Javier Milei: o gabinete da Presidência emitiu uma nota parabenizando as forças de segurança "por suas excelentes ações de repressão aos grupos terroristas" (JUAN MABROMATA/AFP)
Agência de notícias
Publicado em 12 de junho de 2024 às 19h37.
O presidente da Argentina, Javier Milei, tentará nesta quarta-feira (e provavelmente na quinta-feira) obter talvez sua maior vitória no Congresso desde que assumiu o cargo há seis meses: o Senado começou a analisar o projeto de Lei de Bases, que traz ousados planos de reforma do Estado. A proposta inicial, com mais de 600 artigos, foi rechaçada em fevereiro, desidratada e aprovada pela Câmara em abril, e mesmo depois de meses de negociações o resultado final é incerto.
Nas ruas próximas, houve confronto entre policiais e manifestantes, cinco deputados foram hospitalizados e ao menos 40 pessoas precisaram de atendimento — para o governo, a violência foi uma "tentativa de realizar um golpe de Estado".
Com regulação branda, Milei quer tornar Argentina em polo da inteligência artificialMilei chega ao plenário com uma margem mínima. Horas antes do início do debate, dois senadores da província de Santa Cruz, José Carambia e Natalia Gadano, disseram que não dariam quórum à sessão, impedindo a abertura dos trabalhos, e exigindo que ao menos dois senadores atuassem para garantir o prosseguimento dos debates.
"O esforço dos argentinos nestes meses é colossal, esperamos (com esta lei) lançar as bases do progresso", disse em seu discurso de abertura o senador governista Bartolomé Abdala, ao defender o projeto do Executivo.
A contenção dos focos de rebeldia não veio de graça. Assim como na Câmara, havia críticas ao texto aprovado pelos deputados, e os negociadores da Casa Rosada precisaram fazer novas concessões. Uma das mais importantes foi a retirada da Aerolineas Argentinas, dos Correios e da Rádio e Televisão Argentina da lista de empresas estatais da lista de privatizações.
O governo ainda se comprometeu a finalizar obras públicas que estejam com mais de 80% dos trabalhos concluídos ou que tenham financiamento internacional — logo depois de assumir, em dezembro do ano passado, Milei suspendeu todas as obras do Estado como parte de seu choque econômico o que levou a uma crise entre as empreiteiras locais. Organismos estatais que não estejam incluídos nas reformas do presidente libertário não terão seus orçamentos reduzidos, segundo o acordado nesta quarta. Por outro lado, ele conseguiu manter alguns dos poderes para tomar decisões de cunho econômico, administrativo, energético e financeiro sem precisar do aval do Legislativo.
Anunciada com pompa no final do ano passado, e inicialmente com mais de 600 artigos, a outrora conhecida como “Lei Ônibus” foi derrotada no Congresso em fevereiro, mesmo depois de perder quase metade de suas provisões. O plano inicial previa uma liberalização radical da economia, a derrubada de leis, privatizações e até mudanças em mecanismos como o divórcio. Após meses de negociações, concessões e ameaças, a Câmara aprovou a agora rebatizada Lei de Bases, que trazia 232 artigos, 432 a menos dos apresentados no final do ano passado, abrindo caminho para a votação no Senado.
"Eles passaram seis meses discutindo a Lei de Bases, que teria feito o ajuste ser menos doloroso, mas para a política isso não importa", disse Milei, durante um fórum econômico, em uma crítica ao que vê como demora do Legislativo para aprovar seu pacote.
A sessão desta quarta-feira está prevista para ser longa, assim como as que ocorreram na Câmara em abril e em fevereiro, quando o texto foi retirado da pauta a pedido do próprio governo, depois de uma série de derrotas. A Lei de Bases será a primeira a ser debatida, e deve ser votada em termos gerais ainda na noite desta quarta-feira, para que depois sejam apreciados os artigos.
Diante da margem estreita, analistas não descartam um empate em 36 votos a favor e 36 contra, um cenário raro e que poderia depender da vice-presidente Victoria Villarruel, que também é a presidente da Casa, para ser resolvido. Segundo o regimento interno, caso isso aconteça, uma nova discussão e uma nova votação devem acontecer logo após o empate. Se o resultado for o mesmo, cabe a Villarruel o voto de minerva.
