José Maria Marin: em maio de 2015, Marin e outros seis dirigentes da Fifa haviam sido presos a pedido dos Estados Unidos (Alexandre Schneider/Getty Images)
AFP
Publicado em 5 de novembro de 2017 às 17h35.
O ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) José Maria Marin, preso desde 2015 por envolvimento no escândalo de corrupção na Fifa, começará a ser julgado pela justiça dos Estados Unidos nesta segunda-feira, em Nova York.
Dois anos e meio depois de ser detido na Suíça e extraditado para a cidade nova-iorquina, onde cumpre prisão domiciliar à espera do julgamento, o ex-chefão do futebol brasileiro encara o início do julgamento que promete sacudir o mundo do futebol.
Em maio de 2015, Marin e outros seis dirigentes da Fifa haviam sido presos a pedido dos Estados Unidos em um hotel de luxo de Zurique onde estavam hospedados, às vésperas do congresso da entidade que rege o futebol no mundo.
A investigação do governo americano revelou um esquema de corrupção na Fifa que permitia aos dirigentes e empresários encherem os bolsos com a negociação ilegal e superfaturada dos direitos de transmissão de jogos.
"Um estilo de vida"
Os números impressionam: 42 dirigentes do futebol e empresários das Américas, além de três empresas, foram indiciados pela justiça americana numa acusação de 236 páginas, que descreve 92 delitos em 15 esquemas de corrupção no valor de 200 milhões de dólares durante 25 anos.
"Isso era generalizado, através de países, através de federações. Era um estilo de vida!", acusou uma promotora encarregada do caso, Kristin Mace, em abril.
Os acusados distribuíam ou recebiam contratos de televisão e marketing de jogos das eliminatórias para a Copa do Mundo em troca de subornos, pagos com maletas cheias de notas ou por complicados esquemas bancários. Agora, terão que responder às acusações de associação com outros integrantes da Fifa, fraude bancário, lavagem de dinheiro e crime organizado.
Mas apenas Marin, Manuel Burga, ex-presidente da federação peruana, e Juan Ángel Napout, ex-presidente da Conmebol, irão a julgamento nos Estados Unidos, num processo complexo que poderá durar semanas, ou até meses, e no qual os promotores irão apresentar 350.000 páginas de documentos como prova, além de dezenas de testemunhos.
Um júri popular ficará encarregado do veredito. Caso sejam declarados culpados, a juíza Pamela Chen poderá sentenciar os ex-dirigentes a até 20 anos de prisão. Os advogados dos acusados não quiseram comentar os casos antes do início do processo.
Poder dissuasivo
Os outros 24 acusados que estão nos Estados Unidos se declararam culpados. Dois já foram sentenciados pela juíza Chen a penas relativamente curtas em outubro. É o caso de Héctor Trujillo, ex-secretário da federação de futebol de Guatemala, que ficará oito meses na prisão.
"De alguma maneira, você destruiu seu país, o futebol é o amor nacional, algo patriótico", declarou Chen ao revelar a sentença a Trujillo.
Com isso, 22 acusados aguardam as sentenças. Entre eles está Jeffrey Webb, das Ilhas Cayman, acusado de receber mais de seis milhões de dólares em subornos, com os quais comprou propriedades imobiliárias, relógios de luxo e mandou construir uma piscina em sua casa, segundo a promotoria.
Quinze acusados estão em seus países de origem, onde foram ou estão sendo julgados pelos mesmos delitos, e alguns brigam contra a extradição aos Estados Unidos. É o caso de Jack Warner, ex-vice-presidente da Fifa e ex-presidente da Concacaf oriundo de Trinidade e Tobago, suspenso à vida de toda atividade ligada ao futebol pelo Comitê de Ética da Fifa.
"A Fifa me deve dinheiro", declarou um desafiador Webb à AFP esta semana. "Acabei de começar os trâmites para recuperar o que me devem, porque se (Joseph) Blatter e outros recuperaram o deles, por que não eu?".
Blatter estava a ponto de ser reeleito presidente da Fifa quando a polícia suíça realizou as prisões em Zurique. O escândalo forçou sua renúncia dias mais tarde. Junto com seu ex-braço direito, o francês Jerôme Valcke, Blatter foi indiciado pela justiça suíça e suspenso de qualquer atividade ligada ao futebol por vários anos.
O governo americano começou a investigar a corrupção no futebol internacional em 2011, quando a Receita Federal dos Estados Unidos prendeu Chuck Blazer, ex-integrante do comitê executivo da Fifa e ex-secretário-geral da Concacaf por 21 anos. O americano vivia como um rei em Nova York na Trump Tower, mesmo edifício em que Marin cumpre prisão domiciliar.
Blazer, que faleceu em julho de câncer, aceitou colaborar com o FBI, gravando secretamente os colegadas na Fifa em troca de uma redução de pena.
"O futebol continuará sendo jogado em pequenos parques de vizinhança e em luxuosos estádios pelo mundo, mas a vasta investigação do FBI não acabará até que todos os envolvidos em cada aspecto da corrupção e no pagamento de propinas respondam na justiça", declarou há uma semana o chefe do FBI em Nova York, Bill Sweeney.