Salah Abdeslam, suposto autor dos atentados em Paris, é preso em Molenbeek: bairro belga é conhecido por ser reduto de imigrantes (Reuters)
Gabriela Ruic
Publicado em 30 de março de 2016 às 10h15.
São Paulo – O terror que vive a Bélgica desde os ataques terroristas da semana passada parece estar longe do fim, uma vez que as autoridades do país ainda lutam para conseguir montar o quebra-cabeça que foi o planejamento desses atos, identificar os seus autores e determinar as suas ligações aos atentados em Paris em novembro do ano passado.
A intensidade e abrangência dos ataques revelaram a existência de uma sofisticada rede terrorista em operação no coração da Europa. Expuseram também a fragilidade da atuação do governo belga na prevenção e na contenção do fenômeno jihadista que toma conta do país, o europeu com o maior número per capita de militantes na Síria e no Iraque combatendo ao lado do grupo Estado Islâmico (EI).
De acordo com o Centro de Estudos de Radicalização e Violência Política (ICRS) da King’s College de Londres, ao menos 500 belgas viajaram para os territórios dominados pelo EI com a intenção de participar da luta pelo estabelecimento do califado. “Esse número é duas vezes maior que o registrado na França e quatro vezes maior que o do Reino Unido”, comentou a EXAME.com o Dr. Shiraz Maher, pesquisador do ICRS especializado no tema.
Tais constatações trouxeram à tona um questionamento inevitável: como, afinal, a Bélgica se tornou um reduto terrorista e um criadouro de jihadistas? Essa resposta é complexa e envolve uma série de fatores que incluem aspectos históricos, sociais e até geográficos desse pequeno país.
Terrorismo belga
Até então poupada de ataques, a Bélgica há tempos é ligada às atividades terroristas que aconteceram em outros países da Europa nos últimos anos. Guy Van Vlierden, jornalista belga que escreve no blog EmmeJihad, mostrou que a célula terrorista de radicais marroquinos por trás dos atentados ao metro de Madri, Espanha, em 2004, operavam da cidade de belga de Maaseik, que fica a pouco mais de 100 quilômetros de Bruxelas. Esse é apenas um dos vários exemplos apurados por ele.
Um dos grupos proeminentes do país no que diz respeito ao recrutamento de jovens para a guerra na Síria chamava-se Sharia4Belgium, que encerrou as atividades em 2012 após jurar lealdade ao EI. Van Vlierden realizou uma extensa pesquisa acerca do surgimento desse grupo, cujo líder Fouad Belkacem está preso desde o ano passado.
Segundo ele, pouco se sabe sobre as ligações estrangeiras que o Sharia4Belgium contava, mas sua investigação revelou que muitos de seus membros participaram de outra facção, mais abrangente, e que atuou na Bélgica, Holanda e na França. Ela teria sido liderada por Amr al-Absi, uma das figuras-chave na ascensão do EI.
Quando muitos deles deixaram a Bélgica para a Síria ou Iraque, continuaram em contato com amigos e familiares ávidos por histórias de aventuras, embora menos radicalizados. “E uma das consequências disso é que hoje há um número considerável de jovens belgas expostos às mensagens extremistas e que consideram esses atos (terroristas) aceitáveis”, escreveu Van Vlierden.
Contexto atual
“Não é fora do comum que terroristas ataquem outras cidades, enquanto mantém as suas longe da violência”, explicou Rebecca Zimmerman, analista da RAND Coporation. “É o que vimos na outra semana: Bruxelas aparentava ser pacífica (com exceção dos atos no Museu Judaico em 2014), mas isso só mascarou o que acontecia”.
Dono de uma comunidade muçulmana diversa, marginalizada em termos sociais e econômicos, e com um governo disfuncional, o país acabou por ganhar pontos nos quais a presença do Estado é mínima, como o bairro de Bruxelas chamado Molenbeek.
Com pouco menos de seis mil quilômetros quadrados de área e ocupado por uma maioria de imigrantes de diferentes origens, é conhecido como um local no qual o tráfico de drogas e a violência são a regra. É também o bairro no qual cresceram alguns dos terroristas envolvidos nos ataques na capital belga na última semana, nos que ocorreram em Paris em novembro passado e também no massacre ao satírico francês Charlie Hebdo em janeiro de 2015.
“Vemos esse tipo de problema nessas comunidades em toda a Europa, mas essa combinação particular de isolamento, falta de oportunidades e inabilidade de o Estado conseguir ser presente nesses bairros criaram uma oportunidade única para o terrorismo na Bélgica”, considerou Rebecca.
O papel de Molenbeek nos atos terroristas recentes em solo europeu foi, inclusive, reconhecido pelo primeiro ministro belga Charles Michel. “Quase todas as vezes, há uma ligação com o bairro”, disse ele dias após os incidentes em Bruxelas. “Já tentamos a prevenção. Mas agora temos de repreender”, declarou.
Mudanças nos padrões
Os atentados em Bruxelas revelaram ainda uma possível mudança no comportamento e na estratégia dos terroristas. E é possível que a pressão das ações policiais recentes, e que incluem, por exemplo, a prisão de Salah Abdeslam, suspeito de ser um dos autores dos ataques em Paris, tenha contribuído para que optassem por agir em seu quintal.
“Não sabemos se os atos foram uma retaliação à prisão de Abdeslam”, comentou Yann Duzert, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), “mas foi definitivamente uma maneira de dizer que eles não serão facilmente derrotados”, pontuou.
Especialistas notam ainda a adoção de uma tática para disseminar a insegurança, por meio da demonstração do poder e da abrangência dos seus atos. José Niemeyer, coordenador de Relações Internacionais do IBMEC, crê que, daqui pra frente, os terroristas devem passar a considerar o desenho da União Europeia e os seus problemas internos no planejamento dos próximos ataques.
“Os atentados na Bélgica mostram um novo laboratório, no qual estão tentando criar uma logística mais eficaz, favorável a ataques mais intensos e realizáveis em espaços de tempo menores”, considerou.
Ataques em Bruxelas
Os ataques na terça-feira passada deveriam ter sido executados por quatro terroristas: três no aeroporto de Zaventem e um na estação de metrô de Maalbeek.
No primeiro local de ataque, o aeroporto, os atos foram executados por Ibrahim El Bakraoui e Najim Laachraoui, que morreram, e um terceiro homem que ainda não foi identificado e que está foragido. Acredita-se que ele tenha escapado do local depois de a sua bomba ter falhado. Já no segundo local, a estação, quem agiu foi Khalid El Bakraoui, irmão de Ibrahim, que também morreu.
Até o momento, ao menos 35 pessoas morreram e mais de 300 ficaram feridas, mas é possível que o número de mortos continue a subir.