Alan Garcia, em foto de 2006: a Odebrecht afirmou ter pago 29 milhões de dólares em propina no Peru entre 2005 e 2014 (Ivan alvarado/Reuters)
Carolina Riveira
Publicado em 17 de abril de 2019 às 16h56.
Última atualização em 21 de fevereiro de 2020 às 23h47.
Não um, nem dois, mas quatro: essa é a quantidade de ex-presidentes do Peru que são investigados por relações com a empreiteira brasileira Odebrecht. Nesta quarta-feira, a América do Sul amanheceu estarrecida com a notícia de que um deles, o ex-presidente Alan García, havia dado um tiro na própria cabeça após receber ordem de prisão da polícia peruana. Ele chegou a ser socorrido, mas não resistiu e teve o falecimento confirmado pouco tempo depois.
Presidente do Peru entre 1985 e 1990 e novamente de 2006 a 2011, García foi alvo de um pedido de prisão temporária, de dez dias, devido a investigação de propinas que teria recebido da Odebrecht para a construção de uma linha de metrô na capital peruana, Lima — projeto no qual a empresa brasileira estava envolvida. Também foi preso seu braço-direito na época de governo, Luis Nava, que teria recebido 4 milhões de dólares da Odebrecht. O ex-presidente chegou a pedir asilo no Uruguai no ano passado, mas teve o pedido negado.
O caso de García é um dos desdobramentos de um acordo de delação fechado em fevereiro entre a Odebrecht e a Justiça peruana, que de lá para cá, vem intensificando as investigações que recaem sobre o alto escalão do poder no país.
A Odebrecht afirmou ter pago 29 milhões de dólares em propina no Peru entre 2005 e 2014 para obtenção de contratos, e todos os presidentes desse período estão envolvidos. Alejandro Toledo (2001-06) está nos Estados Unidos e é considerado fugitivo da Justiça por ter feito o representante da Odebrecht no Peru prometer propinas de 36 milhões de dólares em troca de concessão de obras. Já Ollanta Humala (2011-16) foi condenado e preso em 2017, junto com a esposa, Nadine, por ter recebido doações irregulares para sua campanha.
O último presidente, Pedro Pablo Kuczynski (2016-18), o PPK, foi eleito em 2016 com a promessa de uma agenda anticorrupção e a imagem de economista liberal e ex-banqueiro. Em 2017, sobreviveu a um processo de impeachment acusado de ter recebido propinas da Odebrecht quando era ministro de Alejandro Toledo. A Odebrecht afirma que repassou 782 mil dólares à empresa de consultoria de PPK. Pouco tempo depois do processo de impeachment, diante de novas evidências que incluíram vídeos mostrando compra de votos, ele próprio decidiu renunciar no ano passado. Agora, foi preso no último dia 10 de abril.
Nem a oposição escapou: Keiko Fujimori, filha do ditador Alberto Fujimori (presidente entre 1990 e 2000) e que concorreu contra PPK nas eleições de 2016, é acusada de receber dinheiro ilícito em sua campanha de 2011. No ano passado, foi presa preventivamente por três anos e deve permanecer na prisão por algum tempo.
A semana foi movimentada na política peruana. Além da prisão e da trágica morte de García, PPK foi levado para o hospital diante de problemas de hipertensão na terça-feira após descobrir que sua pena poderia ser aumentada para 36 meses.
O Peru, tal qual o Brasil, tem uma força-tarefa destinada a investigar as acusações da “Lava-Jato peruana”. A Odebrecht admitiu ter pago propinas em pelo menos 12 países, e, além do Brasil, o Peru é o que está com as investigações mais avançadas, e os peruanos vêm trabalhando em conjunto com os brasileiros nas investigações. Já são mais de 20 operações, que se intensificaram no ano passado.
Estima-se que o custo do superfaturamento das obras ligadas à Odebrecht tenha chegado a 3 bilhões de dólares. Com o acordo de colaboração, a Odebrecht se comprometeu a pagar 230 milhões de dólares à Justiça peruana e oferecer mais informações.
Tantos capítulos da Lava-Jato peruana podem até mesmo fazer frente às operações brasileiras, que tomam o noticiário do país há cinco anos. Mas, embora o Brasil seja o berço da Odebrecht e da Lava-Jato, há “apenas” dois ex-presidentes que já foram presos ou indiciados por aqui: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-presidente Michel Temer, além de outros políticos de alto escalão.
O que explica, portanto, tantos presidentes e políticos peruanos envolvidos? Parte deve-se ao simples fato de que o Peru, nesse intervalo de pouco mais de 15 anos, teve mais presidentes que o Brasil. A legislação peruana não permite reeleição, de modo que cada presidente cumpre seu mandato de cinco anos e só pode se candidatar novamente passada uma eleição.
Outro motivo, como aponta Samuel Rotta, vice-diretor executivo da organização peruana Proética, capítulo da Transparência Internacional no Peru, é que, tal qual no Brasil, o cenário peruano mostra que a corrupção não tem lado político, com políticos de esquerda e direita implicados nos escândalos. “A sensação é que, infelizmente, o cenário é muito parecido em todos os países da região. Os que não estão tendo escândalos trazidos à tona é porque possivelmente não têm equipes ou autonomia suficiente para conduzirem essas investigações”, diz.
Assim, os desdobramentos da Odebrecht abriram uma caixa de pandora dos escândalos de corrupção na América Latina — e também na África. A empreiteira já fechou acordos com as autoridades em oito países, mas ainda falta Argentina, Colômbia, Venezuela e Angola. Ou seja: há potencial de novas revelações por aí. E uma vez expostos os escândalos, a opinião pública peruana também vem pressionando para que os casos sejam investigados e para que reformas sejam feitas.
Um exemplo aconteceu justamente no acordo de colaboração premiada da Odebrecht. No fim do ano passado, o procurador-geral peruano, Pedro Gonzalo Chávarry, foi denunciado por tentar “entorpecer e obstruir o acordo de colaboração com a empresa Odebrecht”, como apontou o Ministério Público na denúncia.
Agora, o atual presidente do Peru é, desde março de 2018, Martín Vizcarra, vice de PPK. Rotta afirma que o novo presidente vem tentando levar adiante uma agenda anticorrupção que já vinha sendo demandada pelas organizações especializadas há algum tempo, como uma reforma política e do judiciário (esse também altamente envolvido em escândalos no Peru).
As próximas eleições no Peru acontecem somente em 2021. Até lá, a ver se Vizcarra consegue terminar seu meio-mandato sem aparecer também nas planilhas peruanas da Odebrecht. Ao contrário do Brasil, ao menos o Peru conseguiu aliar uma corrupção endêmica com crescimento econômico que ficou perto ou acima dos 5% em quase todos os anos desde 2005. O risco, para o Peru, é que a farra da corrupção esfrie a festa da economia — como aconteceu com seu vizinho mais famoso.