Imagem mostra o aquecimento do oceano: caso as previsões se confirmem, cairá uma enorme tempestade em uma região já maltratada por outros graves problemas, como a fome e o terrorismo (Reuters / NOAA)
Da Redação
Publicado em 16 de outubro de 2015 às 08h20.
Nairóbi - Nas barraquinhas do meio da rua, dentro dos ônibus ou nos escritórios, o fenômeno climático conhecido como El Niño se transformou em um tema de conversa habitual entre os habitantes do Chifre da África, que esperam aterrorizados o pior temporal das duas últimas décadas.
El Niño (pronunciado sem o som de "nh" nesta região africana) é um fenômeno climático relacionado ao aquecimento do oceano Pacífico e que afeta o Chifre da África na forma de fortes chuvas ou fortes secas. Este ano, é a vez da chuva.
Moradores da Somália, Djibouti, Quênia, Uganda e Etiópia se pegam olhando para o alto com medo das grandes perdas que se aproximam com a chegada do temporal este mês, que será um dos piores, conforme calculam especialistas em meteorologia.
Caso as previsões se confirmem, cairá uma enorme tempestade em uma região já maltratada por outros graves problemas, como a fome e o terrorismo, e possui uma situação muito precária para fazer frente às consequências de El Niño.
O governo do Quênia, por exemplo, orçou os custos de emergência em 5 bilhões de xelins (R$ 185,2 milhões), mas a ONU há meses vem pedindo mais meios para combater os efeitos esperados: um grande número de deslocados, plantações perdidas e danos em infraestruturas.
El Niño é um velho conhecido da região mais ao leste da África, onde ele faz aparições em ciclos que variam entre dois e sete anos e, por isso, os africanos o temem.
O pior ciclo na região foi em 1997: mais de duas mil pessoas, somalis em sua maioria, morreram durante o temporal e 1,5 milhão de habitantes se viram obrigados a abandonar suas casas ou perderam suas famílias, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
Se já foi capaz de provar toda a sua fúria uma vez, os africanos acreditam que este ano El Niño pode se mostrar tão nefasto quanto. O devastador fenômeno meteorológico aumentou sua variabilidade nos últimos anos e, por isso, é difícil prever o impacto, de acordo com os especialistas.
As Nações Unidas informaram esta semana que a Etiópia precisa "com urgência" de US$ 164 milhões para "tratar as necessidades alimentares e não alimentares do país para o resto do ano".
O governo etíope, por sua vez, já informou que o número de pessoas que precisará de "assistência com urgência" pode chegar a 8,2 milhões.
"O desafio que temos pela frente é muito grave e será necessário um esforço coletivo da comunidade internacional para apoiar os governos com respostas aos piores efeitos de El Niño", disse o diretor regional do Programa Mundial de Alimentos (WFP), John Aylieff.
A Somália, que vive em um estado de guerra e caos desde 1991 e sofre contínuos ataques do grupo terroristas Al Shabab, deverá enfrentar agora as consequências deste temido fenômeno, já que o rio Shebelle, no centro do país, será um dos mais afetados, conforme a previsão da FAO.
As chuvas chegarão em um momento no qual cerca de 343 mil crianças somalis estão em risco de desnutrição aguda e 885 mil pessoas vivem com muita dificuldade para se alimentar diariamente, segundo a organização.
O risco de fortes inundações aumentará as possibilidades de um surto de febre no Vale do Rift e outras doenças transmitidas através da água, como a diarreia e a cólera, e que já atingiram milhares de cidadãos na região nos últimos meses.
No entanto, o temporal está se atrasando. Os especialistas esperavam que ele chegasse há uma semana no Quênia, mas ainda não começou a chover e muitos se perguntam com ceticismo: "Será que erraram a previsão?".
No meio da tarde, quando o céu de Nairóbi começa a ficar nublado, o taxista Solome Mburu avisa: "El Niño is coming" ("El Niño está vindo"), para inquietação do cliente, que sabe que isso é sinônimo de problema também por conta da ausência de um sistema de águas e esgoto da cidade.
"Nos, africanos, não sabemos nadar, por isso estamos tão assustados", brincou Judy, funcionária de um mercado local em Nairóbi.