, fundado por um pastor pentecostal, para garantir seu triunfo".
Para Gaspard Estrada, da Sciences Po, o que se vê na região é "mais uma vitória da alternância" que uma guinada à direita.
"Os escândalos de corrupção, a carência de lideranças e a falta de crescimento" econômico levaram a uma "radicalização do eleitorado na América Latina", acredita ele.
"Esta afirmação do voto evangélico e conservador é uma reação ao avanço do voto feminista e da sociedade civil", considera Estrada.
"As igrejas evangélicas conseguiram se tornar um novo ator político cujo papel e poder deve ser considerado a cada vez que se considera a disputa eleitoral", concluiu o colombiano William Mauricio Beltrán.