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Comediantes vivem bom momento em meio ao caos na Venezuela

Comediantes stand-up estão tendo seu melhor momento, com shows quase todos os dias da semana para o público miserável

Trabalhador em Caracas, na Venezuela: comediantes estão faturando alto com a crise que o país vive (Carlos Becerra/Bloomberg)

Trabalhador em Caracas, na Venezuela: comediantes estão faturando alto com a crise que o país vive (Carlos Becerra/Bloomberg)

Gabriela Ruic

Gabriela Ruic

Publicado em 17 de agosto de 2019 às 06h00.

Última atualização em 17 de agosto de 2019 às 06h00.

Uma tirada da apresentação é risada na certa: “Levante a mão quem está aqui só porque tem eletricidade.”

Foi uma piada fácil para Oscar Martinez, um artista entre dezenas de comediantes que atraem público na miserável capital da Venezuela. Ele também acertou quando escolheu um casal da plateia, fez algumas perguntas e descobriu que a mulher tinha passaporte espanhol: “Então você noivou e vai emigrar ou você noivou porque vai emigrar?” O público gargalhava.

A crise é oficialmente motivo de risada. Os venezuelanos transformam catástrofe em piada num piscar de olhos. É tradição de um povo barulhento, irreverente, informal além da conta e tremendamente engraçado. Mas os comediantes stand-up estão tendo seu melhor momento, com shows quase todos os dias da semana.

Em uma cidade com pouca diversão, “os comediantes são as novas celebridades”, disse Camila Mirabal, 23 anos, que trabalha com recursos humanos. A imensa maioria não tem dinheiro para jantar fora ou pegar um cinema e não há tantas opções — nem passear nos shopping centers porque as lojas estão vazias. Nos locais onde os comediantes se apresentam, raramente se paga entrada e a consumação equivale a uma ou duas cervejas.

Vestido com uma chamativa camisa florida, Martinez tem outra explicação, recorrendo ao ditado de que rir é o melhor remédio. “É muito caro fazer terapia”, disse o artista de 31 anos após se apresentar no Cusica, em um bairro de elite. “E nós precisamos falar do que está acontecendo.”

E diante do que acontece, “as piadas praticamente surgem sozinhas.”

As dificuldades — prateleiras vazias nos supermercados, blecautes, falta d’água e a permanência de Nicolás Maduro no poder, entre tantas outras —são matéria-prima. É humor negro diante do desespero e da desesperança. A linha que separa tragédia e comédia fica cada vez mais tênue na Venezuela.

A política entra na conversa, mas a liderança não aprecia risadas às suas custas. Dois bombeiros em Merida foram presos por mais de um mês no ano passado após postarem um vídeo de um jumento visitando seu local de trabalho e se referindo ao animal como Maduro.

“Rir é subversivo quando você sabe que te coloca em perigo”, disse Ricardo del Bufalo, 27 anos, que em suas apresentações fala sobre escovar os dentes com creme dental Colgate falsificado e do seu consumo exagerado de álcool por causa de eleições fraudadas.

Em uma apresentação recente no La Intima, Alessio Vargas imitou a mãe de Maduro, com um sotaque colombiano carregado, se referindo à teoria de que o comandante da Venezuela nasceu do outro lado da fronteira — e ao desejo ardente de que ele tivesse ficado por lá.

Martinez costuma falar dos obstáculos cotidianos, debochando de si mesmo e mostrando para a plateia que também é vítima. Ele fala de política de tempos em tempos. No palco do Cusica, ele estufou a barriga para imitar uma pessoa que anda comendo bem e disse “Sei que tenho o corpo de um chavista.” O público foi ao delírio.

A maioria desses artistas se apresenta na zona leste de Caracas, onde mora a população mais abastada. Aparentemente, não existem comediantes chavistas.

Os shows de comédia em Caracas estão em uma bolha, disse Alessandra Hamdan, 32 anos, diretora da companhia de teatro Improvisto. “Basicamente estamos dando tapinhas nas costas uns dos outros.” Não importa. “Estamos desesperados para rir.”

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