Haiti: crise no país conta com fuga de detentos, rebeliões e ameaça de guerra civil. (RICHARD PIERRIN/AFP /Getty Images)
Agência de notícias
Publicado em 9 de março de 2024 às 18h00.
A violência dos grupos armados não é novidade no Haiti, mas as gangues que dominam o país se profissionalizaram e dispõem de maior poder de fogo que a polícia para realizar tráficos de todos os tipos ou sequestros para cobrar resgate.
Na noite de sexta-feira, ocorreram disparos esporádicos na capital, Porto Príncipe, constatou um correspondente da AFP, enquanto os habitantes da cidade buscavam desesperadamente refúgio para escapar da atual onda de violência.
"As gangues são um fenômeno de longa data no Haiti. Elas estão ligadas a uma tradição de grupos armados não estatais que remonta aos anos 50, com o desenvolvimento dos 'tonton macoutes' do presidente François (Papá Doc) Duvalier", explica a ONG Iniciativa Global contra o Crime Organizado Transnacional em um relatório publicado em fevereiro.
Entre 1957 e 1986, o ditador "Papá Doc" e depois seu filho, Jean-Claude Duvalier, submeteram a população ao controle total dessa milícia pessoal.
No início dos anos 2000, as "Chimeres", partidários armados do então presidente Jean Bertrand Aristide, semearam o terror.
E hoje, "a influência dos políticos e dos atores financeiros nas atividades das gangues é de caráter sistêmico", estimam os especialistas das Nações Unidas responsáveis pelo monitoramento das sanções contra os líderes das gangues em seu último relatório de setembro de 2023.
O documento da ONU estima que no Haiti operam 200 gangues, grupos organizados que utilizam "armas de fogo sofisticadas" e se dedicam ao "tráfico de armas ou drogas, extorsão, sequestro, assassinato, violência sexual e desvio de caminhões".
Aproximadamente 23 gangues operam na capital e controlam 80% do território.
Elas estão agrupadas em duas coalizões principais envolvidas em guerras territoriais: a "Família G9", liderada por Jimmy Chérizier, conhecido como "Barbecue", e o G-Pèp.
Mas vários de seus líderes se uniram para os ataques dos últimos dias contra locais estratégicos do país, exigindo a renúncia do primeiro-ministro Ariel Henry.
"Unir-se é a única maneira de as gangues terem uma influência em larga escala sobre o que está acontecendo agora no país e no desenvolvimento do próximo governo", explica à AFP Robert Fatton, da Universidade da Virgínia, embora duvide que esta aliança "oportuna" possa se manter a longo prazo.
A missão de paz da ONU (Minustah), implantada entre 2004 e 2017, obteve alguns sucessos contra as gangues, mas depois elas consolidaram seu poder, tanto em número de armas quanto em calibre.
"Eles possuem arsenais cada vez mais sofisticados e seu poder de fogo supera o da polícia", indicam os especialistas da ONU.
Embora as pistolas e rifles semiautomáticos continuem sendo as armas mais utilizadas, eles também têm metralhadoras leves e balas de ponta oca.
Alguns aumentaram suas capacidades táticas, recrutando ex-soldados ou policiais, enquanto outros usam drones para identificar potenciais vítimas de sequestro ou controlar o território.
Cinco líderes de gangues estão sujeitos a sanções da ONU (proibição de viagens, congelamento de ativos, embargo de armas).
"Barbecue", uma das figuras proeminentes da violência nos últimos dias, é provavelmente o líder da gangue mais poderosa, composta por muitos ex-policiais como ele.
Johnson André, conhecido como "Izo", líder da gangue 5 Segond e membro da aliança G-Pèp, "desempenha um papel cada vez mais influente", recrutando jovens dos bairros pobres em troca de dinheiro ou comida, de acordo com a ONU.
Também está na lista Vitelhomme Innocent, líder do Kraze Barye, um dos 10 fugitivos mais procurados pelo FBI dos Estados Unidos, que oferece dois milhões de dólares por informações que levem à sua captura.
Segundo a Iniciativa Global, a extorsão é a principal fonte de renda dessas gangues, que exigem dinheiro das empresas em troca de sua proteção e cobram "pedágios" dos veículos que circulam pelas estradas que controlam.
Para sair ou entrar em Porto Príncipe, "é preciso estar disposto a pagar um imposto criminoso oficial ou arriscar a própria vida", disse Ulrika Richardson, coordenadora humanitária da ONU no Haiti.
O sequestro "se tornou uma indústria que gera milhões de dólares por ano", destaca a ONG.
Segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, desde 2021 o país também tem experimentado um aumento no tráfico de armas, provenientes principalmente dos Estados Unidos.
O Haiti continua sendo, ao mesmo tempo, um território "de trânsito de drogas, principalmente cocaína e cannabis".