John Bolton e Donald Trump: ex-conselheiro da Casa Branca se tornou peça chave nas investigações sobre o presidente norte-americano (Leah Millis/File Photo/Reuters)
Gabriela Ruic
Publicado em 14 de setembro de 2019 às 06h00.
Última atualização em 14 de setembro de 2019 às 13h21.
São Paulo -Com a demissão de John Bolton como conselheiro de segurança nacional dos EUA na terça-feira, o presidente Donald Trump perdeu sua voz mais combativa.
O mandato de Trump tem sido marcado por uma abordagem pouco ortodoxa para as crises globais, como sua iniciativa de se encontrar com Kim Jong Un e sua postura amigável em relação a Vladimir Putin.
O secretário de Estado Michael Pompeo - também do pelotão linha-dura em muitos aspectos - agora está nos dois lados da política externa de Trump. Mas a saída de Bolton, que trouxe o espírito intervencionista à agenda do “America First” de Trump, pode pressagiar uma mudança na abordagem dos EUA em relação a vários países.
Trump fez campanha com a promessa de acabar com as "guerras eternas" dos Estados Unidos. A mais longa delas é a do Afeganistão, onde os EUA possuem tropas há 18 anos. A demissão de Bolton remove um claro obstáculo ao cumprimento dessa promessa, já que ocorreu dias após uma divergência sobre os planos de Trump (mais tarde abandonados) de convidar líderes do Talibã para seu retiro em Camp David. E isso pouco antes do aniversário dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001.
Nos bastidores, a notícia da demissão de Bolton foi recebida no Irã com alegria e interpretada como uma reafirmação das políticas do presidente Hassan Rouhani e de seu principal diplomata, Mohammad Javad Zarif. Publicamente, Alireza Miryousefi, porta-voz da missão do Irã na ONU, disse que "o Irã não está preocupado com as deliberações internas dos EUA".
Os israelenses estão preocupados. Sem Bolton na Casa Branca, Israel perdeu o oponente mais forte do envolvimento dos EUA contra o arqui-inimigo Irã. São notícias particularmente negativas para Netanyahu, atualmente em uma disputa acirrada nas eleições da próxima semana.
A demissão de Bolton poderia melhorar as perspectivas de algum tipo de acordo entre Trump e Kim Jong Un. Bolton era um dos maiores céticos sobre um pacto com Pyongyang, tornando-se alvo da mídia estatal da Coreia do Norte - embora trate Pompeo com desprezo semelhante.
Aparentemente, Trump já havia impedido Bolton de tomar decisões sobre a Coreia do Norte: enquanto estava fazendo história como o primeiro presidente dos EUA a pisar no país em junho, seu conselheiro de segurança nacional estava a cerca de 1.900 quilômetros de distância na Mongólia.
Quando Trump fez a surpreendente declaração de que estava retirando completamente as tropas americanas da Síria, Bolton ajudou a orquestrar esse plano. Os EUA acabaram mantendo as tropas em uma base estrategicamente posicionada para monitorar a atividade iraniana na Síria, e Bolton publicamente contradisse o presidente com a promessa de proteger os curdos que foram fundamentais na luta contra o Estado Islâmico. Mas Trump ainda quer sair.
O fracasso até agora dos esforços dos EUA para derrubar Nicolás Maduro na Venezuela ajudou a minar o apoio de Trump a Bolton. Após sua demissão, uma "reconfiguração" das políticas dos EUA em relação a Caracas, incluindo o apoio de Trump ao líder da oposição Juan Guaidó, está nos planos, de acordo com um diplomata brasileiro a par das discussões.
Elliott Abrams, o representante especial dos EUA para a Venezuela, insistiu na quarta-feira que a saída de Bolton não terá impacto na política em Washington, onde disse que o apoio a Guaidó "é verdadeiramente bipartidário". No entanto, Trump deixou claro na quarta-feira que não gostou de todos os conselhos que recebeu de Bolton sobre a Venezuela.