Em seguida serão votados os artigos de forma separada, e alguns dos pontos nos quais o governo cedeu eram considerados derrotas certas, como a presença da Aerolineas Argentinas na lista de privatizações.
No começo da tarde, quando os senadores e emissários do governo debatiam o formato das discussões e votações, a associação local de aeroviários publicou uma foto de um grupo de sindicalistas reunidos com o Papa Francisco e portando duas bandeiras da companhia aérea.
A segunda etapa, que provavelmente ficará para a manhã de quinta-feira, é o debate e a votação do chamado pacote fiscal, que traz medidas também discutidas pelos senadores, como as mudanças no regime de regularização de bens não declarados no exterior, que eleva o limite isento de multa, na cobrança de imposto sobre bens e capitais, e de regularização de dívidas com o Estado. A expectativa é a mesma, de uma votação apertada e com possibilidade de empate, e negociações de última hora não estão descartadas. Como os projetos sofreram alterações, eles deverão retornar à Câmara para aprovação definitiva.
Se o clima dentro do Congresso era quente, do lado de fora houve confrontos intensos entre manifestantes contrários ao governo e as forças de segurança. Bombas e coquetéis molotov foram arremessados de lado a lado, e cinco deputados que participaram do ato foram hospitalizados após inalarem gás lacrimogêneo. O veículo de uma rádio de Córdoba foi incendiado durante o tumulto.
"É um dia muito violento, em 40 anos de democracia nunca tinha visto uma repressão assim", disse a deputada opositora Cecilia Moreau à AFP.
Além dos parlamentares, outras 40 pessoas precisaram de atendimento, de acordo com os manifestantes. A polícia também usou água com corante para identificar pessoas acusadas de promoverem ataques.
Pontos da lei, como as mudanças nas regras trabalhistas, as privatizações e os superpoderes concedidos a Milei são atacados por sindicalistas, partidos de esquerda e organizações setoriais, como os professores e aposentados. Além da manifestação, algumas organizações convocaram uma greve para esta quarta-feira.
"Não podemos acreditar que na Argentina estejamos discutindo uma lei que nos leva 100 anos para trás", afirmou à AFP Fabio Núñez, um advogado de 55 anos que participava do ato. Para a ministra da Segurança, Patricia Bullrich, as forças agiram de maneira correta, e não se portaram "com passividade diante de uma violência inusitada", declarou ao jornal Clarín.
Em meio aos relatos de violência, alguns senadores de oposição propuseram paralisar a discussão para que os parlamentares tentassem intermediar uma trégua.
"Vários senadores se comprometeram a sair em defesa das pessoas que se manifestam. É uma operação de segurança liderada pela Cidade de Buenos Aires e pelo Senado. Todos os senadores são responsáveis pela integridade física dos argentinos, especialmente a vice-presidente. Pela segunda vez peço que paremos com essa loucura", disse a senadora oposicionista Anabel Fernández Sagasti. Alguns parlamentares da oposição chegaram a deixar o plenário para a companhar a situação.
Em nota publicada no começo da noite, o gabinete da Presidência emitiu uma nota parabenizando as forças de segurança "por suas excelentes ações de repressão aos grupos terroristas que, com paus, pedras e até granadas, tentaram realizar um golpe de Estado, atentando contra o funcionamento normal do Congresso". Em paralelo à nota, o próprio Milei, em evento em Buenos Aires, disse que os oposicionistas têm um "plano de desestabilização, mas que isso não impediria a implementação de sua "agenda liberal".
Uma moção para paralisar a sessão chegou a ser votada e derrotada, e parlamentares governistas e ligados ao campo conservador chamaram os manifestantes de vândalos. Villarruel foi ao X, antigo Twitter, reiterar que o debate e a votação seguiriam mesmo ao som das bombas vindos do lado de fora.
“Os K [kirchneristas] tentaram interromper a sessão no Senado com a desculpa de ver a situação nas ruas. Ou seja, os senadores que pagamos para legislar vão verificar como é desenvolvido o plano de segurança nas ruas”, escreveu Villarruel. “Não vamos interromper a sessão do Congresso nem permitir que pedras ataquem a democracia.”