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Com dinheiro e desperdício, China luta pela independência tecnológica

Os chips são o cérebro e a alma de todos os eletrônicos que a China lança. No entanto, a maioria é projetada e produzida no exterior

Linha de produção de startup em Shenzhen: os chips são a nova obsessão chinesa  (Gilles Sabrie/The New York Times)

Linha de produção de startup em Shenzhen: os chips são a nova obsessão chinesa (Gilles Sabrie/The New York Times)

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Carolina Riveira

Publicado em 16 de janeiro de 2021 às 08h01.

Liu Fengfeng tinha mais de uma década de comando em uma das empresas de tecnologia mais proeminentes do mundo antes de perceber onde estava a verdadeira corrida do ouro na China.

Os chips de computador são o cérebro e a alma de todos os eletrônicos que as fábricas do país lançam. No entanto, a maioria é projetada e produzida no exterior. O governo chinês está investindo dinheiro em qualquer um que possa ajudar a mudar isso.

Assim, em 2019, Liu, de 40 anos, deixou seu emprego na Foxconn, a gigante taiwanesa que monta iPhones na China para a Apple. Ele descobriu um nicho – filmes e adesivos de qualidade para chips – e rapidamente levantou US$ 5 milhões. Hoje, sua startup conta com 36 funcionários, a maioria no centro tecnológico de Shenzhen, e pretende iniciar a produção em massa este ano.

"Antes, você poderia ter tido de implorar a seu avô e pedir dinheiro à sua avó. Agora, bastam algumas conversas e todos esperam que os projetos sejam iniciados o mais rápido possível", disse Liu.

A China está no meio de uma mobilização em massa para o domínio da produção de chips, uma busca cujos objetivos podem parecer tão insanos e impossíveis – pelo menos até que sejam alcançados – quanto enviar sondas à Lua ou liderar a tabela de medalhas de ouro olímpicas. Em todos os cantos do país, investidores, empresários e autoridades locais estão em um frenesi para desenvolver habilidades de semicondutores, respondendo a um chamado do líder do país, Xi Jinping, para depender menos do mundo exterior em áreas tecnológicas importantes.

Liu Fengfeng, CEO e fundador da Tsinghon: o executivo deixou um cargo na Foxconn para perseguir a nova mina de ouro chinesa (Gilles Sabrie/The New York Times)

Seus esforços estão começando a valer a pena. A China ainda está longe de contar com verdadeiras rivais para as gigantes dos chips dos EUA, como a Intel e a Nvidia, e seus fabricantes de semicondutores estão pelo menos quatro anos atrás da liderança em Taiwan. Ainda assim, as empresas locais estão expandindo sua capacidade de atender às necessidades do país, especialmente para produtos como eletrodomésticos inteligentes e veículos elétricos, que têm requisitos mais modestos que os supercomputadores e os smartphones de última linha.

O grande incentivo ao chip pode ser um dos legados mais duradouros das políticas comerciais belicosas do presidente Donald Trump em relação à China. Ao transformar a dependência do país em chips estrangeiros em um trunfo para atacar empresas como a Huawei, o governo fez com que os líderes empresariais e políticos chineses decidissem que nunca mais ficariam vulneráveis assim.

Mas, à medida que Pequim amplia suas ambições em semicondutores, também está se preparando para falhas potencialmente maiores – e avaliando a quantidade de dinheiro que pode perder no processo. Vários projetos de chips encalharam recentemente por causa do financiamento congelado e da má gestão. Um conglomerado de chips apoiado pelo Estado, o Tsinghua Unigroup, alertou em dezembro que corria o risco de dar calote em quase US$ 2,5 bilhões em títulos internacionais.

De certa forma, a China espera alcançar o mesmo tipo de impulso que a ajudou a progredir desde a fabricação de brinquedos plásticos até a criação de painéis solares.

Com os semicondutores, porém, "o modelo começa a quebrar um pouco", disse Jay Goldberg, consultor do setor de tecnologia e ex-executivo da Qualcomm. Desenvolver tecnologia é muito caro, e os interventores agora estabelecidos passaram décadas acumulando know-how. A Europa, observou Goldberg, já teve muitas empresas de chips "incríveis". Os fabricantes de chips do Japão são líderes em certos produtos especializados, mas poucos os chamariam de inovadores ousados. "Meu ponto é que há uma escada e a China a está subindo. Mas não está claro qual será o resultado", afirmou Goldberg.

O recente amor de Pequim por chips começou com a criação de um fundo de investimento gigante e focado neles em 2014. O governo estabeleceu uma meta elevada: até 2020, a China produziria 40 por cento dos chips que consumisse. Isso não se concretizou. Analistas do Morgan Stanley estimam que as marcas chinesas compraram US$ 103 bilhões em semicondutores em 2019, dos quais 17 por cento vieram de fornecedores locais. Eles preveem que a participação subirá para 40 por cento em 2025, muito aquém da meta do governo de 70 por cento.

A China vem com urgência renovada por causa do ataque dos Estados Unidos à Huawei, a campeã tecnológica chinesa, que foi impedida de comprar chips dos EUA ou até mesmo chips feitos com software e ferramentas americanos. O Departamento de Comércio impôs restrições semelhantes em dezembro às exportações para o fabricante de chips mais avançado da China, a Semiconductor Manufacturing International Corp. (SMIC), citando preocupações com os laços militares. A empresa negou que seus produtos tenham qualquer uso militar.

E assim, em 2020, a China aprovou novos incentivos fiscais para chips, incluindo uma isenção de dez anos de impostos corporativos, além da importação de materiais isenta de taxas. Fundos apoiados pelo Estado investiram em startups e empresas de capital aberto, inclusive quando a SMIC listou ações em Xangai em julho.

teste de adesivos para chips: a China tenta se livrar da dependência estrangeira (Gilles Sabrie/The New York Times)

Em uma reunião de alto nível sobre a economia em dezembro, os líderes do Partido Comunista consagraram a independência tecnológica como um dos "Cinco Fundamentos" do país para o desenvolvimento econômico.

A autossuficiência completa em chips, no entanto, significaria recriar cada parte das longas cadeias de suprimentos para algumas das tecnologias mais complexas do mundo – missão que parece levar, se não à loucura, pelo menos ao desperdício.

De acordo com uma análise da "China Economic Weekly", revista afiliada ao jornal oficial do Partido Comunista, o "People's Daily", o número de empresas relacionadas aos chips na China subiu para 58 mil entre janeiro e outubro de 2020, ou cerca de 200 por dia. Algumas delas, observou a revista, estavam no Tibete – lugar pouco associado à tecnologia de ponta.

"Até recentemente... o objetivo era: com o apoio do Estado, aumente a cadeia de valor, especialize-se onde a China tem uma vantagem comparativa, mas não tente enveredar pelo complexo labirinto de construir tudo você mesmo", disse Jimmy Goodrich, vice-presidente de política global da Associação da Indústria de Semicondutores, grupo que representa as empresas de chips dos EUA.

"Agora está muito claro que Xi Jinping está pedindo uma cadeia de suprimentos doméstica redundante. E assim as regras da economia, a vantagem comparativa e a eficiência da cadeia de suprimentos foram basicamente jogadas fora", afirmou Goodrich.

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